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Corrupção, tortura e ética na indústria do tráfico humano da Tailândia

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Corrupção, tortura e ética na indústria do tráfico humano da Tailândia Empty Corrupção, tortura e ética na indústria do tráfico humano da Tailândia

Mensagem por marcelo l. Sex Nov 22, 2013 8:59 am

Ao norte de Phuket, o destino paradisíaco de férias na Tailândia, fica a cidade de Baan Bang Khi. Lá, numa casa simples de madeira, vive uma senhora chamada Noi, que comanda boa parte da indústria de tráfico humano da costa oeste da Tailândia. Fiquei surpreso quando ela concordou em se encontrar comigo para uma entrevista, mas quando ela explicou como tinha a polícia tailandesa no bolso, tudo começou a fazer mais sentido – por que ela teria medo da imprensa? Noi afirmou pagar uma quantia generosa aos policiais, não somente para que eles fizessem vista grossa, mas para participarem ativamente no contrabando de refugiados de países vizinhos, como Mianmar e Laos.

“As autoridades de Bangladesh, Mianmar, Malásia e Tailândia trabalham junto conosco”, ela disse. “Primeiro, recebo um ligação dos corretores ou da guarda costeira tailandesa, que me dizem onde os refugiados estão.” Muitos dos refugiados chegam de barco e são pegos pela polícia antes que Noi os alcance e “[os abrigue] em cabanas na floresta”.

Ela afirma, com orgulho, que todos os seus funcionários são éticos porque não batem nos prisioneiros, o que não é o caso de outros traficantes de pessoas na Tailândia. “Eles precisam bater para receber o dinheiro mais rápido”, disse Noi sobre a competição. “Eles ligam para os parentes para dizer que estão sendo torturados. Às vezes, eles chegam a eletrocutar a pessoa enquanto ela está no telefone com os parentes. Aqueles que podem pagar são traficados. Aqueles que não, em geral, são vendidos como escravos. Para as mulheres, o destino é prostituição.”

Perguntei a Noi o que ela achava dos contrabandistas que maltratavam os refugiados. “Eu queria cortá-los em pedaços e jogá-los para os cães”, ela respondeu, sorrindo. Ela pode não estar exagerando – Noi ficou presa por nove anos e meio por assassinar uma família inteira – pai, mãe e filho. Perguntei por que ela tinha feito isso, mas ela só respondeu que eles eram criminosos e que ela os matou com uma faca. “Chop, chop, chop”, ela imitou. “Depois joguei eles para os peixes.”

Para passar o tempo na prisão, Noi escrevia uma carta por dia para o rei da Tailândia. O monarca nunca respondeu, mas isso não a impediu de continuar mandando cartas pessoais detalhando seu cotidiano, contando o que tinha comido no café da manhã e com quem. Cada carta terminava com um pedido de clemência. Um dia, 14 anos atrás, ela conseguiu ter seu desejo realizado e foi libertada por bom comportamento. Comparada com suas colegas presidiárias, Noi disse que vivia bem na cadeia. Hoje, sentada em sua casa humilde, porém, cara, ela parece uma tia simpática.

Noi diz fazer isso por caridade, porque está ajudando os refugiados, muitos deles muçulmanos rohingyas fugindo da limpeza étnica em Mianmar. Eles tentam chegar à Malásia, uma nação islâmica, mas precisam passar pela Tailândia – e como eles estão cruzando as fronteiras de forma ilegal e tentando entrar em países que não os querem, ninguém mais está disposto a ajudá-los.

Isso, de acordo com Noi, é o que torna o tráfico humano não somente ético, mas necessário. Por um preço, ela fornece transporte para longe das ameaças de prisão injustificada, abuso sexual e morte em seu país até santuários estrangeiros. É um serviço que nenhum governo, ONG ou agência da ONU oferece.


“Alguns acreditam que o tráfico humano é ético. Mas isso se torna antiético quando as pessoas são torturadas ou vendidas por dinheiro”, explicou Chutima Sidasathian, uma jornalista local que passou anos cobrindo o tráfico humano na Tailândia. Noi afirma que esse tipo de abuso não ocorre sob sua supervisão, mas também disse que não costuma alimentar os cativos e parecia gostar de contar como as pessoas traficadas eram torturadas.

Enquanto eu conversava com Noi, meu tradutor Abu – um rohingya que vive na Tailândia – esperava dentro do carro no final da rua. Ele só concordou em vir à casa de Noi porque o carro tinha janelas escurecidas, por trás das quais ele podia se esconder. Durante meses, ele vinha tentando pressionar a polícia para fechar os acampamentos onde os corretores mantêm os refugiados. Ele me disse que tinha levado a polícia a um desses acampamentos na floresta: “'Sua delegacia fica a apenas dois quilômetros do acampamento', eu disse a eles. 'É um lugar grande e vocês não sabem sobre ele. Estou a mil quilômetros daqui [em Banguecoque] e sei sobre isso.'”

Depois disso, Abu recebeu ameaças de morte e diz que sua cabeça foi colocada a prêmio. Ele evita ficar em casa com a família, no caso de ser atacado.

Histórias de policiais trabalhando lado a lado com traficantes como Noi são comuns. Na ilha de Phuket, conheci Ismair – outro rohingya que fugiu de Mianmar no começo do ano – morando num pequeno barraco de madeira que ele chama de lar. “Ancoramos nosso barco na costa da Tailândia depois de viajar por 12 dias”, ele me disse. “Então fomos pegos pela marinha tailandesa, que nos vendeu para os traficantes.”

“Nos últimos anos, com milhares de rohingyas vindo de Mianmar e barcos sendo interceptados pela marinha tailandesa ou outro braço qualquer dos militares, o tráfico se tornou parte do processo normal de lidar com o problema”, Chutima me disse. “Há provas irrefutáveis de que os militares capturam as pessoas e as entregam diretamente para os traficantes.”

Relatórios sugerem que a corrupção não termina aí; um policial teria supostamente atraído uma mulher rohingya e seu filho para longe do abrigo de refugiados, prometendo mandá-los para a Malásia. Em vez disso, eles foram sequestrados – possivelmente para serem vendidos aos traficantes –  e a mulher foi estuprada repetidas vezes. Chutima disse que, inicialmente, a polícia se recusou a tomar qualquer atitude porque “não queria se voltar contra um dos seus”. Toda manhã, ela acordava às cinco da manhã e dirigia duas horas até a delegacia de Phang Na, onde passava o dia pressionando a polícia para tomar alguma providência. Às vezes, ela ligava para o comandante fingindo ser uma jornalista de meios de comunicação internacionais, como a BBC ou a CNN, para tentar assustá-lo.

Finalmente, seus esforços deram resultado e o policial foi preso. A manchete chegou a vários jornais do Sudeste da Ásia, o que nunca teria acontecido sem a perseverança de Chutima. Infelizmente, ela me disse, as acusações contra o policial foram retiradas porque a vítima desapareceu.

As cicatrizes de Ismair mostram quão brutal o tráfico humano pode ser. Ele passou semanas em um acampamento e foi torturado enquanto os traficantes exigiam dinheiro de seus parentes. Pelo menos agora ele está livre e morando com outros rohingyas em Phuket – é mais comum que os refugiados sejam vendidos como escravos, normalmente para os barcos de pesca das costas da Tailândia e na Malásia e Indonésia. Alguns rohingya sequer conseguem chegar à costa. A jornada de Mianmar de barco pode levar semanas, com os refugiados aglomerados em embarcações improvisadas, geralmente amontoados uns por cima dos outros. Com pouca comida e água, muitos morrem de fome na viagem. Alguns barcos afundam, matando todos a bordo. Quando toda a esperança está perdida, alguns se jogam no mar, preferindo se afogar a morrer lentamente por desidratação.

“Um garoto rohingya disse que um homem se matou para salvar os outros no barco”, disse Noi. “Eles queriam os restos dele para comer, então ele cortou sua garganta. Quando me contou essa história, ele estava chorando, mas depois começou a rir.”

Noi parecia se deleitar ao me contar histórias como essa. Acho que, por ser uma assassina, isso não a incomodava. Mas me incomodou, juntamente com todas as outras histórias que ouvi sobre os rohingyas – tanto sobre seu massacre continuado em Mianmar como sobre suas longas e perigosas jornadas para encontrar um país que os aceite.

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Mensagem por Quero Café Sex Nov 22, 2013 11:27 am

Essas histórias de tráfico humano para escravismo sexual e laboral são muito cabulosas.
Eu as conhecia ligadas ao leste europeu principalmente nos países da ex-união soviética. Não sabia que isso ocorria na Tailândia. Mas faz todo sentido porque a cultura desse país parece ser um tanto sensualista e como tudo o que há nesse mundo tem um lado bom e um lado ruim, aí se apresenta um lado ruim disso.
Muito chocante.
E às vezes é engraçada essa figura do "bandido ético". Eu sinceramente não sei o que pensar disso ainda.
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Mensagem por elcioch Sáb Nov 23, 2013 7:59 am

acho que esse negocio de ética não existe, mas penso que existe algo como nos filmes de horror, só carniceiro.
no nosso mundo a justiça é odiada ja tudo que for ruim é idolatrado.
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Mensagem por ediv_diVad Sáb Nov 23, 2013 6:28 pm

Infelizmente isso e coisas piores ocorrem no mundo todo, também nos países "civilizados", não pensem que não.

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