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Islandia...revista PiauÍ

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Mensagem por marcelo l. Qua Fev 29, 2012 5:57 pm

A Islândia é mesmo sacudida. Depois da bancarrota, do vulcão e da primeira-ministra assumidamente gay, o país volta a surpreender. No início do ano, um personagem que nasceu como uma ficção decidiu que era hora de celebrar a democracia. Ao justificar a decisão de se lançar candidato às eleições parlamentares, explicou que estava cansado das dificuldades da vida de autônomo e “precisava garantir um salário fixo para cuidar dos meus assuntos”.

A candidatura-piada foi lançada na internet em maio e se revelou um fenômeno. Tanto assim que o candidato decidiu que concorrer ao Parlamento era pouco. Melhor mesmo era se lançar logo a prefeito da capital Reykjavík, o segundo cargo mais importante da hierarquia política do país, perdendo apenas para o de primeiro-ministro. Além dos benefícios pecuniários – um parlamentar ganha cerca de 7 mil reais enquanto o prefeito de Reykjavík embolsa 13,5 mil –, o cargo abriria horizontes mais amplos: “Quero arranjar um trabalho bem pago pra poder ajudar meus amigos e parentes. Também quero ter assessores e ganhar um monte de coisas de graça”, declarou com candura o candidato a prefeito.

E assim foi feito.

Em 29 de maio, Jón Gnarr, personagem inventado pelo cidadão islandês Jón Gunnar Kristinsson, venceu as eleições municipais com 20 666 votos, 34,7% do eleitorado. É como se o Macaco Tião tivesse chegado ao Palácio Guanabara, ou Cacareco ao Palácio dos Bandeirantes. Mais precisamente, é como se o seu Creysson tivesse sido eleito, e Claudio Manoel, a caráter, fosse investido do mandato. Só não é mais absurdo porque Jón Gunnar Kristinnsson registrou o nome da criatura em cartório, adotando-o e tornando-se, assim, a criatura do criador.

Jón Gunnar Kristinsson nasceu em 1967, e veio ao mundo decididamente a passeio. Vagou por três ou quatro escolas, sem se formar em nenhuma. O único diploma que obteve foi a carteira de habilitação de taxista. Não que tivesse vocação para bem servir ao público. O que lhe interessava, mesmo, era a música punk. Conhecido como Joãozinho Punk, foi baterista das bandas Ógledi (Mal-Estar) e Nefrennsli (Corrimento Nasal), ambas de saudosa memória. Do táxi, migrou para um emprego num abrigo de necessitados, dali pulou para vigia noturno de um sanatório, e quando se deu conta estava montando Volvos na Suécia.

Como tivesse um senso de humor anárquico, um amigo o convenceu de que estava jogando a vida fora. Voltou para a Islândia e foi direto para a rádio, onde ajudou a criar programas humorísticos como Fim do Mundo, Bíceps e Irmãos de Criação. A repercussão foi imensa – para o bem e para o mal. A ilha crescera com os relatos de selvageria das sagas nacionais, mas machadinha na cabeça é uma coisa, outra bem diferente é piada sobre um menino que aceita ser molestado sexualmente pelo pai em troca de dinheiro para comprar sorvete.

Em pouco tempo, a Islândia se dividia entre os que achavam Jón Gnarr um gênio e aqueles que o consideravam a escória da Terra. O fato de ser católico devoto, fanático, não deixa de ser mais uma de suas excentricidades – no país majoritariamente luterano, os católicos não passam de 3% da população, número ligeiramente inferior* aos que se professam ateus.

Como não era possível se eleger prefeito senão a bordo de um partido, Jón Gnarr fundou o seu: o Melhor Partido. A plataforma de governo incluía toalhas grátis em todas as piscinas públicas, ônibus gratuito “para estudantes e pobres coitados”, tratamento dentário grátis “para crianças e pobres coitados”, um Parlamento sem drogas até 2020 e – verdadeira pedra de toque do programa – um urso polar para o minizoo. Segundo Gnarr, a medida atrairia multidões de turistas e aumentaria a receita do combalido erário municipal. O pacote zoológico também mencionava “carnear as 27 ovelhas do minizoo e organizar um churrasco”, mas a medida não foi levada adiante.

Gnarr resumiu assim a plataforma política de seu partido: “A verdade é que não temos nenhuma plataforma partidária, mas fingimos ter uma.” O Melhor Partido tem a grande vantagem de poder fazer muito mais promessas do que seus concorrentes políticos pelo fato de não ter, assumidamente, a menor intenção de cumprir qualquer uma delas.

Muitos eleitores afirmam ter sido exatamente esta a razão pela qual votaram em Gnarr: nenhuma plataforma de governo lhes soara tão honesta. Como políticos tradicionais haviam sido sócios da bancarrota de 2008, piadistas por piadistas, melhor um profissional.

No seu discurso de vitória, Gnarr tranquilizou a população: “Ninguém deve ficar assustado com o Melhor Partido”, assegurou, “porque ele é o melhor partido. Se não fosse, seria chamado de Pior Partido, ou Partido Ruim. Nós nunca trabalharíamos para um partido assim.” Aduziu, a título de argumento definitivo: “E pior não fica.”

O primeiro dia de trabalho não foi mole. “Saí da primeira reunião de gabinete com dor de cabeça”, confessou Gnarr. “Tive muita dificuldade para entender tudo que ocorria lá.” Incompreensível, talvez; chato, jamais. O secretariado de Gnarr é formado por atores, cineastas, músicos, escritores e dramaturgos. O segundo na linha de poder é um ex-integrante da banda Sugarcubes. O encarregado dos transportes públicos é o novelista Sjón, autor de vários poemas musicados por Björk. Gnarr, cujo porta-voz é um cineasta, considera-o qualificadíssimo pelo fato de jamais ter tirado carteira de motorista.

E pasmem: o governo vai bem. O dia a dia do prefeito é acompanhado por 35 mil pessoas que o seguem no Facebook, o que corresponde, num país de 320 mil pessoas, a mais de 10% da população islandesa, ou quase 30% dos habitantes de Reykjavík. Diariamente, a turma é convocada a participar de microplebiscitos virtuais sobre questões da cidade: “Ônibus devem ou não ser gratuitos para menores de 18 anos?” “Quebra-molas devem ser abolidos?” “Os postes do centro são bonitos ou feios?”Nas sete piscinas públicas da capital, toalhas de graça e gratuidade para crianças com menos de 5 anos aumentaram, só nos primeiros onze dias, em 60% a frequência da meninada.

Também surtiu bom efeito a criação do prêmio Heróis da Sociedade, que agracia pessoas escolhidas a partir de uma lista indicada pela população com um convite para pescar salmão.

Um mês depois de assumir – e mesmo não tendo resolvido a questão do urso polar, cuja ausência no minizoo é conspícua –, 71% da população se diz satisfeita com Jón Gnarr. Alguns se assustam com tamanha popularidade. “O Melhor Partido foi formado em torno de um tipo de líder supostamente bufão e apolítico”, analisa o professor de literatura da Universidade da Islândia, Ármann Jakobsson. “Isso não é novidade. A Forza Italia de Silvio Berlusconi é outro exemplo de um partido que se dizia contrário aos políticos tradicionais.”

Na Islândia, a advertência soa particularmente sinistra. Em 1982, outro humorista se elegeu prefeito da capital. Davíd Oddsson, que interpretara Ubu Rei no início da carreira, viria a se tornar, dez anos mais tarde, primeiro-ministro do país. Uma de suas principais medidas foi a privatização e desregulamentação dos bancos que desaguaria na crise de 2008.

“Todos os políticos são uns idiotas. Pelo menos Gnarr é um idiota engraçado”, disse um fã recentemente. Todos torcem para que a piada continue divertida.

* Correção em relação à vesão impressa

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Mensagem por marcelo l. Qua Fev 29, 2012 5:57 pm

Um relatório da Organização das Nações Unidas publicado em outubro de 2007 afirmava que a Islândia, segundo todos os indicadores sociais, havia superado a Noruega e era agora o melhor país do mundo para se viver. Exatamente um ano depois, em 6 de outubro passado, boa parte dos 320 mil islandeses parou para ver o primeiro-ministro Geir Haarde se dirigir à nação. Era o meio da tarde, um horário fora do comum - os canais abertos islandeses começam a transmitir às 18 horas. Ainda assim, lá estava ele, severo, atrás de uma mesa tão sombria quanto seu semblante, tendo ao fundo a bandeira do país. Haarde falou por onze minutos. Ao concluir, disse:

Compatriotas, se jamais houve um momento em que a nação islandesa precisou demonstrar coesão e estoicismo na adversidade, este momento é chegado. Frente à tempestade que se inicia, exorto as famílias a conversarem entre si, a não se deixarem dominar pelo desespero, ainda que para muitos as perspectivas sejam sombrias. Precisamos explicar aos nossos filhos que o mundo não está à beira do apocalipse e que temos de arrancar, do fundo de nós mesmos, a coragem para enfrentar o futuro. Que Deus abençoe a Islândia.

Quarenta e oito horas depois, o primeiro-ministro inglês Gordon Brown -invocou uma lei promulgada depois do 11 de Setembro e incluiu a Islândia na lista de países e organizações terroristas. O Banco Central, o Ministério das Finanças e os dois maiores bancos islandeses se juntavam à Al-Qaeda e ao Talibã. Os ativos dessas instituições no Reino Unido foram sumariamente congelados.

No final de novembro, na sua acanhada sala de trabalho, em Reykjavík, Árni Mathiesen, o ministro das Finanças, balançou a cabeça e, ainda aturdido, disse: "A reação dos ingleses foi a pá de cal. Eles não precisavam fazer aquilo. Não consigo entender como alguém usa uma lei antiterrorista contra um país como o nosso. Nos pôr nessa lista."

Era o fim de um processo que levara a serena ilha do Atlântico Norte - que não possui exército e cuja polícia não anda armada - ao mais grave colapso de um país em tempos de paz. Em sete dias a Islândia se tornou a maior baixa da crise econômica mundial. Não se tratava de uma instituição financeira nem de um setor da indústria, mas de uma nação na bancarrota.

Os islandeses ainda buscam a metáfora justa: um furacão, um tiro, um caminhão que os atingiu por trás. E, se o processo que os derrubou não foi necessariamente o mesmo que levou o sistema financeiro internacional à lona, o trajeto da Islândia nos últimos dez anos talvez venha a ser visto pelos historiadores como exemplo das oportunidades, excessos, vulgaridades e riscos dos tempos em que as regras foram rasgadas para que o dinheiro pudesse gerar dinheiro.

Em 1936, o jovem poeta inglês

W.H. Auden propôs à editora Faber escrever um livro sobre a Islân-dia. Ao chegar ao porto de Reykjavík, ele registrou: "Minha primeira impressão é de uma cidade luterana, banal e remota." A sensação associada ao país foi sempre a de isolamento.

Quando os vikings chegaram, em 874, não encontraram quase nada. Trouxeram então suas mulheres celtas raptadas às ilhas britânicas e coloni-zaram a ilha. Trataram as florestas que cobriam um quarto das terras como os mineiros tratam suas minas, sem se dar conta de que eram frágeis e não se regenerariam. Em menos de sessenta anos a Islândia se transformou num deserto produzido por homens e ovelhas. O fluxo migratório cessaria em 930, quando o crescimento da população já não era suportável. A maior parte dos islandeses vivos descende diretamente desses primeiros homens e mulheres que aportaram no país há mais de mil anos - e o destruíram.

O desastre ambiental foi o grande responsável pela pobreza até meados do século passado. Halldór Laxness, Prêmio Nobel de Literatura em 1955, fala de personagens que têm vontade de tomar leite e não podem, que sonham em comer carne e não a encontram. Mesmerizadas, as crianças vêem as mães prepararem a primeira refeição do dia, torcendo para que ao pão seco venha se juntar uma pincelada de gordura e fígado de bacalhau. Até um passado recente, a vida do islandês podia ser descrita como uma batalha pelo mínimo necessário à sobrevivência: um peixe, um pedaço de carne, um abrigo contra o frio. O isolamento e as adversidades - fome, frio, vulcões, terremotos, pestes - geraram um povo obstinado e independente.

O país passou às mãos da Noruega em 1262 e da Dinamarca em 1380. A autonomia veio há 90 anos, e a independência, apenas em 1944. Durante todas essas etapas, o controle externo da ilha se resumiu a formalidades. Ela sempre foi deixada à própria sorte. Sem fortalezas, castelos e catedrais, nada na Islândia evoca a grande história européia; o trabalho do homem é atestado antes de tudo pelo que não está mais lá: as árvores que não existem, a paisagem lunar restante. Uma nação feita de fogo, gelo, água e vento.

No verão de 1936, Auden não se deixou atrair apenas pela aventura do isolamento. Queria também conhecer o país das sagas. Ao lado de gêiser, saga é a palavra que os islandeses deram ao mundo. Significa "história", ou "o que se diz". São narrativas compiladas nos séculos XII e XIII que formam uma das grandes épicas da literatura universal. Morte, amor, vingança, corrupção. Junto com as Eddas - textos em verso e prosa que narram os mitos nórdicos -, são o patrimônio imaterial da Islândia, as catedrais que não se vêem. Os islandeses sabem que pertencem a uma nação porque, além do gelo e do oceano, eles têm as sagas.

Durante muito tempo, foi o que bastou. Ao cabo da Segunda Guerra a Islândia era um dos países mais pobres da Europa. Seus três grandes bens - a energia geotérmica, os peixes e as sagas - eram coletivos. Todos podiam se aquecer e -pescar, e todos podiam acompanhar, no original, o drama da formação nacional. Prevalecia a noção de bem comum, até hoje um dos esteios da identidade islandesa. Auden escreveu em 1936: eles formam "a única sociedade realmente sem classes que já encontrei, e não se tornaram vulgares - pelo menos, não ainda". Num verso, acrescentou: "Ilhas são lugares à parte de onde a Europa está ausente."

Em meados da década de 90, um novo governo decidiu que chegara a hora de trazer a Europa para perto. O povo - ou grande parte dele - concordou.

"Quando eu estava na escola, no final dos anos 90, havia uma sensação de que estávamos condenados a ser um país acanhado, sem perspectivas", contou Jón Steinsson em sua sala na Universidade Columbia, em Nova York, onde leciona na Faculdade de Economia. Steinsson formou-se em Princeton e Harvard e, com menos de 30 anos e rosto de adolescente (lembra o Pimentinha), é uma das estrelas ascendentes no campo da macroeconomia. Trabalhou no Banco Central da Islândia no início da década, e em outubro passado, nos dias mais negros da crise, foi chamado às pressas para assessorar o primeiro-ministro. "O que muita gente chama hoje de 'ambição desmedida'", disse, "foi um processo mais complexo de afirmação nacional e de criação de oportunidades."

Até o início dos anos 90, os islandeses nasciam e morriam num país que pouco se transformava. Os empregos se concentravam na indústria pesqueira, que respondia por 50% das exportações. O então prefeito de Reykjavík intuiu que havia a possibilidade de mudar as coisas.

Chamava-se Davíd Oddsson, usava um topete arquitetônico, era ambicioso e popular. Na juventude, fora cômico e ator. Tornou-se conhecido por interpretar o Ubu Rei, na peça homônima de Alfred Jarry, o criador da Patafísica, a ciência das soluções imaginárias. Seus dez anos na prefeitura, de 1982 a 1991, coincidiram com os governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, atentamente observados. Convidou economistas liberais como Milton Friedman e Friedrich Hayek a visitar sua cidade e deles ouviu propostas para desengessar o modelo islandês, no qual o Estado ocupava quase todo o espaço.

Em 1991, Oddsson foi eleito primeiro-ministro. Exerceria o cargo até 2004 - o mais longevo premiê da Islândia. Estava a caminho de se transformar no político mais poderoso - e mais radical - da história do país. Começou por privatizar a empresa municipal de pesca e, ano a ano, puxou à frente a agenda de liberalização do país. Aboliu o imposto sobre a riqueza, reduziu drasticamente os impostos sobre pessoa física e jurídica e fez o mesmo com o imposto sobre heranças. A economia respondeu. A renda média das famílias cresceu 17%.

Em 2003, Oddsson deu o passo crucial. Privatizou e consolidou o sistema bancário, que passou a ser dominado por três grandes bancos: Kaupthing, Landsbanki e Glitnir. Jón Steinsson comenta que pela primeira vez os islandeses tiveram acesso a crédito. "Podíamos abrir uma empresa ou expandir um negócio. Ganhamos uma autoconfiança que não tínhamos: 'Vamos ser o país dos empreendedores!'"

Por essa época, uma palavra entrou no léxico do país: útrás. É formada por út (para fora) e rás (corrida). A palavra é meio agressiva", explica Ísleifur Thórhallsson, ou Ísi, um jovem produtor musical. "Significa uma invasão ao contrário, uma ex-vasão, ir para fora e se apropriar de coisas, pilhar. Nos anos loucos, tudo girava em torno de útrás", ele diz, com um sorriso não propriamente alegre.

A palavra passou a ser repetida com orgulho por políticos do governo e foi incorporada por uma nova geração cujos anseios não combinavam mais com o espírito insular. Útrás exprimia o desejo de garantir um lugar no mundo e rejeitar a "ilha à parte" de que falava Auden. "Útrásarvíking: era o que se dizia", explica Gudmundur Jónsson, professor de história da Universidade da Islândia: "Investida viking, raide para conquistar fama e dinheiro. A tomada do mundo."

A Islândia de Davíd Oddsson cresceu a taxas altíssimas. Ainda que toda a sociedade tivesse prosperado, alguns prosperaram mais. Um punhado de 20 ou 30 neovikings (os números variam) se apropriou da maior parte do produto. "Começou a surgir um abismo entre os mais ricos e o grosso da população", relembra Jónsson. "Tanta riqueza nas mãos de tão poucos era um fenômeno absolutamente novo na sociedade islandesa."

Um certo Ólafur Ólafsson, presidente da segunda maior companhia de navegação do país, contratou Elton John para tocar no seu aniversário de 50 anos. Outro, ligado ao Landsbanki, levou um grupo de amigos para uma ilha no Caribe e, não querendo ficar para trás, chamou o rapper americano 50 Cent para embalar a sua festa de 40 anos. Pela primeira vez, islandeses endinheirados exibiam jatos e helicópteros particulares. Numa enquete de 2007, um jornal perguntava: "Quem é o bilionário mais interessante do país?"

Os não-bilionários também enriqueciam. Uma explosão imobiliária começou a transformar a aldeia que Auden visitara. O entorno de Reykjavík foi desfigurado a golpes de promessas vultosas de investimento. Prédios subiram no centro histórico. Concessionárias de carros tinham dificuldade em atender aos pedidos. Ao lançar o Land Cruiser, um carro de 100 mil dólares, a Toyota rapidamente identificou seus dois maiores mercados: Rússia e Islândia. Com a moeda forte, os islandeses se acostumaram a passar fins de semana em Londres e Nova York para fazer compras. Em coroas islandesas o mundo era barato, e endividar-se era um recurso sempre disponível.

Tanta prosperidade se alicerçava na extraordinária expansão dos três bancos. Entre 2003 e 2007, o PIB cresceu 25%. No mesmo período os bancos se multiplicaram por dez. E, sendo tão pequena a população islandesa, tamanho desempenho exigia ambições internacionais. O Glitnir, o Landsbanki e o Kaupthing passaram a abrir agências de Nova York a Helsinque. E a oferecer taxas de captação que chegavam a ser 50% mais elevadas que as dos bancos tradicionais.

Um dos mistérios do milagre islandês é de que maneira um sistema financeiro baseado num país tão pequeno pôde crescer tanto em tão pouco tempo. Segundo Jón Steinsson, havia uma percepção generalizada de que os três bancos eram tão importantes para a economia islandesa que as autoridades jamais permitiriam que quebrassem. Seriam "bancos sistêmicos", logo, eternos. Algumas agências de risco compraram o argumento e, por algum tempo, concederam-lhes avaliações excessivamente generosas. Em alguns casos, chegaram a ser considerados Triple A, o Olimpo das avaliações, negado a bancos infinitamente mais sólidos, como o JP Morgan e o Bank of America.

Com reputação tão estelar, os banqueiros islandeses se julgaram protagonistas do sistema financeiro global. O Triple A estimulava os grandes investidores institucionais a buscar as altas taxas dos bancos islandeses, muitas vezes sem conhecer direito as garantias oferecidas. Empacotavam-se produtos de -instituições diferentes e, num passe de prestidigi-tação, o banco que acabara de aportar no cenário desaparecia em meio a instituições centenárias. Quanto à dona de casa que, na Inglaterra, tomava a decisão de depositar sua poupança num banco islandês, que a remunerava tão mais generosamente do que o Barclays ou o HSBC, ela imaginava que as leis de proteção do correntista inglês vigoravam também no seu caso - afinal, ela não fora até a Islândia abrir uma conta, apenas ao computador da família ou à nova agência inaugurada no bairro.


Os bancos islandeses cresceram, e cresceram - "como num conto de fadas ", segundo o primeiro-ministro Geir Haarde. Em outubro de 2006, o Landsbanki lançou um banco on-line chamado Icesave, com vistas a captar depósitos na Inglaterra e na Holanda. Sucesso estrondoso. A fartura se cristalizava numa entrevista dada pelo presidente do banco, Sigurjón Árnason. Ele tentava explicar a dimensão de sua glória: o modelo era tão bom e o dinheiro tanto e tão farto que dispensava maiores esforços. No último parágrafo, lê-se: "'A única coisa que tenho de fazer é checar no fim do dia quanto foi depositado', diz Sigurjón, rindo. Pega então o telefone, faz a pergunta e anuncia: 'Cinquenta milhões de libras, só nesta sexta-feira!'"

Ísi era distribuidor de cinema na época. Da sua turma de colégio, foi o único que não migrou para o sistema financeiro. "Tudo girava em torno desses três bancos", diz. "As vagas eram ilimitadas, e o salário não se comparava a nada do que conhecíamos. Engenheiros, professores, matemáticos, psicólogos. todo mundo foi para os bancos. Você se perguntava: 'Será que eu também não devia ir? Tem alguma coisa errada comigo?'"

Bergsteinn Sigurdsson, um repórter de 29 anos do jornal Fréttabladid, conta que enfermeiras deixaram os hospitais e se tornaram gerentes de conta. Encontrar vagas para os filhos no pré-primário era uma dificuldade. "As professoras viam o salário e mandavam o emprego às favas. 'Melhor trabalhar num banco', diziam." "O novo mantra era: 'Não precisamos mais dos peixes. Agora temos os money markets.'" No bar de um hotel, seu colega Kolbeinn -Proppé resume: "O sistema financeiro era bem mais sexy do que bacalhau."
"Durante muito tempo tivemos vergonha da nossa pobreza", continua -Bergsteinn, "então, quando enriquecemos, foi muito bom. Deixamos de ser frugais. A minha geração se endividou, frequentemente em moeda estrangeira, porque era mais barato." "A diferença", diz Proppé, "é que nossos avós saldavam suas dívidas. No nosso caso, os bancos insistiam: 'Não paguem, façam mais dívidas.' Quem estudou comigo se lembra dos bancos indo lá oferecer cartões de crédito. Ter um cartão era mais fácil para nós do que para os nossos pais."

Havia quem se endividasse mais do que a geração de Bergsteinn e Proppé: os próprios bancos. Seus depósitos inchavam, e no final de 2007 o Glitnir, o -Landsbanki e o Kaupthing eram doze vezes maiores do que a economia islandesa. O umbigo estava na Islândia, mas cabeça, corpo e membros, na Europa. Lá fora, colhiam depósitos e concediam empréstimos em euros, libras e dólares. Ali dentro, prestavam contas em coroas islandesas e emprestavam em moeda forte, supervisionados pelo Banco Central da Islândia. Alguém sugeriu a imagem de um gato se equilibrando no corpo de um rato.

A Islândia realizou seu projeto de útrás voando alto com dinheiro emprestado. Lojas de departamento em Londres, supermercados na Escandinávia e um clube de futebol na Inglaterra passaram a mãos islandesas. Para tratar do bacalhau, da construção civil, dos serviços de manutenção e limpeza, importaram-se trabalhadores de Portugal, Polônia e Bielo-Rússia. A taxa de desemprego era próxima do zero. O país caminhava firme - ou supunha caminhar - em direção ao sonho de se tornar uma potência financeira sediada num pequeno território, como a Suíça ou Luxemburgo.

Até que no dia 15 de setembro passado o mundo acordou com a notícia de que o banco de investimento Lehman Brothers havia pedido concordata.

"Foi o acontecimento zero, o início da derrocada", diz Jón Steinsson. Sabia-se que o modelo islandês era inviável - a partir de 2005, pipocaram aqui e ali relatórios que demonstravam ser impossível, a um país tão pequeno, sustentar com a própria moeda um sistema financeiro tão grandioso. A embriaguez dos mercados, entretanto, parecia impermeável a toda racionalidade. "Especulação em grande escala exige um sentimento espraiado de confiança e otimismo. Quando as pessoas são cautelosas, desconfiadas ou até mesquinhas, elas se tornam imunes ao entusiasmo especulativo", escreveu o economista John Kenneth Galbraith em seu livro sobre o crack de 1929. No mundo, e em especial na Islândia, a prudência desaparecera. De austera, a pequena ilha passara a viver num entusiasmo quase carnavalesco.

A quebra do Lehman foi a ducha gelada. De uma hora para outra os investidores constataram que, se um baluarte de Wall Street capaz de atravessar incólume a crise de 29 podia virar pó, então todos estavam em risco - principalmente os aventureiros. Em nada ajudou o fato de um dos três bancos islandeses, o Glitnir, dispor de uma linha de crédito no Lehman.

O que se seguiu foi uma corrida aos bancos. No dia 29 de setembro, já à míngua, a direção do Glitnir pediu ajuda ao Banco Central islandês. Em vez de uma linha de crédito emergencial, souberam que o banco seria estatizado. O governo injetaria 600 milhões de euros e, em contrapartida, ficaria com 75% das ações. No dia seguinte, o grupo controlador do Glitnir pediu concordata. Por sorte o plano do BC não chegou a ser implementado. Caso contrário, a crise bancária se transformaria numa crise do Tesouro, pois as obrigações do Glitnir passariam a ser obrigações da Islândia. Mas a sorte durou pouco. A quebra do primeiro banco produziu um efeito dominó. Investidores começavam a se dar conta de que, sem acesso à moeda forte, o Banco Central da Islândia seria incapaz de garantir as dívidas dos bancos que supervisionava. "Em vez de serem bancos grandes demais para falhar, eram grandes demais para serem salvos", resume Steinsson.

Na semana seguinte, o Landsbanki se tornou a bola da vez. Na véspera da quebra, o primeiro-ministro foi à televisão avisar à nação que a tempestade começara a fustigar a ilha. Nessa mesma noite de 6 de outubro, quem, da Islândia, tentou se comunicar com o mundo via Skype recebeu a informação de que cartões de crédito islandeses não eram mais aceitos.

No dia 7 de outubro, quando o Landsbanki quebrou, levou junto o banco virtual Icesave. Estrangeiros que tentaram sacar seu dinheiro encontraram a seguinte mensagem na única página acessível do site: "No momento não estamos processando pedidos de depósito ou saque nas nossas contas on-line. Pedimos desculpas por qualquer inconveniente causado aos nossos clientes."

Alistair Darling, ministro das Finanças da Inglaterra, ligou à tarde para seu colega islandês, Árni Mathiesen, e os dois tiveram uma conversa que se transformaria num dos capítulos mais contenciosos da crise. O jornal Financial Times conseguiu uma transcrição do diálogo. Darling queria saber se o governo da Islândia, que acabara de estatizar o Landsbanki, compensaria os 300 mil correntistas ingleses do Icesave. "Espero que sim", respondeu Mathiesen, "mas não posso garantir isso agora. Estamos trabalhando dobrado para solucionar o problema. Não queremos ter esse peso sobre a nossa cabeça." No dia seguinte, Darling declarou à BBC: "O governo da Islândia, acreditem ou não, me disse ontem que não tem a intenção de honrar suas obrigações conosco."

Mathiesen não havia dito exatamente isso, mas o governo inglês decidiu não protelar. No dia 8, Gordon Brown anunciou que o Reino Unido poderia processar a Islândia, cujos bens em solo inglês estavam desde já congelados. O instrumento que dava legalidade ao congelamento era precisamente a lei antiterror do 11 de Setembro. O anúncio foi tão intempestivo que instalou a confusão: o que de fato havia sido congelado? Os bens de um banco, de um governo ou dos cidadãos?

Para piorar, as reservas em moeda estrangeira do Banco Central da Islândia estavam depositadas no BC inglês. Na percepção geral - e, no caso, percepção era tudo -, a Islândia não dispunha mais de um só euro ou dólar. A coroa despencou. Na frase de um morador de Reykjavík, "virou dinheiro de Banco Imobiliário". Era como ter patacas no bolso.

A medida de Brown, drástica e espetaculosa, abafou uma notícia importante: o único banco islandês ainda de pé, o Kaupthing, conseguira naquele mesmo dia um empréstimo do governo sueco. O Kaupthing, o maior dos três bancos, a maior empresa da Islândia, a mais bem gerida, era até o momento um banco solvente, e a ajuda sueca lhe dava liquidez. Não adiantou. A Islândia já se tornara um pária do sistema financeiro internacional. O Kaupthing quebrou e foi nacionalizado no dia seguinte, 9 de outubro.

Em menos de uma semana o sistema financeiro da Islândia derreteu, e, com ele, a economia nacional. Foi uma débâcle à antiga, uma corrida bancária motivada pela desconfiança, sem o concurso de subprimes, derivativos ou qualquer outro instrumento da metafísica financeira contemporânea. Parecia que a Islândia havia sido fulminada pelo escorbuto.

No centro do desmanche estava o mesmo homem que, dezessete anos antes, decidira transformar a Islândia. Depois de entregar o cargo de primeiro-ministro e passar um ano como ministro das Relações Exteriores, Davíd Oddsson assumira o Banco Central. Na estranha cultura política islandesa, velhos polí-ticos, depois de se aposentar, ganham a sinecura de uma diretoria do BC; elas são três: duas para as acomodações políticas e a terceira para um economista. "A diferença é que antigamente os dois políticos iam jogar golfe e deixavam o técnico trabalhar", diz o jornalista Bergsteinn Sigurdsson. "Mas Oddsson decidiu virar banqueiro central."

Meses antes da quebra, o Kaupthing percebeu a fragilidade do modelo e sugeriu publicar seu balanço em euros. Seria o primeiro passo para transferir suas operações para a Inglaterra, onde poderia contar com um banco central poderoso. Num jantar do Fundo Monetário Internacional, em Washington, ao ouvir esta proposta do presidente da instituição, Davíd Oddsson - como todo islandês, obstinadamente independente, e como todo homem de direita, cético das grandes burocracias transnacionais, como a União Européia - respondeu, sem se preocupar em não ser ouvido: "Se você fizer isso, eu te quebro em uma semana.

Na primeira quinzena de outubro, ao ver a coroa desmoronar, Oddsson decretou o câmbio fixo. Conseguiu sustentá-lo por um só dia. Anunciou em seguida um empréstimo - inexistente - feito pela Rússia. Reduziu a taxa de juros e duas semanas depois elevou-a de novo, seis pontos de uma só vez. Quem ainda tinha dúvidas de que a Islândia estava na mão de amadores convenceu-se de vez.

No final de outubro, o PIB da Islândia quando calculado em euro havia se contraído 65%; em coroa, 15%. Setenta e cinco por cento dos arquitetos foram demitidos, todas as construções estavam paralisadas. A venda de automóveis caiu 90% (algumas estatísticas indicam que nenhum carro foi vendido no mês de outubro). Corriam notícias - provavelmente infundadas, mas vivas no pesadelo nacional - de que até 80% das empresas quebrariam em seis meses. Cinquenta por cento dos jovens entre 18 e 24 anos pensavam em emigrar. Quem quisesse viajar, fosse qual fosse o motivo, inclusive negócios, tinha de pedir autorização ao Banco Central para comprar moeda estrangeira. Era quase impossível adquirir oficialmente mais de 700 euros.

Isso é o que todos sabiam. Mais assustador é o que não se sabia. Ao quebrar, o conjunto dos bancos carregava 75 bilhões de dólares nos balanços: 250 mil dólares para cada homem, mulher e criança da Islândia. Seja qual for o tamanho do passivo, ele agora pertence ao país, cujo PIB, em função da volatilidade da moeda, estaria entre 7,5 e 9 bilhões de dólares. Ninguém sabe ao certo a quanto chega a dívida do Icesave, mas há quem diga que supera o PIB. Se os credores - entre os quais 120 municípios ingleses, organi-zações filantrópicas, hospitais e universidades (só Cambridge depositou 20 milhões de dólares), além de centenas de milhares de pequenos correntistas - forçarem os respectivos governos a cobrar a dívida, a Islândia terá de passar adiante, apenas neste caso, o equivalente a um ano de tudo o que produz. A reparação exigida da Alemanha ao fim da Primeira Guerra, com o Tratado de Versalhes, não chegou a tanto: limitou-se a 85% do seu PIB.

Foi no início de novembro, enquanto o frio apertava e os dias se tornavam mais curtos, que surgiram as primeiras piadas. "Você sabe como salvar um especulador que está se afogando? Não? Ótimo." "Como se livrar de um banqueiro que bate à sua porta? Basta pagar a pizza." "Que nome se dá a 500 investidores no fundo do oceano? Um bom começo."

Nos shoppings vazios os quiosques exibiam camisetas: Oddsson com bigode de Hitler, "Islândia = Banana Republic", "A Islândia é o país mais quebrado do mundo". Era um modo de não se desesperar. De fora, vinham notícias de islandeses hostilizados em cidades que antes os recebiam de lojas abertas. Em Copenhague, ao mostrar o passaporte, um islandês ouviu de um policial: "Devolva o meu dinheiro!" Em Londres, um outro foi convidado a se retirar de um restaurante. Lia-se na seção de cartas do jornal em inglês Reikjavík Grapevine: "Talvez seja uma boa idéia vender a Islândia a quem oferecer mais. Porque esta é a única coisa que esses criminosos ainda têm: o país deles." E ainda: "É bom ver este país corrupto descer pelo ralo, levando junto seus criminosos, seus banqueiros e seus políticos. Temos de colonizar este país e pôr o povo para trabalhar, a salários de fome, claro. E depois de cem anos, quando a dívida estiver paga (inclusive os 9% que nos prometeram sobre os depósitos), a ilha poderia ser usada como campo de provas de uma nova bomba atômica."

A palavra útrás foi substituída pela palavra kreppa: crise, recessão, aperto - como um espasmo ou um punho fechado. "Nasci em 1979, não sei o que são tempos difíceis", comentou Bergsteinn. "Mas, agora, todo mundo sabe de alguém que perdeu o emprego. No jornal, aceitamos um corte no salário para não sermos despedidos. É assustador."

"Não perdemos apenas dinheiro. Perdemos também o orgulho de sermos sensatos, justos, de não sermos vulgares", diz Thorhallur Vilhjálmsson enquanto caminha pelas vigas de uma obra em construção à beira do oceano, no ponto mais bonito da orla. Ao fundo, coberto de neve, vê-se o Snaefellsjökull, o vulcão extinto por onde os personagens de Julio Verne chegaram ao centro da Terra. "Aqui seria o restaurante", diz Thorhallur, apontando uma laje nua. Ele é o diretor de marketing do Centro de Convenções e Música da Islândia, o esqueleto mais conspícuo de Reykjavík.

Orçado em 220 milhões de dólares, foi concebido para ser o legado do proprietário do Landsbanki à Islândia. Resultou de um concurso internacional de arquitetura do qual participaram, entre outros, o francês Jean Nouvel e o inglês Norman Foster - venceu o dinamarquês Henning Larsen - e foi projetado para ser um edifício à altura dos prédios públicos que puseram no mapa cidades como Sydney e Bilbao. Os poliedros de vidro que se lançam sobre o mar, como um navio translúcido, seriam o destino das melhores orquestras e dos grandes artistas. Previa-se a inauguração para dezembro próximo.

A incorporadora quebrou no primeiro semestre do ano passado; o banco, seis meses depois. Sobraram Thorhallur, meia dúzia de operários e 28 mil metros quadrados de obra inacabada, além de um site no qual ela aparece concluída, ao lado do hotel cinco estrelas e da nova sede do Landsbanki que ocupariam o terreno contíguo, doado pelo governo. Muitos dizem que a imensa estrutura será o verdadeiro monumento ao fracasso da década. Não há como se esconder do esqueleto. Por causa de sua localização privilegiada, está sempre a duas esquinas do olho.

Thorhallur tem cerca de 40 anos, bochechas rosadas, cavanhaque e jeito de quem passou boa parte da vida ao ar livre. Num filme, faria o papel de lenhador. Descreve a obra com paixão. Imagina-a como a expressão do espírito islandês: um lugar democrático e para todos. "Para nós, ser islandês significava que éramos iguais. Não havia ricos nem pobres. Aí veio a demência, e uns trinta caras ficaram obscenamente ricos. Não estávamos acostumados a isso. Olha ali em cima", ele aponta, indicando a parte superior das paredes da sala de concertos, cujo pé-direito passa dos 10 metros. "Eles queriam construir camarotes VIPs ali. Quando eu trazia pessoas para visitar a obra, nunca falava disso porque o conceito me constrangia."

Um dos poucos operários ainda em serviço passa e diz olá num idioma que não é o islandês. Thorhallur prossegue: "E você sabe, há também a questão do zelo, do respeito ao trabalho bem feito. Os milionários não tinham disso. O dono do Landsbanki jamais mencionava os poloneses que estavam construindo esse prédio. Mas bate só nessa parede: é trabalho decente, sólido. Esses caras mereciam receber o crédito e foram esquecidos. Estamos com vergonha de nós mesmos."

Thorhallur compreende a ambivalência do que diz. Útrás não era apenas uma idéia econômica, mas também a sensação de integrar um corpo maior do que a Islândia. Era uma possibilidade de diálogo com o mundo. A obra que ele defende com alegria reflete o viés arejado da expansão. "Eu sei, sem esses caras nós jamais teríamos a ambição de construir um prédio como esse. É o reverso da medalha. De todo modo, agora eles se foram, os camarotes VIPs foram riscados do projeto e eu sinto que ganhei minha Islândia de volta." Abre um sorriso: "As pessoas vivem dizendo: Fuck the system! Pois bem, o sistema se fodeu sozinho. A revolução veio, e nós não tivemos de fazer nada."

Um mês depois da tragédia, no entanto, Davíd Oddsson continuava no poder. Nem ele nem o governo caíram - e aos poucos os islandeses foram substituindo o choque pela raiva. "No princípio ficávamos em casa xingando a televisão. Somos uma nação de fazendeiros deslocados", diz Thorhallur, "e é isso que os fazendeiros fazem: se fecham em casa e protestam em família. Os franceses vão para a rua porque vivem há séculos em cidades e se acostumaram. Agora, pela primeira vez na história, estamos furiosos. E decidimos ficar furiosos juntos."

Os primeiros sinais de que a Islândia deixara de ser um país dócil foram anedóticos. Um banqueiro foi expulso de uma academia de ginástica. Outros acharam mais prudente se mudar para Londres. Os que ficaram decidiram imitar Oddsson e o primeiro-ministro Haarde: deixaram de andar na rua e contrataram guarda-costas, fato que os moradores de Reykjavík repetem à exaustão, com o espanto de quem narra a chegada de extraterrestres. "É realmente inédito!", -exclama Ísi, o produtor musical.

O pudor é um sentimento tanto mais forte quanto menor for o grupo. Na Islândia, quando se falha, falha-se diante de todos, paroquialmente. Todo drama acaba sendo familiar, como o cunhado patife que constrange os parentes ao aparecer na ceia de Natal. "Esse é um país muito pequeno, todos se conhecem. Qualquer ida ao supermercado se torna uma jornada épica rumo ao passado, porque é impossível não esbarrar num velho professor da escola ou num colega do pré-primário", conta Thorhallur. "O primeiro-ministro andava pela rua, a gente acenava. Agora eles não podem nem entrar num restaurante."

No dia 10 de outubro, um dia depois da quebra do último banco, 200 pessoas se reuniram na frente do Banco Central para reivindicar a destituição de Oddsson. -Hördur Torfason era uma delas. Tomando o microfone, disse ao grupo: "Isso não é uma crise financeira, é uma crise política. O protesto não deveria ser aqui, mas na Praça do Parlamento." Sem saber, ele se transformava, naquele instante, no líder das maiores manifestações da história islandesa. No sábado seguinte uma multidão se aglomerou diante do Parlamento para exigir a renúncia do governo.

Numa sexta-feira em fins de novembro, subi os três andares de um prédio numa rua quieta do centro histórico de Reykjavík. Hördur abriu a porta. Ele tem cerca de 50 anos e lembra o ator Daniel Craig. Seu apartamento é simples e branco; a única cor é o azul do chão. Hördur é cantor, compositor e ator. Define-se como "artista", e talvez seja o que ainda hoje, em lugares como o bairro de Santa Teresa, no Rio, ou Mauá, na Serra da Mantiqueira, recebe o nome de trovador. Não tem televisão. Toma chá. É corajoso: na Islândia luterana do início dos anos 70, foi o primeiro homem a se declarar publicamente gay.

"Estamos falidos, eles brincaram com o nosso dinheiro", começa, enquanto ferve água para mais um bule. "Morei na Dinamarca muito tempo, e a cada vez que voltava o choque era maior. A vulgaridade. A partir dos anos 60 a pobreza foi ficando para trás, mas na verdade continuamos modestos nas nossas preferências. Nos tornamos um dos países mais ricos do mundo, mas no início não se conseguia ver a riqueza. E então, nós a vimos. Era como se alguém que tivesse ganhado na loteria passasse a pular com os sacos de dinheiro na mão. Agora acabou. Estão todos com raiva e com vergonha."

Ele se aproxima da ampla janela que se abre para a baía. À beira-mar, há um prédio inacabado. O guindaste imóvel lembra um bicho. Hördur diz: "Eles iam morar lá, nesses edifícios que desfiguraram a cidade. Esse esqueleto tem dezessete andares. Dizem que vão colocar apenas os vidros, para impedir que o vento destrua o resto. Essa geração não conheceu a adversidade, só o luxo. Eu os chamo de geração adormecida."

As manifestações canalizaram o descontentamento. Vêm acontecendo todos os sábados, sempre às três da tarde, na frente do Parlamento. Estávamos na véspera do sétimo sábado. Sete dias antes, haviam comparecido 6 mil pessoas: 2% da população.

Às duas e meia da tarde, sob frio intenso e céu baixo, com nuvens carregadas, a Praça do Parlamento ainda estava relativamente vazia. Um homem dava entrevista a uma televisão da Letônia: "Dez sujeitos endividaram meus netos, é por isso que estou aqui. A democracia deixou de existir."

A praça vai sendo tomada pela multidão e quase todos carregam cartazes. "Nós todos protestamos", "Davíd [Oddsson] = Rei; Geir [Haarde] = Palhaço; Árni [Mathiesen] = Bobo da Corte", "Abaixo o capitalismo". Um homem de 50 anos, desempregado da construção civil, agita uma fotografia de Haarde na qual se lê: "Seu tempo acabou." "Terrorista", diz o homem, apontando a imagem do premiê. Um outro que perdeu o carro num acidente - o seguro era do Kaupthing - traz a fotografia de todo o conselho de administração do banco: "Estou aqui por causa deste, e deste, e deste, e deste."

Uma bandinha começa a tocar marchas fúnebres e marciais. Escritores tomam o palco e lêem trechos de sagas em que as almas penadas e os canalhas são substituídos por políticos e milionários. Gordon Brown aparece vestido de Hitler. Um senhor traz um cartaz que ataca o Baugur, grupo que controla supermercados, jornais e bancos e cujo dono, Jón Ásgeir, talvez seja o mais notório dos neovikings, e, também, o único a permanecer na Islândia para enfrentar os protestos. Rente ao palco, um menino de 10 anos segura uma cartolina que pergunta em várias línguas: "Qual será o meu futuro?"

Às três em ponto, com cada palmo de chão ocupado, todos cantam o hino nacional. Hördur pega o microfone e grita: "Vocês querem derrubar o governo?" A resposta é estrondosa. "Davíd?" "Fora!" "Geir?" "Fora!" "Fora!" "Fora!" Ele passa a palavra a uma estudante de direito cujo rosto de ossos salientes lhe dá uma expressão firme. Com um discurso crescentemente inflamado, ela conclama a população a não pagar as dívidas. As veias de seu pescoço saltam e a voz se quebra sob o esforço dos gritos. Passados dez minutos, ela estica o braço em direção ao Parlamento e conclui, com raiva e desprezo incontidos: "Se dentro de uma semana vocês não saírem, haverá uma revolução!"

No mesmo instante, uma imensa faixa é desenrolada do alto de um prédio e, ruidosa, quase alcança o chão: nela, um lobo chamado FMI engole a Islândia e excreta as palavras educação, saúde, independência. Um rapaz ergue o punho no telhado. Do outro lado da praça, um segundo ativista aparece no balcão do Parlamento e pendura uma placa no gradil. Em letras vermelhas, lê-se: À VENDA. Por sobre as palavras, um carimbo: VENDIDO. O valor: 2,1 bilhões de dólares, a cifra que naquela semana o governo havia acordado com o FMI - era o primeiro país do mundo desenvolvido a recorrer à instituição em mais de trinta anos.

Alguém avisa que um militante havia sido preso na véspera. Alcançara o telhado do Parlamento, não para pendurar placas, mas para substituir a bandeira do país pelo pavilhão de um supermercado do grupo Baugur. O símbolo da rede é um porco. Em meio a gritos, Hördur propõe que as pessoas deixem a praça e se dirijam à chefatura de polícia, onde o rapaz está encarcerado. Cerca de 200 pessoas se põem a caminho.

Uma delas é Thór Jóhannesson, de 33?anos, estudante de literatura prestes a se licenciar como Professor Islandês. Ele está espantado com a dimensão dos protestos: "Quando Oddsson apoiou a in-vasão do Iraque (chegamos a mandar um soldado - na verdade, uma mulher), 80% dos islandeses se opunham, mas apenas uns 200 protestaram. O que está acon-tecendo é absolutamente novo. O estado das coisas é o pior possível. Os políticos estão ligados aos banqueiros, que estão ligados aos grandes grupos empresariais. Esse país é um grande incesto. A cada dia se parece mais com a Rússia, só que sem os cadáveres. Uns vinte ou trinta caras são os nossos oligarcas. Tudo foi dado a eles pelo governo, dos bancos às permissões de pesca. O direito de explorar as águas da Islândia pertence agora a quinze ou vinte companhias, só elas têm o direito de pescar comercialmente. E nós perdemos tudo: dinheiro, emprego e vergonha."

A sede da polícia é um prédio de dois andares, com uma porta de dois panos à entrada. Os manifestantes tentam entrar, mas ela está trancada. Não se vê um único policial. A porta fechada parece uma tática quase infantil para sugerir que ninguém está em casa, impressão reforçada quando as luzes de dentro são apagadas. Volta e meia, percebe-se um vulto semi-agachado que cruza às pressas uma janela.

Começa a chover. Na rua, bloqueada ao trânsito, senhoras e senhores de bengala se juntam aos jovens. Quando um ônibus tenta forçar passagem, um menino de 15 anos abre os braços e se deixa cair sobre o vidro da frente, olho no olho do motorista. Um segundo ônibus tenta passar, e desta vez é uma senhora de meia-idade que se encosta no pára-choque do veículo. Indiferentes à chuva e à noite, todos gritam: "Út med Hauk! Inn med Geir!" Haukur é o rapaz preso; Geir é o primeiro-ministro: "Soltem Haukur! Prendam Geir!"

"Onde estão as pedras?", Thór Jóhannesson pergunta. "Isso é típico da gentileza islandesa. Ficamos sempre a um passo da verdadeira revolta! Onde estão as pedras?!", repete, agora aos gritos. Alguém atira um balão de tinta vermelha na fachada do prédio. Depois outro. Um rapaz avança e dá um chute na porta. Uma garota de rosto angelical também experimenta, e, em poucos minutos, dezenas de pessoas se revezam nos chutes.

Dentro, vêem-se as formas agitadas de homens de capacete e viseira. Surgem pedaços de madeira para fazer as vezes de aríete. A porta cede, enquanto um urro coletivo atravessa a rua. Um grupo de jovens se atira para o interior e é contido por gás lacrimogêneo. Pela lateral do prédio surge a tropa de choque: dezenove soldados desarmados que, aos empurrões, ocupam a entrada da delegacia. Diante deles, a um palmo de seus rostos, jovens começam a xingá-los: "Fascistas!" "Traidores!" Ovos são lançados. As gemas escorrem pelas viseiras, pelos ombros. Um rapaz estica o dedo médio e o encosta, obsceno, na viseira de um policial, repetindo em voz baixa, como um mantra: "Fuck you, fuck you, fuck you."

Thór anda em meio à multidão apertando o braço de quem encontra pela frente: "É histórico! Se a gente conseguir umas cem pessoas para entrar à força e libertar o cara, isso significa que o governo acabou." O boato de que a manifestação será transmitida ao vivo no jornal das 19 horas reacende o fogo das cento e tantas pessoas que agora, às 17h50, começam a esmorecer diante da chuva mais forte e da fleuma dos policiais. Durou pouco: os caminhões da TV logo se afastam. "Estão indo embora!", grita Thór. "Isso não é televisão pública, é televisão de Estado!"

Quando tudo parecia levar ao impasse, a tropa de choque abre caminho e do fundo da delegacia surge um rapaz franzino, de capuz e mascarado, vestindo uma camisa do Iron Maiden e carregando uma mochila Nike. É o preso. Há um momento de choque, e então a linha de frente dos manifestantes se atira sobre o rapaz. Ele é erguido nas costas da multidão e, sem tirar a máscara, à moda do subcomandante Marcos, responde às perguntas dos repórteres.

18h10. A revolução não foi televisionada, mas quem esteve diante da sede da polícia nesta tarde gelada assistiu ao que um jornalista descreverá como "a mais eficiente manifestação da história islandesa". Da multidão, ainda se ouve um grito: "Agora somos franceses!"

Na segunda-feira de manhã, a oposição - débil, sem força - tenta passar um voto de não-confiança ao governo. Fracassa.

Em Reykjavík só se fala do encontro que haverá à noite, no cinema da Universidade da Islândia. Um grupo de cidadãos convocara o governo a dar explicações. No palco, doze cadeiras, uma para cada ministro, e diante de cada uma, em letras garrafais, o nome do titular da pasta. Quem não comparecer se fará presente por sua ausência, pela força de uma cadeira vazia, de um nome. As pessoas discursarão diante dessas ausências.

Ninguém acredita que o governo compareça. Às 20 horas, não há um só lugar vazio no auditório para 1 800 pessoas. Há gente sentada nas escadas, rente às paredes, ao pé do palco. Do lado de fora, no foyer, diante de telões, outras mil se espremem para testemunhar esse lance teatral.

Espantosamente, um a um, os ministros surgem pela lateral do palco. Atordoados, sob vaias, caminham em direção às cadeiras e buscam seus nomes. Apenas quatro permanecem vazias. A que mais se destaca, a de Oddsson, exibe um DAVÍD imenso, em letras gordas e pretas. Até mesmo o primeiro-ministro Geir Haarde aparece. Seu lugar é ao lado de Oddsson, e durante as horas de agonia ele se apoiará várias vezes no espaldar da cadeira do político do qual não passa de uma sombra.

Era a primeira vez, desde o início da crise, que o governo se dispunha a dar alguma satisfação à sociedade. Fechara-se em si mesmo desde outubro, desconsiderara os protestos. Não dera entrevistas - e agora comparecia a uma audiência pública que seria transmitida ao vivo pela televisão. A estratégia das cadeiras vazias parecia ter surtido efeito.

Um jornalista comenta que o incidente na delegacia os obrigou a vir; só ali teriam percebido a gravidade da situação. Outros dizem ainda que já se decidira, caso eles não aparecessem, que os manifestantes se dividiriam em grupos para ir à casa de cada um deles. Não havia escapatória.

Ao contrário do esperado, a palavra não é dada imediatamente aos ministros. Um mestre-de-cerimônias toma o microfone, vira-se para os oito e diz: "Hoje vocês terão de ser honestos. E terão de responder com suas próprias palavras, não com discursos preparados por homens de marketing." Irônico, faz gracejos e a platéia se põe a rir. Logo fica evidente que não se trata de uma sessão de esclarecimentos, mas de humilhação pública. Orador após orador sobe ao palco para ler discursos preparados de antemão. Um professor de economia exige a demissão sumária dos membros de conselho dos bancos (apenas os presidentes-executivos haviam perdido o emprego), proposta recebida com palmas e bravos.

Haarde assiste a tudo com a cabeça enterrada nos ombros, olhos pregados na platéia, desafiador. É traído em seu nervosismo pelo pé que não cessa de tamborilar. Um empresário declara que "o sistema político deve ser purgado, o que só acontecerá com novas eleições". Pede, explicitamente, a renúncia do governo. É ovacionado de pé. Polidamente, até o primeiro-ministro bate palmas. Uma cientista política declara que a Islândia será doravante conhecida por três palavras: saga, gêiser e kreppa. E acrescenta, referindo-se diretamente aos oitos homens sentados a um metro de distância: "Se vocês não admitirem que os protestos são legítimos e não dialogarem com os manifestantes, poderá haver distúrbios e violência na Islândia." Não são jovens que confrontam o governo, mas acadêmicos, profissionais liberais, empresários, homens de terno e gravata, mulheres de tailleur. Uma jovem desempregada toma o microfone e, com fúria indisfarçável, vira-se para o primeiro-ministro e ordena: "Geir, renuncie!"

Noventa minutos depois de iniciada a sessão, os oito ministros ainda permanecem mudos, alguns de olhos no chão. Finalmente alguém entregará o microfone a Haarde para que ele responda: "Por que vocês não renunciam?" O primeiro-ministro explica que o momento é grave demais. Há uma operação de salvamento em curso, negociações complexas com o Reino Unido e o FMI, e uma eleição significaria uma ruptura desse processo. A ministra das Relações Exteriores se manifesta: "Talvez vocês que estão aqui não representem a maioria do povo islandês." É a maior vaia da noite. No dia seguinte, o líder da oposição dirá que apenas a ministra da Educação teve a decência de se desculpar pela tragédia.

A esquizofrenia política era evidente. O primeiro-ministro batia palmas para a demissão de si próprio. A ministra que desafiou o público havia declarado, dias antes, que se não estivesse no governo também iria para a rua protestar. O ministro do Comércio pediu a demissão de Oddsson. E o FMI, chamado às pressas, se apresentou para salvar um país que até então seguira a mais ortodoxa política de liberalização econômica.

Às dez em ponto a sessão foi encerrada.

O gabinete de Steingrímur Sigfússon, líder da Esquerda Verde, o maior partido de oposição, está instalado no 2º andar de uma pequena casa atrás do Parlamento. Sigfússon lembra um velho militante de 68 - cavanhaque, sandá-lia e meias. Entre uma frase e outra, deita uma pitada de rapé na concha da mão e aspira. Tem pedido a saída do primeiro-ministro, mas, entre o governo a que se opõe e o mundo que deu as costas ao seu país, fica com o governo.

"A crise chegou de forma tão violenta que se transformou em force majeure, um conceito do direito internacional que se aplica a países que sofrem guerras ou crises sistêmicas. É exatamente o que aconteceu aqui", enfatiza. Nesses casos, suspendem-se as leis vigentes. "Qual era o nosso dever? Quanto devíamos pagar? Precisávamos dos tribunais para arbitrar, mas eles não deixaram. No momento em que a nossa moeda desapareceu e deixamos de ter dinheiro até para importar comida, a Inglaterra e a Holanda bloquearam o acordo com o FMI e não o aceitariam enquanto não déssemos garantias de que o dinheiro dos depositantes deles seria devolvido. Ficamos reféns desses países. Sou crítico do FMI. Perdemos nossa independência, eles vão ditar nossas políticas públicas; o governo já anunciou um corte de 10% no serviço de saúde. Mas admito que, depois da catástrofe de outubro, tornou-se inevitável ir ao Fundo. Era isso ou voltar à década de 30."

Sigfússon acredita que parte da calamidade decorre de a quebra dos bancos ter ocorrido no momento mais crítico da crise mundial. "Em outubro, quando Brown declarou que éramos terroristas, o sistema já estava completamente bambo. O sinal foi muito claro: 'Se algum país ou banco estiver pensando em dar calote, é melhor reconsiderar. Vejam o que aconteceu com a Islândia.' Éramos ideais para servir de exemplo: um país que podia ser destruído sem causar grande transtorno. Fomos as Falklands de Gordon Brown."

As manifestações populares o assustam. "Eu realmente preferiria que superássemos essa crise de modo pacífico." Ao encerrarmos a conversa, ele conclui com espanto na voz: "Essas manifestações são de fato históricas. Nós não somos franceses."

Do lado de fora, sob a chuva, um grupo de mulheres se dá as mãos e cerca a sede do governo, onde Geir Haarde dá expediente. À beira da calçada, sem grades, o chalé lembra mais um restaurante rústico do que um epicentro do poder. Os funcionários que deixam a casa pela única porta da frente se espremem entre os poucos degraus e o círculo de mulheres. Não há polícia. A dois passos, uma ótica substituiu os óculos da vitrine por um imenso cartaz: "Obrigado, Gordon, por destruir nossa economia."

"Como você veio parar aqui?", pergunto a Luciano Dutra, 35?anos, funcionário do INSS islandês. Ele sorri: "Como quase tudo no Brasil, a culpa foi de um argentino." Jorge Luis Borges. Ao abandonar o curso de letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, resolveu traduzir os sonetos de Borges e se deparou com a paixão do escritor pelas sagas islandesas. Constatando não haver traduções delas para o português, candidatou-se a um bacharelado na Universidade da Islândia. Chegou em 2002. Aprendeu o idioma, concluiu o curso e começou a tradução das sagas, "um trabalho de mais ou menos dez anos".

"Este talvez seja um dos países mais extrativistas do mundo", observa. "Pensa bem: pesca e energia. Ninguém cuida de cardumes nem planta energia. Aí, dez anos atrás, eles decidiram mudar tudo. Em menos de uma geração, migraram de uma economia baseada em recursos naturais para uma economia de serviços. Não deu certo."

Uma das funções de Dutra é processar certificados de seguridade social européia para pessoas que estejam pensando em emigrar. "Apareciam umas vinte pessoas por semana pedindo esses certificados. No último mês, foram mais de 200. Há um movimento de êxodo em massa. Ouvi falar de dois islandeses que foram para a Polônia trabalhar em olarias para mandar euros para as famílias aqui."

É o reverso de tudo, como se a Islândia tivesse passado para o outro lado do espelho. No dia 21 de novembro os jornais publicaram a notícia de que haveria uma feira de empregos na prefeitura. No primeiro dia, mais de 2 mil pessoas se apertavam num espaço pequeno demais para abrigá-las. Jovens e velhos, homens e mulheres, trabalhadores braçais e universitários disputavam folhetos distribuídos pelos expositores: "Viver e trabalhar na Lituânia", "Informações gerais sobre o trabalho na Holanda", "Engenheiros para o Mar do Norte".

Um grupo de portugueses pensa em se transferir para a Noruega, depois de terem sido todos despedidos de uma empresa de calefação. "Cheguei aqui há dois anos, era o paraíso", conta o marceneiro José de Souza. Trouxe a mulher, o filho, o sogro, o cunhado, o amigo do cunhado. "Tinha trabalho para todo lado. Agora acabou. Meu último salário vai ser o de dezembro." Seu colega, o brasileiro Adilson Mendanha, mineiro de Ipatinga, está na Islândia há sete anos. "Esse país foi sensacional. Cheguei a mandar de 15 a 17 mil reais por mês para o Brasil. Comprei uma casa enorme e tenho um jipe Cherokee, mas agora devo deixar a Islândia em abril."

Diante da barraca da Lituânia, um islandês pergunta: "Quais são as áreas?" A representante responde: "Balconista, cozinheiro, garçom, motorista de empilhadeira." O olho do rapaz acende: "Motorista de ônibus.?" "Também, mas você precisa falar a língua." Ele parte desanimado. Uma empresa escandinava de petróleo oferece 300 vagas para engenheiros. Em menos de duas horas já recebeu trinta e poucos currículos, muitos escritos ali mesmo, com apoio da coxa ou da parede.

"Foi húbris, excesso", admite Árni Mathiesen, o ministro das Finanças, na sede do ministério - uma casa extremamente acanhada, como tudo na Islândia. Seu gabinete é tão estreito que as cadeiras da mesa de reunião batem constantemente contra a parede. Ao ouvir um "Como vai?", respondeu: "Aguentando firme." Concede que nem ele sabe quanto deve o país. "Só daqui a três ou quatro anos, quando terminarmos o processo de liquidação dos bancos, saberemos o tamanho da nossa dívida. E se não conseguirmos passá-la adiante, reprivatizando os bancos, estaremos na rua da amargura."

Mathiesen parece aliviado com o fim dos anos de delírio. "Olha, antes de tudo isso, nós levávamos uma vida boa aqui", lembra, referindo-se à época em que a Islândia vivia dos seus cardumes e ele era o ministro da Pesca. Foi mais um a migrar do setor pesqueiro para as finanças.

Ísi Thórhallson, o produtor musical, traz à tona a pergunta que angustia o país: o que significará ser islandês depois da hecatombe? "Agora que deixamos de ser cool, nos demos conta de que não passamos de uma ilha no Mar do Norte. Nos últimos dez anos surgiram muitas oportunidades, mas na hora em que o barco afundou, nós dissemos: 'Fodam-se os estrangeiros!' O governo só garantiu os depósitos em coroas islandesas. Então, sim, roubamos. Eles depositaram nos nossos bancos e no fim das contas não pudemos pagar. Não éramos tão bons quanto pensávamos. Os milionários agora viraram vilões, mas antes eram heróis. Ser banqueiro era cool. Ninguém parou para pensar: 'Por que diabos?' Não era melhor eles serem chatos? A gente deveria achar mais sensato confiar dinheiro a um cara prudente, não a um porra-louca. Mas não, eles eram cool. Ninguém desconfiou, e muito menos criticou. Nem os artistas. Eles também estavam no bolso dos banqueiros. Recebiam patrocínio, eram contratados para tocar. Foi uma festa. Quebramos a cara, todos nós."

O professor Gudmundur Jónsson é cauteloso na hora de atribuir responsabilidades. "Reluto em dizer que temos todos a mesma parcela de culpa. É absurdo achar que o islandês comum é responsável pela crise. Faltou prudência, mas não é esta a causa do que nos aconteceu." De fato, a dívida dos islandeses não se compara à dos bancos. Ainda assim, nas ruas nem sempre fica claro se as pessoas estão protestando contra a farra ou contra o fim dela.

O país vive o dilema de querer ou não ser novamente a Islândia de modestas expectativas. "Há o risco de nos sentirmos irrelevantes e provincianos", disse Jón Steinsson, de Columbia. Até Hördur Torfason, que todos os sábados comanda a resistência ao governo, vive o conflito: "Há 33 anos, quando eu disse publicamente que era gay, o mundo veio abaixo. Isso aqui era a Idade Média. Por isso passei anos na Dinamarca." Hördur fugiu da velha Islândia e protesta contra a nova.

Björn Hrafnsson, um jornalista especializado em economia, não tem dúvida. Num café na Praça do Parlamento ele explica: "Ninguém mais quer ser um país de pescadores. Estamos assustados, com raiva, mas não queremos voltar ao passado. Em dois ou três anos, teremos de reprivatizar os bancos e fazer tudo de novo." Será difícil. Kristján Davídsson, um executivo do Glitnir, despedido em outubro e recontratado semanas depois para liquidar o banco, me disse no mesmo dia em que decretou oficialmente a moratória da instituição: "Os bancos serão reprivatizados, mas, por conta da falta de confiança, não teremos acesso a grandes linhas de crédito. Seremos bancos pequenos, que emprestarão apenas o que os islandeses forem capazes de poupar. Com isso não se vai muito longe. Não construiremos mais nada." Um diplomata estrangeiro resumiu: "Eles vão ter de pescar muito."

Para muita gente, a primeira salva de útrás foi dada em dezembro de 1998, quando o Parlamento cedeu à pressão do governo de Oddsson e aprovou uma lei espantosa. Não se tratava da privatização de um serviço público, mas do patrimônio genético islandês.

Sendo tão isolada, a população da Islândia descende dos mesmos vikings que desembarcaram ali no século IX. Todo islandês é capaz de montar sua árvore genealógica até aqueles primeiros homens e mulheres. Essa herança comum é um dos grandes tesouros da medicina moderna. Doenças podem ser rastreadas ao longo de gerações, e suas causas genéticas, se existirem, identificadas. Todo câncer de mama na Islândia tem origem numa única mutação genética ocorrida no século XVI, no DNA de um monge chamado Einar.

Em 1996, um neurologista e professor de medicina de Harvard fundou uma empresa habilitada a usar esse imenso banco de dados genéticos para identificar patologias e desenvolver tratamentos. Fez apenas uma exigência ao governo: que a propriedade intelectual das descobertas fosse sua. Dois anos depois o governo aprovou o projeto, e cedeu então à DECODE, a empresa fundada por Kári Stefánsson, o direito não só de explorar os prontuários médicos do serviço nacional de saúde - meticulosamente preservados desde 1915 -, mas sobretudo de se apropriar, para fins científicos e comerciais, das informações genéticas da população. Foi a primeira vez na história que se concedeu esse direito a uma empresa.

A comunidade científica se opôs violentamente. Já a população islandesa, ou 95% dela, cumprindo um dever que julgava cívico, respondeu à convocação da DECODE e doou voluntariamente o seu sangue. A empresa possui hoje um banco de dados com a história familiar de praticamente todas as 800 mil almas que já viveram na Islândia. Nos últimos anos, 70% das descobertas que relacionam uma mutação genética a determinada patologia - de esquizofrenia a câncer de pulmão, de dependência da nicotina a diabetes - foram feitas nos laboratórios da empresa, em Reykjavík.

Kári Stefánsson trabalha numa sala imensa. Da sua mesa, através das janelas amplas, vê as montanhas geladas que cercam a baía de Reykjavík. Com mais de 1,90m, vestido de preto, em contraste absoluto com o branco alvíssimo de sua barba e do cabelo viking, tem perto de 60 anos e a vitalidade de um touro. Parece ter atravessado a vida com a certeza de que foi sempre o animal mais belo e inteligente da sala. Dizem que é o homem mais brilhante da Islândia, opinião que não se preocupa em refutar. É simultaneamente agressivo ("Você é de fato tão mau jornalista quanto parece?") e sedutor ("Ninguém compreendeu melhor o que está se passando aqui"), uma combinação não tão rara em homens que gostam de ser temidos e temem não ser gostados. Vaidoso de sua inteligência e de sua erudição, é capaz de interromper uma resposta para recitar, na íntegra, poemas de Auden ou de Octavio Paz.

"Não posso responder", diz com condescendência mal disfarçada, ao ser indagado se a empresa que fundou deu início ao processo desenfreado de desregulamentação. "Não posso responder pelo simples fato de que a pergunta não faz sentido e é uma absoluta tolice. Como me comparar a essa gente que destruiu o meu país? Eu investi na Islândia. Eles investiram fora, tomando dinheiro emprestado e dando o povo islandês como garantia. Eu trouxe cientistas para cá, transformei este lugar no laboratório genético mais importante do mundo. E eles? O que deixaram?"

Boa parte dos islandeses perdeu dinheiro com Stefánsson. Quando a DECODE lançou ações na Nasdaq - foi a primeira companhia islandesa a abrir o capital numa bolsa estrangeira -, o governo incentivou toda a população a investir nela. Era uma atitude patriótica. Lançadas a 30 dólares, as ações em pouco tempo caíram para vinte e hoje valem menos de um dólar. A empresa está à beira da ruína. Em outubro, não cumpriu todas as suas obrigações junto aos credores. O tempo de maturação de uma empresa de biotecnologia é longuíssimo, e a crise mundial secou o fluxo de investimentos.

Em sua imensa mesa, olhando pelas enormes janelas, Stefánsson não dá sinais da derrocada. Talvez imagine que venceu como cientista e perdeu apenas como empreendedor. Tem ojeriza a ser comparado aos outros - aos igualmente derrotados. "Quando Auden veio aqui, quase não havia o que comer. Ele fala disso. Eu vivia com fome até mais ou menos o período de Natal, quando as coisas melhoravam um pouco. Meus heróis eram os antigos poetas. Éramos isto: uma nação que lia os poetas. Nessa última década, viramos uma nação de especuladores. Eles eram desinteressantes, repulsivos e extremamente vulgares. Agora a vulgaridade acabou. Ninguém passará fome. Vamos nos ajudar, como sempre fizemos, e sairemos desta situação como um povo muito melhor. Espero estar aqui para ver."

Sabendo que seu interlocutor precisa ir embora, Kári Stefánsson se levanta e estende a mão: "Boa viagem." No caminho até o aeroporto passo diante de no mínimo setenta guindastes, todos imóveis, pairando sobre bairros fantasmas. Não era feriado.

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Islandia...revista PiauÍ Empty Re: Islandia...revista PiauÍ

Mensagem por marcelo l. Qua Fev 29, 2012 5:58 pm

O rapaz empunhou o megafone: “Esta é uma mensagem dirigida a todos os meios de comunicação!” Atrás dele, Jaime I, conquistador de berberes, dominava do alto de seu cavalo a Plaza de España, em Palma de Maiorca. O céu estava azul. “Há uma mudança em curso. Em nome dela, estamos nos reunindo em várias partes do mundo.” Eram todos indignados naquela tarde de maio do ano passado e, como outras multidões de jovens em mais de cinquenta cidades espanholas, estavam ali para protestar contra a crise econômica.

Ao fundo, um manifestante começou a escalar a estátua equestre. “Temos o exemplo de um povo que iniciou este movimento soberano já faz tempo. O povo islandês soube agir em favor da justiça social. Eles se negaram a pagar a dívida pública contraída por terceiros e conseguiram punir os responsáveis pelos abusos. Tudo isso graças à união do povo que tomou as ruas. Nosso objetivo é seguir o exemplo deles e, por isso, damos a esta praça o nome de Plaza de Islandia!” O escalador fincou na mão erguida do conquistador a bandeira desfraldada da Islândia, que tremulou sobre a praça. Nas semanas seguintes, os indignados chegariam a quase 8 milhões e gritariam nas ruas: “Todos somos Islândia!”

Três anos antes, em outubro de 2008, o sistema bancário islandês entrara em colapso, levando de roldão a economia do país. Em novembro, 6 mil pessoas lotaram a praça do Parlamento, em Reykjavík, para exigir a renúncia do governo. Eram quatro horas da tarde, uma quase noite de céu carregado. Desprendendo-se da massa, uma pequena multidão marchou em direção à delegacia de polícia, disposta a libertar um jovem ativista preso na véspera. Seguiu-se um acontecimento inédito na Islândia, desde sempre um país mais afeito aos consensos do que aos conflitos.

Jovens começaram a esmurrar a porta do prédio. Espantosamente, a primeira reação da polícia foi apagar as luzes para fingir que não estava. Alguém perguntou:“Onde estão as pedras?” – e lamentou que a ausência delas fosse “típico da gentileza islandesa”. Enquanto a porta cedia aos chutes, de uma das laterais do edifício, cozida à parede, surgia a tropa de choque. De braços entrelaçados, barrando a entrada, os policiais foram xingados de fascistas. “Se conseguirmos invadir e libertar o nosso companheiro, isso significará que o governo acabou!”, urrou um rapaz, incendiando a massa. A fileira de policiais se abriu; do escuro, surgiu o preso, o rosto coberto por um gorro, e se atirou nos braços da multidão. Um manifestante ergueu o punho: “Agora somos franceses!”

A derrocada islandesa foi súbita e violenta. As correias de transmissão num país de 320 mil habitantes são eficientes e qualquer distúrbio dissemina-se com rapidez pela cadeia econômica. Um professor da Universidade da Islândia costuma brincar que o país é o paraíso dos macroeconomistas – tudo ali acontece mais rápido e de maneira concentrada. Se fosse possível criar um laboratório para testar os efeitos de um colapso financeiro, a Islândia estaria pronta para o papel. Eles quebraram antes, os protestos começaram antes, o governo caiu antes, o FMI foi chamado antes, a população se organizou antes e o país adotou, antes, uma estratégia para enfrentar a crise. É também ali que se vislumbram, antes, alguns desdobramentos possíveis da devastação provocada pelos colapsos financeiros.



sleifur Thórhallsson, ou Ísi, como é conhecido, está na faixa dos 30. A exemplo de boa parte de seus compatriotas, fala um inglês impecável, graças à excelência do sistema público de educação. Em meados da década passada, vendeu sua distribuidora de cinema a um dos maiores grupos de entretenimento do país. Foi nos escritórios da empresa, da qual se tornou funcionário, que em 6 de outubro de 2008, uma segunda-feira, ele e os colegas se aglomeraram diante da televisão para assistir ao pronunciamento do primeiro-ministro Geir H. Haarde: “Diante da tempestade que se inicia, exorto as famílias a conversarem entre si, a não se deixarem dominar pelo desespero...”

Ísi[1] relembra: “Quando ele encerrou com ‘Que Deus proteja a Islândia’, todo mundo pensou: ‘Fodeu.’” Alguns saíram atrás de um caixa 24 horas para ver se o sistema ainda funcionava. Outros ligaram para casa e tentaram acalmar a família. Muitos pensaram em estocar comida. “Foi a semana louca”, prossegue Ísi.“Em sete dias, todos os bancos quebraram. Sem recursos externos, a Islândia talvez não conseguisse mais importar comida e, como quase nada cresce nessa terra gelada, nós passaríamos fome. Nunca tínhamos ouvido falar em ‘segurança alimentar’.” De um dia para outro, a carruagem virava abóbora. “Nem isso”, reagiu um cidadão perplexo, “uma abóbora a gente come.”

Entre os dias 30 de setembro e 9 de outubro de 2008, a Islândia sofreu o que um dos relatórios do FMI – geralmente escritos com a ênfase das paredes beges – descreve como “uma crise financeira de proporções catastróficas”. Como relatado por piauí (“A grande ilusão”, janeiro de 2009), o sistema bancário quebrou, a moeda perdeu metade do valor, a maioria das empresas ficou insolvente e a Grã-Bretanha, na tentativa de congelar em seu território os bens do Tesouro islandês, de modo a ressarcir os correntistas britânicos de uma das instituições falidas, incluiu o Banco Central islandês na lista de organizações terroristas, junto à Al Qaeda e aos talibãs.

Os antecedentes do colapso remontam a 2003, quando o país decidiu privatizar seu sistema bancário. Até o início da década de 90, a economia da Islândia era essencialmente extrativista, com forte controle do Estado. Farto em peixes e energia geotérmica, o país se guiava pela noção de bem comum. As riquezas naturais pertenciam à coletividade – pescar e aquecer-se eram direitos inalienáveis de cada cidadão. Engastado no sistema nórdico de bem-estar social, esse arranjo se traduzia numa sociedade igualitária, onde todos contavam com saúde, educação, comida e calor. Nação jovem que obtivera a independência da Dinamarca em 1944, a Islândia lograra dar a seus cidadãos o que lhes bastava para viver.

Para muita gente nascida no último quartel do século XX, isso veio a parecer pouco. Morria-se num país não muito diferente daquele em que se nascia, numa vida de poucas aventuras. A privatização dos bancos – culminância de um processo iniciado dez anos antes, com a venda para a iniciativa privada da empresa de pesca de Reykjavík – retirava dos políticos a capacidade de controlar o destino do crédito. Pela primeira vez, pessoas sem conexão com os poderes instituídos – e sem interesse em bacalhau – podiam abrir um negócio próprio e se arriscar na exploração das oportunidades.

Em pouco tempo, tomando dinheiro em moeda forte e emprestando em coroas islandesas a uma população disposta a investir e consumir, os três bancos recém-privatizados se agigantaram. A bonança de crédito beneficiou o país, cuja economia cresceu vertiginosamente entre 2003 e 2007: 25 por cento. Mais ainda cresceram os bancos, cujos ativos em 2007 correspondiam a mais de dez vezes o PIB nacional. Apareceram os helicópteros particulares, os camarotes VIPs, as vulgaridades.

Tudo começou a se desfazer no dia 15 de setembro de 2008, quando o banco de investimento Lehman Brothers pediu concordata. O mundo vivia o apogeu do que o economista Simon Johnson, do MIT, chama de “financialização da economia”, “um neologismo horrível que exprime o fato real de que o sistema financeiro se tornou grande e perigoso demais”. Grande demais, por se espalhar transnacionalmente sem jurisdição específica que o regule e limite. Perigoso demais, por se imbricar em todos os aspectos da vida econômica, desde o funcionamento dos Estados à hipoteca da casa própria – e, claro, criando instrumentos que permitem apostar na quebra de uns e de outros. Numa trama tão apertada, ao menor abalo as partes se recolhem numa súbita contração.

Foi assim com a Islândia. Com espanto, ela viu o mundo recuar, violentamente. Nas semanas que se seguiram à quebra do Lehman Brothers, instituições estrangeiras pediram seu dinheiro de volta e, nessa hora, a irracionalidade do modelo se revelou em toda a sua exuberância: dívida em dólar e euro, aplicação em moedanacional. A coroa islandesa em breve se desintegraria. Era um desses momentos que entram para os livros de história.



evava na última sexta-feira de novembro do ano passado. Às nove e meia da manhã, o dia ainda era noite. Estreita e íngreme, a Laugavegur, principal rua comercial do centro de Reykjavík, estava quieta de tanta neve. Num prédio discreto, Thórdur Jónasson, consultor internacional de crédito e risco, já dava expediente. Ele trabalhou no Banco Mundial e no FMI e dirigiu durante anos a agência islandesa de controle da dívida. Deixou o governo em 2007, antes do colapso.

Para Thórdur, a segunda-feira em que o primeiro-ministro Geir Haarde se dirigiu à nação foi o dia fatídico. À noite, o governo aprovou a Lei de Emergência que dispunha sobre como a Islândia enfrentaria a crise: “Diante da quebra iminente dos bancos, ficou estabelecido que os correntistas teriam prioridade sobre quaisquer outros credores – foi essa a medida mais importante.” Além disso, as operações domésticas dos bancos seriam estatizadas. O governo garantiria apenas os depósitos das agências islandesas, não os das localizadas fora do país, que agora iriam à liquidação. “Sem a Lei de Emergência”, explica Thórdur, “os correntistas islandeses perderiam todos os seus depósitos e também os cartões de crédito, que deixariam de ser aceitos, pois todos os ativos dos bancos seriam transferidos para a massa falida e tratados como garantia aos credores.”

Não era de forma alguma uma opção trivial. Havia sérias implicações legais. Segundo a lei de falências vigente até então, não era permitido distinguir entre diferentes tipos de credores e dar prioridade a uns sobre outros. Os créditos não eram hierarquizados: tanto o Deutsche Bank, o correntista de Londres, como o aposentado de Reykjavík deviam receber o mesmo tratamento na hora de reaver seus valores.

Previam-se consequências políticas gravíssimas. Em suma, ao declarar que o correntista teria prioridade, o governo, no mesmo fôlego, mandava os credores internacionais – bancos, hedge funds, investidores institucionais – para o fim da fila. Dada a desproporção entre o sistema bancário islandês e a economia do país, a conclusão era uma só: os bancos islandeses, que, pela nova lei, tornavam-se bancos da Islândia, visto que administrados pelo Estado, não pagariam suas dívidas junto aos credores internacionais.

Jón Steinsson é um economista da Universidade de Columbia, em Nova York. Alto, com um sorriso cheio de dentes, tem 35 anos, mas não aparenta mais de 30. Foi convocado pelo primeiro-ministro no momento mais crítico: “No domingo, dia 5, alguns de nós insistiam em que essa era a decisão certa e que era preciso anunciá-la rápido.” O governo, porém, não se decidia, temeroso das consequências. “Às três da manhã, me ligaram em casa: ‘Vamos fazer o que vocês estão sugerindo.’” O governo deixaria que os bancos quebrassem.

A essa altura, técnicos do FMI já estavam no país, em conversas com as autoridades, mas o governo resistia em trazê-los para perto. “Na segunda-feira, explicamos a eles o que pretendíamos fazer. De um lado da mesa, eu e um colega; do outro, dois caras doFundo. Acho que foi só ali que eles souberam do plano: ‘Hoje, depois que os tribunais fecharem, vamos propor uma lei com tais e tais características. Ela será aprovada à meia-noite.’ A primeira reação deles foi nos chamar de loucos, como se estivéssemos prontos para produzir um apocalipse financeiro de consequências realmente catastróficas.”

Na frase do economista americano Paul Krugman, quando todos diziam que a Islândia devia fazer zig, ela fez zag.



e, em 2008, o quadro era incerto para o governo, para a população islandesa ele era francamente incompreensível. Na melhor hipótese, dizia um diplomata estrangeiro, todos teriam de reaprender a pescar; na pior, o país se tornaria um pária do sistema internacional e voltaria à década de 30 do século anterior.

Foi em final de outubro que começaram as manifestações, sempre aos sábados. No início de novembro, um rapaz de 22 anos escalou o prédio do Parlamento, chegou ao teto, arrastou-se até o mastro e içou lá no alto a bandeira de uma rede popular de supermercados, cujo símbolo era um porquinho. Todos compreenderam: o país estava à venda – e era barato.

Haukur Hilmarsson, ativista desde a adolescência, militava num grupo ambiental de tendência anarquista. Já fora condenado por uma ação contra uma usina de alumínio e sentenciado a quatro dias de detenção – cumpriria a pena quando o xadrez vagasse. Passadas duas semanas da ação do mastro, ele acompanhava uma excursão do colégio ao Parlamento quando um policial o reconheceu. Como a tensão crescia no país e no dia seguinte, sábado, haveria mais protestos, acharam melhor prendê-lo ali mesmo. Seria um incendiário a menos na praça.

Haukurtem hoje 25 anos. Brinco no nariz e na orelha, o cabelo louro caindo em dreadlocks sobre o rosto, é muito bonito, mas parece não ter consciência disso ou não se importar. O sorriso, matreiro, sugere que não só se orgulha do que fez, mas se diverte com o efeito que suas posições políticas possam causar no interlocutor: “Eu flerto com o primitivismo. Vamos todos nos foder, é questão de tempo. As usinas nucleares entrarão em colapso e o aquecimento global destruirá o planeta.” Com voz delicada, torce pelo apocalipse – “Quanto antes, melhor” –, pois nas catástrofes o Estado se desfaz.

Na Islândia, presos sem periculosidade têm direito a uma hora de passeio fora da cadeia. No sábado, 22 de novembro, negaram a Haukur seu pedido para sair na hora da manifestação e ele, não tendo mais o que fazer, foi dormir, com a consequência de ter vivido os momentos mais radicais da limitada história insurrecional da Islândia entre os lençóis da prisão. Acordado por um homem que dizia estar lá para pagar sua fiança, recusou. Dar dinheiro para o Estado, jamais.

Foi quando lhe informaram que, do lado de fora, uma multidão ameaçava invadir a delegacia para libertá-lo; havia o risco de alguém se ferir. Haukur pediu um telefone e ligou para a mãe. Eva Hauksdóttir, militante como o filho, estava no hospital tratando dos olhos atingidos por gás de pimenta. Ela o aconselhou a aceitar, pois muita gente estava se arriscando por ele. Minutos depois, encapuzado, só com olhos à vista, Haukur era acolhido em triunfo na porta da delegacia, aos gritos de que, agora, aquela era uma nação de franceses insurretos.

Em novembro de 2011, sentado ao lado da mãe num café, Haukur não esconde o desprezo pelos acontecimentos daquele dia. “Não sou grande admirador do fetiche de fazer coisas cool, por isso usei a máscara. Todo mundo deu importância ao meu papel e ninguém entendeu nada. Prefiro ser cidadão de um supermercado barato do que desse Estado fascista”, diz, com aprovação da mãe, para quem o supermercado tem ao menos a virtude de explicitar a que veio.

O governo responsável pela desregulamentação radical da economia ainda levaria dois meses para cair, mas para muitos a tomada da delegacia foi o ponto de inflexão, quando os modernos sans-culottes do Atlântico Norte se deram conta da própria força. Que este rapaz anarquista só tenha aceitado a liberdade depois de se aconselhar com a mãe é uma doce nota de pé de página sobre os modos suaves da Islândia, um país onde até carbonários ouvem os pais.



oucas horas antes de Haukur ser solto, uma estudante de direito subiu no palanque da praça do Parlamento e fez o mais inflamado de todos os discursos daqueles sábados rebeldes. Era a primeira vez que Katrín Oddsdóttir sentia ódio. “Isso nunca tinha me acontecido”, relembrou num fim de tarde de novembro passado. “Mas, quando peguei o microfone, eu vi o rosto dos velhos e era muito triste.” De frente para o Parlamento, Katrín ergueu o dedo acusatório na direção dos políticos que não podia ver: se em uma semana o governo não renunciasse, haveria uma revolução no país. De um prédio vizinho, rolou até o chão uma faixa em que um enorme lobo chamado FMI devorava o país. No gradil do Parlamento, amarraram uma placa de VENDE-SE carimbada com as palavras Vendido: 2,2 bilhões de dólares – o valor do pacote do FMI.

Ah, o FMI...

O outono e o inverno islandês de 2008 estão repletos de ironias. Uma delas é o fato de um jovem radical que despreza todos os governos constituídos – à direita ou à esquerda, sem distinção – ter desempenhado o papel de militante número 1 do movimento pela renovação do processo político na Europa. Outra é que coube a um governo de esquerda implementar o primeiro programa do FMI num país do Primeiro Mundo desde a década de 70 – e o gabinete que substituiu o de Geir Haardenão só o implementou, como mereceu efusivos elogios. No derradeiro relatório de avaliação do programa, publicado pelo Fundo em agosto de 2011, lê-se: “Exemplar.”

“Antes de virar governo, ele provavelmente dizia: ‘Fuck the IMF!’”, gargalha Katrín. Ele é o atual ministro da Economia, Steingrímur J. Sigfússon.

Em novembro de 2008, Steingrímur era o líder da Esquerda Verde, o maior partido de oposição a Haarde. Ia trabalhar de meia e sandália, provavelmente com dois propósitos: oferecer conforto aos pés e afirmar que, na melhor tradição dos anos 60, continuava a ser um espírito livre.

Em novembro de 2011, o ministro Steingrímur, agora de terno e sapatos comportados, defendeu sua atual posição: “Como muitos da esquerda, fui crítico do histórico do Fundo e não mudei de opinião. Teria preferido que a Islândia não se visse em situação de precisar do FMI, mas não havia outro jeito. Quando assumimos, eles já estavam aqui. Sem o Fundo, não voltaríamos a ter crédito para importar a comida e o petróleo de que precisávamos, e não teria sido possível estabilizar a economia.”

Tamanho realismo causa perplexidade a uns e repulsa a outros. “O FMI jamais escondeu seus propósitos”, rosna Kári Stefánsson, fundador da deCODE, uma empresa islandesa de biogenética. “O papel deles não é reconstruir a economia de países em dificuldade. É lutar para que as consequências internacionais de uma crise sejam as menores possíveis. Não critico o FMI por fazer seu trabalho. Critico o governo por ser tão subserviente ao FMI.”

Thórdur Jónasson, o consultor internacional, está entre os perplexos. “Este é o primeiro governo de esquerda quimicamente puro da história da Islândia e eles colaboram com o FMI!”, espanta-se.

“Traição!”, sentencia Kári. Em 2008, no mais fundo da crise, sentado na mesma sala que continua a ocupar no último andar da deCODE, ele era das poucas vozes otimistas. Lamentava, sim, que a sua Islândia “das sagas e dos poetas” tivesse se transformado num país de especuladores – “eram vulgares e desinteressantes” –, mas, “agora que eles se foram”, dizia, “nós nos ajudaremos e sairemos dessa situação como um povo melhor”.

Professor de medicina em Harvard, Kári Stefánsson aproximara-se em meados da década de 90 do então primeiro-ministro Davíd Oddsson–arquiteto da liberalização sem peiasda economia, admirador de Milton Friedman e Margaret Thatcher – e o convencera a autorizar a fundação de uma empresa para explorar o extraordinário patrimônio genético da Islândia, um país onde todos são de alguma forma aparentados. Graças a essa herança comum, seria possível rastrear doenças ao longo de gerações e identificar eventuais causas genéticas. Com o patrocínio de Davíd Oddsson, foi promulgada uma lei que, em essência, privatizava os genomas humanos dos islandeses.

A empresa lançou ações na Bolsa de Nova York, e o governo, batendo o bumbo do patriotismo, estimulou a população a investir. Apesar do indiscutível sucesso científico – cerca de 70% das descobertas recentes que relacionam uma mutação genética a determinada enfermidade seriam feitas nos laboratórios comandados por Kári –, a empresa não foi capaz de gerar lucros. Milhares de islandeses viram suas ações virar pó.

O otimismo que Kári ventilara em 2008 deu lugar ao niilismo de 2011. Movendo-se hieraticamente, cruzou em absoluto silêncio a sala de espera onde o aguardava o entrevistador. Com seu mais de 1,90 metro, andava como uma estátua em seu pedestal, se as estátuas andassem. Minutos depois, ressurgia para buscar café e avaliar, com os olhos, o primeiro compromisso do dia: “Nada mais irritante do que um jornalista brasileiro a essa hora da manhã...” Era excelente teatro.

“O.k., esses três últimos anos provaram que eu estava errado. Está bem assim?”, perguntou, irritado. “Se tivéssemos um governo conservador comprometido com a cartilha do liberalismo, eu entenderia as políticas que vêm sendo implementadas. Mas este era para ser um governo socialista... Eles pavimentaram o caminho da recuperação nas costas dos que não têm nada, tirando dinheiro da rede de proteção social. É um governo criminoso porque quebrou todas as promessas que fez.”



a mesma semana em que a Islândia anunciou que não socorreria os bancos, o governo da Irlanda se trancou numa sala para decidir como enfrentar a crise financeira de lá. Parecia um jogo de espelhos: a Islândia tinha três grandes bancos, a Irlanda também; a Islândia era ameaçada por uma corrida bancária, a Irlanda também; os credores internacionais haviam fechado a torneira para a Islândia, e para a Irlanda também.

O governo irlandês começou a se aconselhar aqui e acolá. Numa passagem que decerto entrará para os anais da parvoíce universal, o Ministério das Finanças encomendou ao banco americano Merrill Lynch um relatório sobre a saúde do sistema bancário do país. A ninguém ocorreu que o fato de a empresa ter como clientes dois dos três bancos irlandeses poderia, quem sabe?, influenciar o diagnóstico. Com confiança de beata em padre confessor, o governo irlandês acreditou na avaliação de que os bancos eram rentáveis e bem capitalizados.

Segundo o jornalista Michael Lewis, autor de Bumerangue: Uma Viagem pela Economia do Novo Terceiro Mundo, foi com essa convicção que se sentaram à mesa o primeiro-ministro e seus conselheiros na noite de 2 de outubro de 2008. Uma corrida bancária punha em risco os bancos e ninguém sabia se dali a 24 horas continuariam a existir. Nessa situação de fato desesperadora, o governo irlandês tomou uma decisão desesperada e agiu para restabelecer a confiança.

Um funcionário do Banco Central foi despachado para ir à tevê explicar a solução encontrada. A este senhor, podem-se imputar muitas coisas – a timidez, o ar de coadjuvante vocacional, o bigodinho –, mas ninguém lhe negará o dom de ser sincero. Numa voz fininha, ele disse: “O contribuinte garantirá os bancos.”

Zig.

A Irlanda acabara de decretar que qualquer empréstimo a uma instituição financeira nacional pública ou privada era empréstimo ao estado irlandês. Tal garantia, supunha-se, jamais seria convertida em moeda sonante, uma vez que a mera afirmação de sua existência restabeleceria a confiança no sistema. A hipótese fracassou. O país assumiu uma dívida de 85 bilhões de dólares a seus credores – cerca de 40% do PIB –, valor que terá de ser recuperado à base de um programa brutal que inclui desemprego e corte de salário.

“Nossa situação era até mais crítica do que a da Irlanda”, diz Jón Steinsson, de Columbia, “mas eles foram convencidos de que os bancos eram sólidos e cometeram o erro fatal de garantir tudo. Historicamente, em situações assim, os governos costumam pensar o seguinte: ‘Se eu gastar só mais um pouquinho, salvo tudo.’ E de pouquinho em pouquinho se chega ao abismo.” Há meses, desesperados, os bancos islandeses vinham recebendo empréstimos do Banco Central para honrar os seus compromissos internacionais. “Na semana em que nós quebramos, os bancos continuavam a nos pedir linhas de crédito. Tínhamos muito dinheiro para gastar. Poderíamos ter queimado de 50 a 100% do PIB para tentar salvá-los – e de trás para a frente é claríssimo: teria ido tudo pelo ralo. Ainda assim, há quem diga que nossa única opção era deixar o sistema ruir. Olhe, eu estava lá e posso garantir que a impressão não era essa. Nós desistimos de ajudá-los três dias antes do ponto em que os outros países costumam jogar a toalha, e isso nos poupou uma quantidade enorme de dinheiro.”

Esses três dias permitiram resguardar a parcela mais exposta da população islandesa. “Sim, a maioria dos cortes do programa de ajuste recaiu sobre a agenda social – saúde, educação, seguridade”, explica Jón. “Acontece que nós tínhamos uma boa margem ao entrar na crise. O governo sempre funcionou no azul” – fato que desafia o argumento de que o contrato social nórdico seja insustentável –, “e o caixa estava abastecido com o dinheiro que não gastamos para tentar salvar os bancos. Isso foi decisivo para proteger o sistema social. Não tivemos de cortar tão fundo como outros países.”

A inflação provocada pela desvalorização da coroa islandesa comeu os salários mais altos, enquanto os mais baixos foram parcialmente protegidos por reajustes. O sistema tributário, regressivo no governo conservador, tornou-se fortemente progressivo, com aumento de impostos apenas para as empresas e para os 40% mais ricos. Em 2009, no momento mais agudo da crise, o governo chegou a acelerar o repasse para os mais afetados. “Aumentar gastos sociais no pico de uma crise não é a medida mais óbvia do mundo”, diz o ministro Steingrímur. “O consenso hoje é de que o programa do FMI para a Islândia foi extremamente heterodoxo.”

Heterodoxo e duríssimo: o governo cortou o equivalente a 10% do PIB, o que corresponde ao valor que teve de gastar para reerguer o sistema financeiro local. É um dos maiores ajustes de que se tem notícia.

Stefán Ólafsson, sociólogo da Universidade da Islândia, afirma que, de tão singular, o ajuste islandês pertence a uma categoria só sua. Ao analisar os efeitos sociais do programa de austeridade, ele constatou, em síntese, uma reversão da tendência à desigualdade que vinha caracterizando os anos de liberalização econômica. O índice de Gini, que mede a distância entre os mais ricos e os mais pobres, mostra um país com menos disparidades em 2010 do que em 2007. Crises financeiras afetam primeiro aqueles que especulam, o topo da pirâmide, lembra o economista Jón Steinsson, sendo natural que, num primeiro momento, os mais ricos percam mais. No entanto, ele atesta que, de fato, as políticas adotadas pelo governo mitigaram a desigualdade.

O país empobreceu – a economia tem hoje o tamanho de 2004 –, mas chega a 2012 mais justo e, por isso, com mais chances de voltar a crescer. O próprio FMI sublinha esse aspecto. “Qualquer país pode experimentar pequenos surtos de crescimento, às vezes até intensos, mas eles não duram muito”, disse Nemat Shafik, diretora do Fundo, numa conferência promovida em Reykjavík pelo FMI e o BC islandês em outubro passado. “Os dados mostram que os países que conseguem crescer de maneira constante e duradoura geralmente têm distribuição de renda mais equitativa.”

O desemprego hoje na Islândia é de 7,3%, metade do da Irlanda, um terço do da Espanha. Projeções indicam um crescimento de 2,5% em 2012. A Europa do euro, segundo a revista The Economist, deverá sofrer uma retração. (A Irlanda permanecerá estacionária.)

O custo para a reputação islandesa, tão alardeado à época da decisão de não socorrer os bancos, aparentemente não se materializou, a julgar pelo único termômetro que o mercado respeita. Em junho do ano passado, pela primeira vez desde a crise, o país testou com a pontinha do pé as águas do sistema financeiro. Estava gostosa. A Islândia vendeu 1 bilhão de dólares em títulos de cinco anos, pagando abaixo de 5%. O mundo cobra 15% a mais da Irlanda, cujos bons modos receberam nota 10 do sistema financeiro internacional.

Não significa que a Islândia esteja com a casa arrumada. Num dos efeitos mais deletérios das crises, os ativos foram levados a um rearranjo caótico. Apanhadas no contrapé, endividadas, boa parte das empresas islandesas foi encampada pelos credores. Hoje, 60% delas pertencem aos bancos. É impressionante, mas há mais.

Dos três bancos nacionalizados, o Estado manteve o controle de apenas um, o Landsbanki [Banco Nacional]. Numa clássica conversão de dívida em participação, os outros dois foram repassados a grandes credores internacionais, aos quais não interessava gastar nem tempo nem dinheiro para reerguer instituições que acabavam de lhes causar prejuízos desastrosos. Semmuito choro, preferiram vendê-las a hedge funds americanos, aceitando 2 ou 3 centavos pelo valor de face de 1 dólar.

Passados três anos da crise, mais da metade do sistema financeiro islandês pertence a fundos cuja prioridade é recuperar, em curto prazo, o capital de oportunidade que puseram ali. Não são parceiros da retomada, não investirão no país. Pior: como controlam parte significativa das empresas e ninguém sabe o que pretendem fazer com elas, nada se move. Se for mais lucrativo, elas serão vendidas aos pedaços a quem oferecer um preço camarada. A esses fundos se dá o nome de vulture capitalists, operadores especializados no desmembramento de ativos alquebrados.

A Islândia não deu o calote. Ao contrário da Grécia, por exemplo, cujas dívidas são essencialmente públicas – foi o Estado que tomou dinheiro emprestado –, o governo islandês sempre zelou pelas suas contas. As dívidas foram contraídas por entidades privadas e quem emprestou assumiu o risco de fazer mau negócio. Perderam bancos internacionais, a maioria deles europeus, dos quais metade alemães. Extintas as esperanças de reaver os empréstimos à trinca islandesa, eles pegaram a caneta vermelha e deram por perdidos 63 bilhões de dólares.

No encerramento da conferência de Reykjavík, Martin Wolf, o mais proeminente colunista do Financial Times, resumiu o que acabara de testemunhar: “Passei anos cobrindo países em crise. A grande pergunta que aparece nessas horas, e que gera debates furiosos, é uma só: quem arcará com os custos? Na maioria absoluta das sociedades, as perdas acabam sendo pagas por gente relativamente pobre. Se isso não aconteceu aqui, então estamos diante de um milagre.”



m 31 de agosto de 2011, 33 meses depois do acordo, o FMI apertou a mão da Islândia – “Foi um prazer” – e voltou para casa. Turbulências, apenas uma. O ministro Steingrímur acredita que, não fosse por ela, o país teria saído mais cedo da crise. Ele se refere à turbulência como “essa coisa infeliz do Icesave”.

Vários adjetivos seriam mais apropriados: rumoroso, afamado, façanhudo, memorável. O que o governo julga infeliz é visto, por boa parte dos islandeses, como o grande momento de afirmação democrática da nação. É essencialmente por esse episódio que se grita “Todos somos Islândia” nas praças espanholas.

O Icesave era um pequeno banco on-line aberto pelo Landsbanki, um dos membros da tríade islandesa. Sua especialidade era captar fora do país, principalmente na Grã-Bretanha e na Holanda. Donas de casa, assalariados, organizações filantrópicas e universidades depositaram ali parte de sua poupança, atraídos pelos juros mais generosos. Quando o sistema ruiu, cerca de 5 bilhões de dólares em depósitos desapareceram.

A Lei de Emergência sancionada naquele sombrio 6 de outubro determinavaque cada um dos três bancos fosse dividido em dois: um banco doméstico – responsável pelos depósitos em coroas – e um estrangeiro — responsável por todo o passivo em moeda forte. O governo passaria a administrar o banco doméstico, garantindo os correntistas; o estrangeiro, não encampado pelo Estado, seria liquidado. O governo britânico berrou: estavam discriminando seus cidadãos. Enquanto os islandeses tinham acesso à conta bancária, o pobre carteiro aposentado de Birmingham, que depositara suas economias, em libras, num banco eletrônico com sede na Islândia, ficava a ver navios.

Com a nacionalização parcial do Landsbanki, foi o caso de perguntar: Seria o Estado islandês responsável pelo carteiro de Birmingham? As autoridades julgaram que não. No momento da quebra, tanto o Landsbanki como o fundo garantidor da Islândia constituíam entidades privadas, logo, não havia por que socializar as perdas. Credores internacionais – sobre os quais os correntistas continuariam a ter prioridade – seriam ressarcidos com os ativos da massa falida.

Imediatamente, entraram em ação os mecanismos usuais da geopolítica. A Islândia precisava desesperadamente de dinheiro para estabilizar sua economia. O FMI assinara um protocolo de cooperação no valor de 2,2 bilhões de dólares e já pagara a primeira tranche. Faltavam todas as outras. Era simples: como membros do FMI, Grã-Bretanha e Holanda bloqueariam a transferência dos recursos.

Pressionado, o governo propôs um acordo: começaria a saldar a dívida a partir de 2017. Em 30 de dezembro de 2009, o Parlamento aprovou a lei que dispunha sobre o pagamento. Para entrar em vigor, bastava agora a assinatura do presidente da Islândia. Sendo o cargo essencialmente simbólico, tratava-se de mero protocolo. Deixou de ser quando o presidente Ólafur Ragnar Grímsson alegou precisar de tempo para refletir. A Constituição islandesa estabelece catorze dias para a assinatura da Presidência, a partir da sanção parlamentar; esgotado esse prazo, convoca-se automaticamente um referendo para que a matéria seja decidida pela população.

O ativismo político de 2008, àquela altura esmorecido, ganhava ali uma segunda vida. “A princípio, não tinha nenhuma relação com a dívida”, esclarece Ólafur Elíasson, um dos criadores do InDefence, o grupo de pressão que viria a liderar os novos protestos. Músico e professor de piano, Ólafur estava cuidando da vida quando o país quebrou. Não tinha dívidas, e de súbito se viu tachado de terrorista por Gordon Brown. Convocou um grupo de amigos, e em pouco tempo circulava pela internet uma campanha em que velhinhas, crianças, moças, famílias, bebês e até cachorros islandeses apareciam ao lado de um recado: Eu não sou terrorista, senhor Brown.

Ólafur voltou à ativa ao saber do acordo em torno do Icesave, cujos detalhes os governos da Islândia, da Grã-Bretanha e da Holanda mantinham entre quatro paredes. O documento foi vazado para Ólafur. Ele o mostrou a um advogado que, depois de estudá-lo por uma noite, não teve nada mais brando a dizer senão que era preciso denunciar o governo por traição.

Durante meses, membros do InDefence tentaram convencer os parlamentares a rejeitar a proposta. Não conseguindo, resolveram acionar o dispositivo constitucional que previa veto presidencial com subsequente referendo. Desde a independência do país, o artigo 26 da Constituição jamais fora levado a efeito. Ólafur e sua turma pediram uma audiência com o presidente em 2 de janeiro de 2010, três dias depois de a lei ser sancionada.

Era um sábado. Às onze da manhã, algumas centenas de pessoas apareceram diante da residência presidencial, a trinta minutos de Reykjavík. Da neve, surgiu o núcleo duro do movimento, carregando uma pilha de páginas com 56 mil assinaturas contra o acordo, um quarto do eleitorado do país. Em semicírculo, um coral prorrompeu num canto patriótico. Era a senha para que dois monomotores decolassem de um aeroporto vizinho e viessem registrar o momento mais espetacular do dia.

À roda da casa, dezenas de pessoas ergueram o braço, cada uma delas segurando no alto um sinalizador vermelho. “Nós somos um país de pescadores”, explica Ólafur. “Aqui todos compreendem o alerta de perigo no mar.” O céu pareceu arder. A fumaça avançou sobre a casa, fazendo-a desaparecer detrás de uma espessa cortina vermelha. Foi essa a imagem estampada no dia seguinte na primeira página de todos os jornais. Até mesmo um paraguaio destituído de mar entenderia que ali se sinalizava urgência.

Logo depois, o presidente abriu a porta. Oito delegados do InDefence foram conduzidos a uma longa mesa. Sentaram-se de um lado, o presidente do outro. Por quase duas horas, argumentaram. O presidente escutou e pouco disse. “Honestamente, eu não tinha esperança”, diria Ólafur. Três dias depois, em 5 de janeiro, o presidente anunciou que não assinaria.

O referendo se realizou dois meses depois, em 6 de março de 2010. O acordo foi rejeitado por 93% dos eleitores. Menos de 2% concordaram com o pagamento. Já seria o bastante para elevar a Islândia ao panteão das nações insurretas, mas havia mais.

Alarmado com a reação dos dois paísescredores – “Inaceitável”, disse o ministro das Finanças holandês; “A Islândiaacaba de declarar que não pertence mais ao sistema financeiro internacional”, aduziu um alto funcionário britânico –, o governo islandês se pôs a negociar discretamente um novo acordo, em termos mais favoráveis ao país.

Levou-o ao Parlamento no início de 2011. Nesse momento, já se sabia que o valor da massa falida dos bancos era bem mais substancial do que se imaginara – a dívida poderia ser paga sem grande sacrifício do Tesouro. A maioria parlamentar – favorável ao novo acordo – parecia refletir o sentimento do país. Ainda assim, uma vez mais, o presidente se negou a assinar. Dias antes do segundo referendo, em abril de 2011, pesquisas indicavam que a proposta seria aprovada. Uma reversão de última hora a derrotou.

Não espanta que 60% dos eleitores tenham votado não. Surpreendente é que os outros 40% tenham dito que era hora de pagar.



dotar o partido de não pagar é muito fácil”, diz Gudmundur Jónsson, professor de história na Universidade da Islândia. “A escolha do presidente foi interpretar o humor da nação dizendo que havia uma cisãoentre o Parlamento e a sociedade. Não havia. Uns dias antes do segundo referendo, a maioria dos islandeses era favorável ao pagamento. Ele cruzou uma fronteira constitucional ao não respeitar o que o Parlamento havia decidido.” A contundência da afirmação contrasta com a voz suave: “Pegue um táxi e pergunte ao motorista: ‘Quer pagar uma dívida para estrangeiros?’ É ridículo submeter uma pergunta dessas a referendo. O presidente é um demagogo.”

“Em 2010, foi como dizer: ‘Danem-se os estrangeiros, vamos salvar os islandeses’”, resume Ísi, o produtor cultural. Ele votou não no primeiro referendo e, acompanhando os 40%, sim no segundo.

O jornalista Eiríkur Gudmundsson trabalha na Rádio Nacional da Islândia. Durante um bom tempo, foi dos poucos a atacar – com notável virulência – os excessos da liberalização econômica. Em 2011, mudando de alvo, leu no ar um editorial furibundo contra os referendos. “Aquilo foi puro teatro político. O caso Icesave é irrelevante, serviu apenas para desviar a atenção das questões essenciais. Em vez de discutir as razões da quebra ou o colapso do Banco Central, os islandeses ficaram dois anos em cima de uma questiúncula. Não foi à toa que o voto pelo não virou uma bandeira do mesmíssimo governo de direita que causou todo o estrago.” Tempos irônicos.

Eiríkur votou sim. Para ele, era simples: “De um lado, os nacionalistas, os capitalistas, a turma da direita, todos dizendo: ‘Somos islandeses, não fazemos acordos, não precisamos de ninguém.’ Do outro, pessoas dizendo: ‘Somos europeus, prejudicamos muita gente, devemos nos responsabilizar.’ Eu não quis ficar com a primeira turma.”

“Houve um custo associado aos dois referendos”, afirma o ministro da Economia Steingrímur. “Cortaram empréstimos à Islândia. Nossa recuperação atrasou”, argumenta. “Os números hoje mostram que o custo do segundo acordo vetado pelo presidente seria insignificante. Os ativos recuperados cobrem praticamente tudo. Quero lembrá-lo do seguinte: este caso ainda não acabou. Em função dos referendos, é possível que só termine nos tribunais internacionais. Ainda pode nos custar muito caro.”

Na mitologia da crise islandesa, os referendos representam o momento político por excelência, quando o país, soberano, foi às urnas repudiar o pagamento de uma dívida que não contraíra. Mas, novamente, não se tratava de calote, como até Ólafur, do InDefence, insiste em sublinhar: “Nós jamais dissemos que a dívida deixaria de ser paga. Pedíamos apenas que esperassem até a liquidação do banco.” Grã-Bretanha e Holanda – ironia – receberão seu dinheiro.

Como o governo temia, em dezembro passado, a Agência de Fiscalização do Acordo Europeu de Livre Comércio entrou com uma ação contra o Estado islandês por não honrar as contas Icesave.



oi daqui que o senhor viu os sinalizadores?” “Sim”, respondeu o presidente da Islândia, Ólafur Ragnar, numa sala de sua residência oficial. À beira de um pequeno lago, a casa era uma antiga escola de línguas clássicas. Ali foi feita a primeira tradução da Odisseia para o islandês. O presidente é um homem de 68 anos, muito alto, dotado de cabelos alvíssimos, ornamentais. Veste-se e move-se com a dignidade e a pompa de um velho embaixador cioso de seu papel no mundo.

“Conheço a crítica que me fazem”, disse. “Discordo dela não só como presidente da República, mas como cientista político que durante anos lecionou a Constituição islandesa.” Em tom professoral – ouvir a própria voz não lhe desagrada –, passa a explicar o que houve na Islândia: “O choque que sofremos mostrou como o sistema financeiro é capaz de ameaçar os fundamentos de uma sociedade democrática e pôr em risco a coesão social. Diante da potencial calamidade, a Islândia tomou algumas decisões. A economia se recuperou mais cedo e melhor do que qualquer pessoa imaginaria. E também a sociedade se recuperou. Por quê?”

O velho cientista político elenca três explicações. Em primeiro lugar, a percepção, logo no início, de que o desafio não era apenas econômico. A crise devia ser compreendida nas suas dimensões políticas, legais e sociais. Foram convocadas novas eleições parlamentares, iniciou-se uma investigação criminal (por ora, uma só pessoa foi punida) e elegeu-se um comitê para propor mudanças na Constituição.

A segunda dimensão da estratégia islandesa foi “contrariar a ortodoxia financeira vigente nas economias ocidentais” e deixar que os bancos quebrassem.

A terceira dimensão é a que chama de “a dimensão democrática”. A seu ver, pode-se resumir o caso Icesave como a transformação de uma dívida privada em obrigação soberana do país: “Eu submeti essa decisão ao povo islandês.” Decisão difícil? “Sim. Forças poderosas pressionaram para que eu assinasse a lei – não só o governo, mas associações de indústrias, a maioria dos sindicatos, todos preocupados com as repercussões econômicas da recusa. E, claro, todos os governos da Europa foram contra. Para muitos, a Islândia viraria um pária no concerto das nações” – a “Cuba do Norte”, alguém disse. O temor do presidente era outro: “O de virarmos o Haiti do Norte.” “Demos prova de uma via democrática diferente do que se viu na Grécia, por exemplo, quando os governos europeus se uniram para dizer a eles: ‘Não, vocês não farão plebiscito.’”

Oratória à parte, uma razão mais sutil parece amparar o episódio dos referendos. Em menos de uma semana, a crise substituiu o otimismo de uma nação eufórica consigo mesma pelo niilismo de quem enxerga o futuro como fracasso líquido e certo. Se, como sustentam alguns, os referendos mais latiram do que morderam, o ponto-chave talvez tenha sido exatamente o latido. “O país estava em choque”, disse o presidente. “Não foi por isso que convoquei o referendo, mas ali, essa é a verdade, os islandeses sentiram que o destino da Islândia estava em poder deles. Ali renasceu a vontade da nação.” Rituais de expiação, mesmo se custarem caro, têm sua serventia.



ón Skafti Gestsson tem 30 anos. Alto, com cavanhaque de boêmio, graduou-se em história e faz mestrado em economia na Universidade da Islândia. Nos anos de bonança, deu aulas de islandês para estrangeiros, mas a crise espantou os alunos. Voltou à universidade nas asas de uma bolsa do governo, o que o ajuda com as contas da família – mulher e filhinha. Jón tem seu apartamento, tem sua rotina. Sabe que o Estado arcará com a escolinha da filha, com eventuais emergências médicas. Tudo parece no lugar, mas não: “Em termos materiais, eu não perdi nada com a crise. O que perdi, o que todo mundo perdeu, foi uma sensação generalizada de confiança. Ninguém confia em mais nada, e isso suga muita energia, te impede de ser feliz. Estamos paralisados.”

“Não fazíamos ideia de como os interesses econômicos haviam se imiscuído na esfera política”, diz Katrín Oddsdóttir, a jovem advogada que discursou contra o governo naquele sábado de 2008. “Políticos pegavam carona nos jatos dos bilionários. Criaram-se empresas de mídia para defender os interesses dos grandes conglomerados.”

Em 2010, foi publicado um relatório sobre as causas da crise. Produzido por uma Comissão Especial de Inquérito Parlamentar, o texto em nove tomos causou tanto espanto que foi lido em voz alta, na íntegra e sem interrupção, ao longo de seis dias e seis noites no palco do Teatro Municipal de Reykjavík, com transmissão ao vivo pela internet. Poucos se salvaram. O presidente não foi um deles. Para Katrín, “de herói nacional, ele passou a vilão”. Soube-se que, durante os anos de expansão, o velho professor de esquerda se mostrara um entusiasta dos novos capitalistas. “Ele viajava nos aviões particulares, falava maravilhas dos nossos bancos, fazia relação com as sagas e os vikings, dizia que iríamos conquistar o mundo.”

O tema recorrente na Islândia, hoje, não é mais a quebra, a derrubada do antigo governo, a eleição do novo, os referendos ou o início da retomada. É a descrença, com seu corolário de desnorteamento. “É tudo um paradoxo”, diz Bergsteinn Sigurdsson, repórter do Fréttabladid, jornal de maior circulação do país. “Por exemplo: pela primeira vez, temos um governo de esquerda, e a direita o acusa de estar a serviço do grande capital financeiro.” Na véspera, a Standard & Poor’s aumentara a nota do país. “Uma das consequências da crise é que a informação perdeu a credibilidade. Antes, nós diríamos: ‘Sim, estamos saindo do buraco.’ Agora é gritaria geral, todos contra todos, ninguém acredita em nada.”

Kári Stefánsson, da deCODE, um dos descrentes, não vê mais diferença entre esquerda e direita e acha que o colapso confirmou a falência do modelo político tradicional. “Eu acabo de descrever para você a miséria moral do nosso atual governo. Ainda assim, se me perguntassem quem eu poria no lugar deles, não saberia responder.”

“Nos Estados contemporâneos, o que acontece no âmbito das instituições, mesmo das mais consolidadas, tornou-se um aspecto quase periférico”, diz o presidente da República, no papel de cientista político. A mobilização pelos referendos, a Primavera Árabe, os movimentos de protesto na Europa são, a seu ver, indícios de que as mudanças estão se dando ao largo do sistema, quando não contra ele. “É uma conclusão estarrecedora.”



ais uma vez, foi na Islândia que se viram as primeiras reações a esta brutal falta de fé no processo político. Em maio de 2010, Jón Gnarr foi eleito prefeito de Reykjavík, o segundo posto mais importante da hierarquia política nacional, atrás apenas do cargo de primeiro-ministro. Gnarr não veio ao mundo pelas vias normais: é criação de um satirista. Fazia tanto sucesso no rádio que o criador assumiu oficialmente o nome da criatura e se lançou na política. Ao partido que fundou, deu um nome que tranquilizasse a população. “Se não fosse tão bom”, explicou na época, “o meu partido não se chamaria o Melhor Partido, mas o Partido Médio, ou o Pior Partido, e eu nunca militaria num partido desses.”

O programa de Gnarr ancorava-se numa promessa: quebrar todas as promessas do candidato – dentre as quais, toalhas de graça nas piscinas públicas, transporte gratuito para “estudantes e pobres coitados”, um Parlamento sem drogas até 2020 e um urso polar para o zoológico da cidade. Ele expôs com franqueza o cerne de sua motivação: “Preciso garantir um salário fixo para cuidar da minha vida, e também quero ter assessores e ganhar um monte de coisas de graça.” Foi o escolhido de mais de um terço dos eleitores de Reykjavík.

“Não sei bem por que as pessoas votaram em mim”, disse Gnarr, minutos depois de se filiar a um grupo taoísta, seu compromisso anterior naquela manhã miserável de neve e granizo. “Posso garantir que minha candidatura não nasceu como piada. O Melhor Partido está cheio de gente séria.” Para comprovar, observou, sem ironia, que o vice-líder do partido foi um dos fundadores dos Sugarcubes, a banda neopunk que lançou Björk.

Jón Gnarr tem 44 anos, é corpulento e extremamente gentil. Aponta com orgulho uma imagem que, junto à máscara de Darth Vader, decora seu gabinete: a conhecida street art do inglês Banksy na qual um jovem mascarado atira um buquê de flores à guisa de coquetel molotov. “Foi ele que me deu”, conta, feliz. Seu pulôver cinza estampado com o símbolo do anarquismo produzia uma dissonância cognitiva com a poltroninha rendada em que se sentou para conversar. “Sempre tive muito interesse em política, mas acho os partidos tradicionais um tédio. Filosoficamente, sou um anarquista.”

Considera que, do ponto de vista simbólico, o fato mais relevante de sua eleição foi o que não aconteceu. O Melhor Partido se apresentou como alternativa viável num momento em que as pessoas estavam perplexas e furiosas. Ele usou essa fúria para o bem, garante. Os extremistas de plantão poderiam tê-la usado para o mal. “No norte da Europa, isso já está acontecendo, com a ascensão da extrema-direita.”

“A eleição do Gnarr foi um fuck you na cara dos políticos, um atestado da nossa descrença generalizada”, diz o jornalista Kolbeinn Proppé. “Mas bastou pisar na prefeitura para ele começar a agir de maneira convencional. Você se apresenta como o cara que vai mudar a política, forma o gabinete com músicos, cineastas e poetas, e aí, no primeiro dia, jogam na tua mesa os três calhamaços do Orçamento.”

Com candura desconcertante, Jón Gnarr, autodeclarado libertário e surrealista, menciona como sua maior realização a reestruturação financeira da empresa municipal de eletricidade. Depois de um mês atracado a planilhas – “Mas que merda estou fazendo aqui?” –,montou uma complexa engenharia para capitalizar a empresa oferecendo como garantia títulos do próprio município – ou algo do gênero.

“Aqui, depois de 2008, governar virou sinônimo de controlar o estrago. Ninguém mais se dá ao luxo de realizar grandes coisas”, resume Proppé. Reconhecendo essas limitações, os eleitores têm em alta estima o governo de Gnarr. Identificam nele um administrador dedicado e sincero. O prefeito elogia a Lei de Responsabilidade Fiscal, recentemente aprovada pelo Parlamento, e não está bem certo, mas desconfia que o FMI seja em parte o responsável pela recuperação. É Kropotkin no colégio Sion.



o longo desses últimos três anos, a Islândia perdeu as ilusões que tinha a respeito do funcionamento do mundo, e é por isso que avançou tanto, concluiu o economista Simon Johnson, ao encerrar sua participação na conferência de Reykjavík. “O mundo não é amigo de ninguém, o sistema financeiro internacional não é amigo de ninguém” – essas seriam as lições que o país aprendeu.

“Um conto de fadas”, rebateu Gylfi Zoëga, professor de economia na Universidade da Islândia, no mesmo seminário. “Criou-se o mito de que agimos com independência, com valentia. Os contribuintes foram ouvidos, deixamos os bancos quebrar, protegemos nossos correntistas e decidimos não nos responsabilizar pelas dívidas estrangeiras. Ora, nós não protegemos nada. Não salvamos os bancos porque não tínhamos o euro. Foi sorte.”

Sorte de ser um país pequeno, com capacidade quase nula de desestabilizar a economia mundial. Caso Itália, Espanha ou mesmo Grécia adotassem o modelo islandês, é provável que a economiados três não suportasse a pressão. Sorte de não ter o euro e, assim, poder desvalorizar a moeda. “A coroa é boa num ano de crise”, avalia Jón Steinsson, de Columbia, “mas desastrosa, pelos próprios limites, em qualquer outro momento em que o país não esteja enfrentando uma catástrofe.” Sorte, sobretudo, na excepcionalidade de sua loucura. “Se é para ter uma crise bancária, então que os bancos enlouqueçam de vez, para não haver mais nenhuma ilusão quanto à possibilidade de salvá-los”, na síntese de Martin Wolf, do Financial Times.

Heroísmo por falta de alternativa deslustra um pouco o brilho do gesto. Katrín Oddsdóttir, que, desde o famoso discurso na praça do Parlamento, empenha-se em redefinir a Islândia – é uma das25 pessoas eleitas para propor uma nova Constituição –, teria dificuldade em transmitir algum entusiasmo aos jovens espanhóis. “A raiva passou, o que é bom. Impossível viver em estado de fúria permanente. Mas até agora nenhum grande responsável foi levado à Justiça, ou seja, o sistema continua falhando. Não vejo nenhuma revolução silenciosa por aqui. Quando meus amigos estrangeiros me perguntam, eu respondo: ‘Revolução? Que revolução?’”

“Eles estão passando da insurreição para a reforma”, lamenta Haukur, o anarquista, referindo-se a seus compatriotas.

Ou nem isso. Aos poucos, segundo Katrín, a população vai voltando no tempo. “Isso é tão2007”, eles dizem, referindo-se a qualquer delito de luxo, dos menores (um vinho caro) aos grandes (uma Mercedes esporte). Nos primeiros anos pós-crise, o ativismo político revitalizou uma população que se deixara entorpecer pelo consumo, acredita o professor Gudmundur. Agora, a desesperança parece empurrar parte dos islandeses de volta à passividade das compras. “Frankenstein está reaprendendo a andar”, diz Katrín.



ra sábado à noite e ventava. Também chovia e logo viria o granizo. A praça estava quieta. No gramado em frente ao Parlamento, estavam armadas duas tendas de protesto. Nada a ver com as manifestações de 2008, apenas a emulação do movimento Occupy Wall Street. Na barraca maior, à luz de duas lanternas a vela, dois grupos conversavam em voz baixa. No primeiro, gente mais velha, na meia-idade, levemente alcoolizada. No segundo, uma garotada silenciosa, fumando cigarros artesanais e passando uma garrafa de vinho de mão em mão. Iluminados por quase nada, lembravam Caravaggio.

Einar e Svavar têm 19 anos. Não fazem parte do protesto. Entraram na tenda só para conversar, porque parecia um lugar tranquilo. “Onde estão os manifestantes?” “Estão em falta”, responde Einar.

Svavar fala com gestos largos, movendo os braços lentamente, como algas embaixo d’água. É um menino doce. Vem de uma família de pescadores desde sete gerações, mas não pode pescar. A privatização do regime de cotas, uma das primeiras medidas de Davíd Oddsson, concentrou as empresas de pesca e excluiu os barcos autônomos. “Virei guia turístico. Mostro o mar, as belezas. De vez em quando saio nos barcos como cozinheiro. É muito triste.” Não participou das manifestações de 2008. “Aquele pessoal só protestava porque tinha perdido dinheiro.”

A Islândia na qual Svavar gostaria de viver é feita de terra, mar e pouca coisa mais. “Eu quero me retirar da sociedade, não depender de nada nem de ninguém.” É o sonho regressista de uma Islândia autossuficiente, de homens livres que não respondem a nenhum governo central. Svavar abomina a União Europeia, à qual o país pensa em se juntar. “Se não quero depender de uma decisão de Reykjavík, que dirá de Bruxelas.” É o mesmo argumento de Davíd Oddsson, o líder de direita a que Svavar presume se opor. “O diabo tem boas ideias”, responde.

A natureza que ele tanto ama também sofre e caminha para a dissolução. “Se você quiser falar de aquecimento global, eu posso passar a noite inteira aqui...” Rejeita a ideia de crescimento econômico – “significa apenas mais coisas”–, pois julga que o mundo chegou ao limite. Svavar pensa em ir embora.Lamenta com muita tristeza que a Islândia já não lhe ofereça oportunidades. Quer juntar dinheiro para pagar um curso de botânica em alguma parte do mundo, de preferência numa floresta tropical.

Einar, ao contrário de Svavar, participou ativamente dos protestos de 2008. Invadiu a delegacia para soltar Haukur, a quem atribui, em parte, o despertar da sua própria consciência política. “Foi com o colapso que eu e meus amigos começamos a pensar como filósofos de verdade.” Ele diz isso de uma maneira muito bonita, sincera. “Foram dias lindos...”, rememora, como se não fosse um adolescente de 19 anos. “Hoje, tudo é pura apatia.”

Alguns colegas talvez o achem petulante, com sua figura de um menino inglês privilegiado do entreguerras, bochechas vermelhas, nariz afilado, traços delicados, boné de tweed. É extraordinariamente articulado e se expressa num inglês impecável, cheio de maneirismos britânicos antiquados. Num filme, estaria a caminho de Oxford com versos de Shelley nos lábios. A realidade é bem outra. Einar abandonou a escola. Depois, decidiu voltar, e agora pensa em largar de novo. Quer ser cineasta.

Ísi, o produtor cultural, havia dito: “Por um lado, não descemos ao fundo do poço – ninguém passou fome, continuamos a ser um dos países no topo do mundo –, mas, por outro, nada de muito importante acontecerá por aqui durante muito, muito tempo. O que temos agora é isso, e pronto.”

Isso é muito pouco para Einar, e também para seu amigo Svavar. Estão ambos desencantados, mas por razões opostas: Svavar teme o tumulto do futuro, e Einar, o tédio.

À medida que o tempo passa, mesmo o referendo vai perdendo suas tintas heroicas. Tudo parece se reduzir a um pragmatismo exasperado. “Os estrangeiros depositaram o dinheiro nos bancos islandeses e agora querem de volta.” Einar consegue compreender isso. “Mas eu não quero viver feito um cão porque um banqueiro islandês viveu uma vida louca. Então, fuck it: não pago.” Svavar acha que Einar se tornou um pessimista: “O que ele queria é aperfeiçoar o sistema, e não o pôr abaixo, mas chegou à conclusão de que isso é impossível.” É um eco do suspiro de Eiríkur Gudmundsson, o jornalista da Rádio Nacional: “Capitalismo: nada além no horizonte.”

São riscos que a Islândia corre. De um lado, o nacionalismo, com sua defesa do país profundo, de matriz nostálgica, antimoderna e isolacionista; do outro, o desengajamento político, o desdém. Num caso, o país entregue aos extremistas que melhor souberem modular o discurso; no outro, aos oportunistas que ocupam o vácuo deixado pelo desinteresse.

No centro, todos aqueles que, embora cansados, ainda acreditam no processo democrático. “E olhe”, diz Katrín, do comitê da reforma constitucional, “a gente agora está precisando é de um pouco de confiança e de amor. Pode parecer cafona, mas esse lugar nunca foi muito ensolarado, então um pouquinho de amor faz falta. Senão nós vamos ser sempre essa ilha árida perdida no Atlântico Norte.”



hór Jóhannesson descobriu sua santa chama insubmissa no episódio da tomada da delegacia. Afora o nascimento do filho, foi o momento mais intenso dos seus 36 anos de vida. Foi ele que perguntou pelas pedras e inflamou a multidão, ao dizer que libertar o prisioneiro significava derrubar o governo, e que, ao ver Haukur livre, cerrou os punhos e gritou que agora a Islândia era a França da Marselhesa.

Na época, estava concluindo a universidade e em breve faria o concurso para o magistério nacional. Seu sonho era lecionar literatura no ensino médio. Chegou a ser contratado em regime de experiência, mas o Estado o incluiu na lista de demissões do programa de austeridade. De lá para cá, vive do seguro-desemprego. Fez pequenos papéis em alguns filmes e pensa em mudar de carreira, mas no momento está quebrado. Mora de favor na casa do irmão, numa cidade vizinha a Reykjavík.

O ardor revolucionário se extinguiu. Thórvotou no Melhor Partido para a prefeitura de Reykjavík, mas anularia o voto em eleições nacionais. A esquerda que está no poder é um desapontamento. No máximo, melhor do que o governo anterior. “Entre Satã e o Diabo, você escolhe Satã, que é o melhor. Sóque é o Diabo quem manda.” É uma variante de um tema recorrente no país: mudaram as pessoas, a ordem permaneceu intacta. Thór se sente congelado, sem poder se mover. Sonha com uma Islândia de trinta anos atrás. “O que existe é a desesperança. Perdi completamente a fé na democracia. Está provado que ela é tão perniciosa quanto a ditadura. Então, se existe uma saída, eu não conheço. Se soubesse qual é a terceira via, eu seria o rei do mundo.” J


[1]Com raras exceções, sobrenomes são proibidos na Islândia. Os sufixos sone dóttir significam filho de e filha de, e compõem os patronímicos de cada islandês. É impróprio referir-se a alguém pelo patronímico, pois seria tão somente afirmar que uma pessoa não nomeada é filho ou filha de João ou Pedro. Do presidente ao desempregado, todos são tratados pelo nome próprio. Adotaremos o critério islandês neste artigo. Só serão referidos pelo sobrenome aqueles que de fato o tiverem, o que é fácil de constatar pela ausência dos sufixos mencionados acima. Por exemplo, no parágrafo anterior: Thórhallsson é patronímico, Haarde é sobrenome.

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Mensagem por Jamm Qua Fev 29, 2012 6:07 pm

islandeses pensavam que iriam viver de pesca a vida toda?
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Mensagem por marcelo l. Qua Fev 29, 2012 6:55 pm

Jamm escreveu:islandeses pensavam que iriam viver de pesca a vida toda?

Acho que é o problema de todo país, como encontrar algum produto para vender em um mundo globalizado com uma concorrência feroz...mas, a saída deles de viver de sistema bancário como eles fizeram foi loucura total. Acabando de ler os textos só agora, fiquei com a convicção que toda sociedade tem mania de dispersar riquezas e utilizar um modelos de crescimento até a irresponsabilidade total...
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