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O transhumanismo e a questão da dignidade humana

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Mensagem por ediv_diVad Qui Out 25, 2012 10:09 pm

O transhumanismo e a questão da dignidade humana: nem tudo
o que é tecnicamente correto é eticamente bom e aceitável


Vive‐se o início de um século com capacidade científica e tecnológica para satisfazer as necessidades humanas e também com grande poder econômico, modificando a vida humana e a própria natureza. A rapidez e a globalização da informação geram constantes mudanças em todos os segmentos da sociedade, fazendo‐se necessário repensar a ética nas relações sociais.

Em seu famoso romance, Admirável Mundo Novo, publicado em 1932, Aldous Huxley apresenta a visão de um mundo onde, já na proveta, os seres humanos são programados no que diz respeito à sua felicidade e profissão. Um mundo apenas com técnica, um sistema fechado e totalitário. O que foi apresentado por Huxley como ficção, começa a se fazer ciência. Discorrendo sobre a mesma problemática, Frei Antonio Moser argumenta que “uma conjugação de robótica, biotecnologias e nanotecnologia nos faz pensar que, agora sim, ‘o admirável mundo novo’ já não se coloca no campo da ciência‐ficção, mas no campo das ciências teóricas e práticas”. Aquilo que era uma metáfora poética das incertezas da existência humana, ou que era visto como ficção, torna‐se hoje ciência.

James Drane e Leo Pessini, em sua obra Bioética, medicina e tecnologia: desafios éticos na fronteira do conhecimento humano, conseguem mostrar que muitos valores humanos e universais foram esquecidos ou desativados, enquanto outros, tais como valores materiais, poder econômico e a ambição se tornam predominantes. A idéia da dispensabilidade de Deus está visivelmente presente nas ações e reflexões do momento atual. Generaliza‐se uma cultura que ameaça a vida, pois ela coloca nas mãos dos seus agentes poderosas ferramentas: uma ciência (saber compreensivo sobre a realidade) e uma tecnologia (saber aplicativo), que podem modificar e remodelar, com possibilidades ilimitadas, o mundo e todas as formas de vida.

Constata‐se, segundo José Alberto Mainetti, nos traços da época contemporânea, a figura mitológica de Pigmaleão: “a revolução biológica, com suas novas técnicas do corpo, expressa o pigmalionismo do nosso tempo, a capacidade de transformar a natureza humana, a possibilidade de recreação do homem”.

Nessa linha, torna‐se pertinente o questionamento de John Naisbitt: “a tecnologia salvará a humanidade ou a destruirá?”. Temos dúvidas e grandes interrogações sobre até onde a ciência e a tecnologia irão nos conduzir, mas temos certeza de que não podemos deixar que os valores éticos, morais e bioéticos sejam eclipsados pela atual revolução tecnológica. No contexto atual, torna‐se procedente uma reflexão ética profunda, crítica e séria.

A dificuldade‐chave dos problemas éticos da atualidade resume‐se em equacionar interesses individuais, no contexto de uma sociedade carente de referências, submetida aos avanços da ciência e da tecnologia não acompanhados de igual conquista ética.

É nesse cenário que emerge a discussão sobre o transhumanismo (ou o aperfeiçoamento humano), doutrina oficialmente criada, em 1998, pelo filósofo sueco Nick Bostrom, diretor do Instituto do Futuro da Humanidade (Future of Humanity Institute) da Universidade de Oxford e cofundador da Associação Mundial Transhumanista (agora Humanity Plus), que tem como pretensão o objetivo de realizar, através do desenvolvimento científico e tecnológico, particularmente, na biologia e, mais especificamente, na genética, velhos desejos e sonhos utópicos do imaginário da humanidade: prolongar a vida, retardar o envelhecimento, eliminar a dor e o sofrimento, aumentar e elevar a capacidade cerebral, curar as doenças consideradas incuráveis.

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Com base nessas idéias, nota‐se que o transhumanismo radica no pressuposto de remodelar, revigorar, melhorar e modificar a essência da espécie humana, construindo um ser humano de tal forma perfeito que transcenda os limites básicos inerentes à sua própria condição, tais como doenças, imperfeição física, insuficiência mental, caducidade da vida e a morte.

O desejo de melhorar a espécie humana é remoto. Podemos retroceder na história até a Antiguidade, na Grécia. Na sua República (Politéia), Platão (428‐348 a.C.) descreve o Estado ideal: uma sociedade na qual se procura aperfeiçoar a humanidade por processos seletivos. A eugenia aparece nessa organização, idealizada por Platão, quando ele afirma que o Estado deveria regular os casamentos e sacrificar os bebês masculinos deficientes. O pensador prevê a eliminação dos mais fracos pela eugenia.

A esse respeito, Hubert Lepargneur afirma que tais princípios eram realmente aplicados. Na antiga Roma, de cima da rocha Tarpeia (penhasco altíssimo situado no Monte Capitolino) crianças frágeis eram lançadas. Meninos considerados fracos e debilitados eram assassinados em Esparta. A dignidade do ser humano não era respeitada durante o regime do Führer Adolf Hitler, os membros do partido nazistas, pregando a superioridade da raça ariana fizeram uso da eugenia para justificar a supressão da vida de judeus, negros, deficientes mentais, ciganos e homossexuais.

O transhumanismo é gerador de dilemas morais, éticos e bioéticos, pois traz, em seu bojo, o niilismo, o princípio secular da plena realização autônoma, individualista e narcisista, que impossibilita uma atitude de alteridade. Ante o exposto, configura‐se o tema do transhumanismo como um dos desafios mais complexos da atualidade. Em decorrência dessa situação, evidencia‐se a necessidade da busca de alternativas que contrariem a falibilidade desse modelo que permite a eliminação e a exclusão de pessoas, a afronta à dignidade e aos direitos humanos em nome do avanço científico e da alta tecnologia.

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Não há que se falar em incompatibilidade entre a proteção dos vulneráveis e o progresso científico, porque evoluir é natural do ser humano, entretanto, como bem define William Saad Hossne, no Manual Operacional para Comitês de Ética em Pesquisa, “o ser humano, ao mesmo tempo em que tem comportamento de ‘filósofo’ (faz perguntas), tem de ‘pesquisador’ (busca respostas). É destino inevitável do ser humano, portanto, ser um ‘eterno pesquisador’; é de seu destino procurar novos conhecimentos [...]. Nessa busca, o ser humano teve que tomar conhecimento do outro e do mundo e, em consequência, teve que refletir sobre a questão de ‘valores humanos’. E, assim, ao lado de se preocupar com a ‘filosofia’ e a ‘pesquisa’, teve que lidar também com a ética”.

Nessa moldura, os cientistas não podem fazer tudo, considerando‐se que toda atividade humana sempre tem uma dimensão moral e deve estar sujeita a restrições morais. Neste sentido, pode‐se dizer que a ética nem subverte a ciência nem restringe desnecessariamente a tecnologia. Portanto, em conformidade com Luciana Grange e Olívia Arantes, “os avanços das descobertas científicas não precisam ser freados, mas necessitam estar sob controle constante de sociedades organizadas, que, junto com os cientistas, possam decidir o que será melhor para todos”. Nessa ótica, Enrico Chiavacci afirma que a ciência e a ética necessitam uma da outra, jamais a ética pode dispensar a ciência. Inevitavelmente, a ciência sempre será confrontada com interrogações éticas.

Em contrapartida à doutrina transhumanista, não se pode furtar à verdade explicitada. Como diria o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues, é “óbvio ululante” admitir que não nos é permitido fazer tudo o que sabemos. A partir, porém, de que princípio se consolida e se fundamenta aquilo que nos é permitido e o que não é? Diríamos, baseados no pressuposto ético, que o permitido é fundamentado no respeito à dignidade e no bem‐estar da pessoa humana, na perspectiva de uma sociedade alicerçada na justiça.

Por sua vez, Lisa Cahill explica que, na realidade, todo o bem‐estar não deve ser compreendido, de forma alguma, somente como grandeza quantitativa, mas, também, como determinação qualitativa. Não se trata somente de garantir às pessoas humanas sua base de vida biológica, mas sim, também, que elas possam viver agora e no futuro, humanamente, em paz e liberdade e realizar sua tarefa cultural em relação a seu mundo.

Cabe lembrar que autonomia presume a presença do outro, pressupõe comunhão e alteridade, assim, não nos desobriga de responsabilidades para com o próximo e nem nos coloca acima dos outros, da sociedade e da história e não nos permite decidir sem restrição e neutralização o que fazer. Corroborando essa idéia, Cornelius Castoriadis registra que “a autonomia remete imediatamente ao problema da relação do sujeito com o outro e se constitui na tensão da sociedade instituída com a sociedade instituinte, ou seja, da história feita e da história se fazendo”.

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A época atual, intitulada de “século do conhecimento”, em que ciência e tecnologia fornecem sempre mais recursos e meios para predominar, manipular e exercer domínio sobre os processos vitais, é importante, frente a esta realidade, reconhecer a necessidade de respeitar a dignidade humana e o direito à vida como pedras angulares e valores maiores da moral, da ética e da bioética.

Diante desta percepção, é necessário salientar que não se pode admitir que esses valores sejam banidos, desprezados ou tratados com desdém em favor dos resultados práticos, mesmos que sejam bons, de qualquer experiência em ciência e tecnologia, pois uma pessoa jamais poderá ser usada como meio para alcançar um fim. Salientando o pensamento de Erico Hammes, é forçoso entender que “os meios não se tornam melhores só por que os fins são bons”.

Isto posto, indaga‐se sobre o modo de proceder que propicie, fortaleça e instaure a alteridade. Sem dúvida, a atitude de abertura e o respeito ao outro como dimensão profundamente humana é mais que desejável. Devemos avaliar que, dentre as exigências básicas para o surgimento de uma história e sociedade novas está o desafio de uma procura ativa e engajada na construção de uma ética nova, alicerçada na solidariedade e na paz.

Por fim, cabe aqui registrar que, certamente, o desenvolvimento científico e tecnológico, de modo particular, as experimentações no campo da genética haverão de enfrentar questionamentos muito sérios, especialmente, na área de abrangência da bioética. Por isso, é imprescindível que, sob o ponto de vista ético, a pesquisa científica e os avanços tecnológicos sejam objetos de discussão; a questão, hoje, reside em renovar essa exigência de um debate, em área tão delicada. É importante também não perder de vista a festa da nova humanidade, tempo de vinho novo e de ótima qualidade, vida em abundância para todos (Jo 20,21).

Pe. Guaraciba Lopes de Oliveira Júnior
Mestre em Bioética
Diocese de Guaxupé, MG

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Mensagem por ediv_diVad Ter Dez 04, 2012 8:15 pm


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Mensagem por Goris Sáb Dez 08, 2012 8:49 am

Ah, bando de frescos*!
Assistam ao filme Sem Limites (Limitless) e me digam de verdade se não tomariam aquela droga que libera todos os limites de nossa mente?
Eu tomaria sem pensar duas vezes. Só de pensar em ter memória funcional eu já fico com as mãos coçando.

*Bando de frescos os anti-Trans-humanismo.
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Mensagem por Mononoke Hime Sáb Dez 08, 2012 9:41 am

Eu tomaria a droga... Smile

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Mensagem por Goris Sáb Dez 08, 2012 10:05 am

Assistiu o filme?

Eu tenho um problema sério de memória (na verdade, esqueci de marcar consulta com o neurologista o mês de novembro todo, pra vc ter ideia, nem esse mes eu lembrei) e isso tá acabando comigo.

Agora, imaginem uma droga que permitisse o acesso irrestrito e imediato às minhas memórias? Claro, um chip ou implante seria bem mais invasivo, mas se houvesse e eu pudesse comprar, tbm faria isso.

Enfim, não vejo como maus olhos o melhoramento positivo da raça humana. A eugenia, o "melhoramento" negativo, em que se mata os inferiores é outro caso totalmente diverso. E idiota.
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Mensagem por ediv_diVad Sáb Dez 08, 2012 10:27 am

É sério isso, Goris?

Parece que você não leu o texto, porque a questão está além de "ser contra" ou "a favor". A questão é como vamos lidar com isso e quais seriam os limites disso. Ética, moralidade...

Tem gente que cheira cocaína e acha que vira super-heroi, você acha que sim?

Tem gente que fuma maconha e pensa que consegue raciocinar melhor, você acha que sim?

Mas se vc baseia sua posição ("é tão legal, deixa acontecer naturalmente") num filme de hollywood (ficção - feita pras pessoas acharem que certas ideias são normais) e pensa que é simples assim, devia entender que na vida real a coisa não é tão romântica ou fácil.

(eu particularmente adorei o filme, mas achei muito forçado o cara conseguir superar o vício químico e psicológico apenas com a mente - uma ideia que pode iludir muitas pessoas)




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