Diretor da Globo Filmes faz desafio ao diretor pernambucano Kléber Mendonça Filho

O diretor-executivo da Globo Filmes, Cadu Rodrigues, lançou um desafio em tom de provocação ao cineasta Kléber Mendonça Filho, de O som ao redor. O empresário instou o pernambucano a produzir e dirigir um filme capaz de atrair 200 mil espectadores ao cinema com todo o apoio da franquia, uma das marcas mais poderosas do mercado cinematográfico brasileiro.

“Peço copiar a quem interessar, desafio o cineasta Kleber Mendonca Filho a produzir e dirigir um filme e fazer 200 mil espectadores com todo apoio da Globo Filmes! Se fizer, nada do nosso trabalho será cobrado do filme dele. Se não fizer os 200 000 assume publicamente que, como diretor, ele é talvez um bom critico”, ele disse, em declaração reproduzida pelo site da revista Veja.

O cineasta pernambucano sugeriu ao jornal Folha de São Paulo facilidade para qualquer um fazer sucesso com público com suporte da Globo Filmes. São filmes feitos com muita grana e lançados com muita grana. Gastam 6 milhões de reais mas parecem ter custado R$ 800 mil porque têm dois apartamentos, quatro atores da Globo, um cachorro e um gato. Minha tese é a seguinte: se meu vizinho lançar o vídeo do churrasco dele no esquema da Globo Filmes, ele fará 200 mil espectadores no primeiro final de semana.”

O som ao redor, dirigido por Kléber Mendonça Filho, recebeu elogios mundo afora por transpor para a telona uma realidade de classe-média herdada da colonização no Recife. Cineastas como Cacá Diegues e até mesmo o músico Caetano Veloso teceram comentários elogiosos à produção. A crítica de cinema do New York Times colocou o filme como um dos dez melhores de 2012. Mais de 70 mil pessoas já assistiram à produção no Brasil.

Em resposta à provocação de Cadu Rodrigues, Kleber postou em sua conta pessoal e na fanpage do filme no Facebook um texto em que agredece o desafio. Confira a resposta na íntegra:

Olá Cadu

Estava em trânsito o dia inteiro, cheguei em Istambul onde O Som ao Redor será exibido nos próximos dias. O Facebook e a imprensa fervilham com nosso embate. Preciso lhe agradecer pelo desafio, mas sua proposta associa a não obtenção de uma meta comercial (200 mil espectadores) como prova irrefutável de que eu não seria um cineasta.

Isso não me parece correto, pois o valor de um filme, ou de um artista, não deveria residir única e exclusivamente nos número$. Sobre ser crítico ou cineasta, atuei como ambos e meu discurso permanece o mesmo, e sempre foi colocado publicamente, e não apenas em mesas de bar: o sistema Globo Filmes faz mal à idéia de cultura no Brasil, atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto.

Devolvo eu um outro desafio: Que a Globo Filmes, com todo o seu alcance e poder de comunicação, com a competência dos que a fazem, invista em pelo menos três projetos por ano que tenham a pretensão de ir além, projetos que não sumam do radar da cultura depois de três ou quatro meses cumprindo a meta de atrair alguns milhões de espectadores que não sabem nem exatamente o porquê de terem ido ver aquilo. Esse desafio visa a descoberta de novos nomes que estão disponíveis, nomes jovens e não tão jovens que fariam belos filmes brasileiros que pudessem ser bem visto$, se o interesse de descoberta existisse de membro tão forte da cadeia midiática nesse país, e cujos produtos comerciais também trabalham com incentivos públicos que realizadores autorais utilizam.

Não precisa me incluir nessas novas descobertas, gosto do meu estilo de fazer cinema. Ainda estou no meio de um grande desafio com O Som ao Redor, 9 cópias 35mm, mais algumas salas em digital, chegando aos 80 mil espectadores em 8 semanas, e com distribuição comercial em sete outros países. A maior publicidade de O Som ao Redor é o próprio filme. Para finalizar, esses embates são importantes, fazemos cinemas diferentes, em geografias diferentes.

Obrigado, tudo de bom. Kleber

De: [Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link]

Pela resposta, ele arregou!

Mas ele está certo no que disse. O cinema apenas retrata o que acontece na TV. Qualquer merda que a Globo exibe faz sempre o mínimo de audiência necessária para ser considerado um sucesso.

O mesmo acontece com os filmes. As comédias produzidas pela Globo Filmes são lamentáveis. E na relação do orçamento com o que é visto nas telas, também concordo, não sei aonde eles investem o dinheiro, porque a produção final é digna de Malhação.

Acho que ele foi gentil, não desmereceu o irônico pedido de desculpas e sim, redirecionou-o... gostei do cara ... e ainda mais por ser pernambucano!

[Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar esta imagem]

Tenho um colega de trabalho que todas as referências que ele tem são das novelas, programas, telejornais da globo.

Felizmente tenho a possibilidade de ter internet e tv paga.

Nem sei qdo foi q assistimos a globo a última vez.

O tio da Globo Filmes tomou com essa. O Kleber foi categórico em sua resposta, essa empresa engessa a distribuição das películas no país e, graças a isso, temos excelentes longas que ficam lacrados dentro do circuito de festivais. Os vencedores do último Festival de Brasília, por exemplo, Era uma Vez Eu, Verônica e Eles Voltam mal chegaram as salas de xopingues do país.
Agora, assim que li essa troca de farpas, comentei sobre a distribuição de filmes no Brasil com o professor da disciplina Cinema Brasileiro da UFPE. E é simples, o governo federal já assumiu a responsabilidade de financiar o cinema brasileiro, através dos editais e etc., mas ainda não se deu conta de que a garantia da exibição desses filmes também é vital para a valorização do audiovisual nacional. Digo isso pois, apesar da possível resistência da Globo Filmes em abrir espaço no mercado que domina, os projetos de uma distribuição estatal dos filmes ainda são extremamente tímidos.
Vamos ver até quando isso perdura...