Copa das Confederações? Não, das remoções!
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Copa das Confederações? Não, das remoções!
Às nove horas da manhã do próximo sábado, dia 15 de junho, um evento promovido pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro pretende se opor ao entusiasmo que circunda a chegada da Copa das Confederações.
Sete horas antes de o Brasil estrear contra o Japão na competição da FIFA, que será uma “prévia” para a Copa do Mundo de 2014, outra bola vai rolar no Quilombo da Gamboa (Rua da Gamboa, 345) na zona oeste da capital fluminense. Trata-se da “Copa Popular – Contra as Remoções”, um torneio de futebol disputado entre comunidades que sofrem com as remoções no Rio – desde comunidades já removidas até comunidades que, em algum momento da preparação para os megaeventos, sofreram ameaças de remoção.
“Escolhemos o dia 15 porque é o dia da estreia da Copa das Confederações e estamos em busca de manifestações mais criativas”, diz a jornalista Paula Paiva Paulo, integrante do Comitê Popular. “Atos a gente já faz bastante, eles são importantes, mas queríamos algo um pouco mais criativo”. O Comitê também vai distribuir materiais com informações sobre as comunidades a quem comparecer ao evento.
No dia da Copa Popular, também será lançado o mascote popular da Copa, que será o Saci. Ao contrário do mascote oficial da Copa – que só pode ser estampado por comerciantes autorizados pela FIFA – o Saci, que será disponibilizado em copyleft para que os comerciantes, principalmente os populares, possam usar à vontade.
Comunidades participantes
Até agora, já há dez equipes confirmadas para a Copa Popular. Serão duas equipes masculinas do Morro da Providência, comunidade que fica na região central do Rio; uma da Muzema, comunidade da zona oeste da cidade; um da Estradinha, situada em Botafogo; um time da Indiana, comunidade que fica no bairro da Tijuca, e outro da Vila Autódromo, que fica em Jacarepaguá. Haverá também quatro equipes femininas: além de Providência e Indiana, haverá boleiras do Morro Santa Marta e do Salgueiro.
Roberto Marinho, de 37 anos, morador do Morro da Providência, foi o responsável por amealhar participantes da sua comunidade. “Foi difícil, porque o pessoal que não está envolvido nas remoções fica com medo de participar de qualquer coisa”, conta. Apesar disso, reuniu dois times de moradores diretamente envolvidos nas remoções –e aposta na experiência das equipes para conquistar o caneco do torneio. “Esse pessoal já joga junto faz um tempo, alguns deles jogaram a Copa das UPPs e quando eu contei o espírito da coisa, eles gostaram. Eles vão poder jogar futebol e mostrar a situação em que estão vivendo”.
Na Muzema, o presidente da Associação de Moradores Leandro Corrêa, de 32 anos, diz que o pessoal “está animado”: “Eu achei legal a ideia porque é um modo de unir o útil ao agradável, ou melhor, ao desagradável porque se trata de uma remoção, né”, brinca. Para Maria do Socorro, da Indiana, o teor político está também na reunião. “Vai ser bom porque várias comunidades ameaçadas vão poder conversar e se unir. A luta tem que ser de todos que estão nessa situação”, afirma.
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Sete horas antes de o Brasil estrear contra o Japão na competição da FIFA, que será uma “prévia” para a Copa do Mundo de 2014, outra bola vai rolar no Quilombo da Gamboa (Rua da Gamboa, 345) na zona oeste da capital fluminense. Trata-se da “Copa Popular – Contra as Remoções”, um torneio de futebol disputado entre comunidades que sofrem com as remoções no Rio – desde comunidades já removidas até comunidades que, em algum momento da preparação para os megaeventos, sofreram ameaças de remoção.
“Escolhemos o dia 15 porque é o dia da estreia da Copa das Confederações e estamos em busca de manifestações mais criativas”, diz a jornalista Paula Paiva Paulo, integrante do Comitê Popular. “Atos a gente já faz bastante, eles são importantes, mas queríamos algo um pouco mais criativo”. O Comitê também vai distribuir materiais com informações sobre as comunidades a quem comparecer ao evento.
No dia da Copa Popular, também será lançado o mascote popular da Copa, que será o Saci. Ao contrário do mascote oficial da Copa – que só pode ser estampado por comerciantes autorizados pela FIFA – o Saci, que será disponibilizado em copyleft para que os comerciantes, principalmente os populares, possam usar à vontade.
Comunidades participantes
Até agora, já há dez equipes confirmadas para a Copa Popular. Serão duas equipes masculinas do Morro da Providência, comunidade que fica na região central do Rio; uma da Muzema, comunidade da zona oeste da cidade; um da Estradinha, situada em Botafogo; um time da Indiana, comunidade que fica no bairro da Tijuca, e outro da Vila Autódromo, que fica em Jacarepaguá. Haverá também quatro equipes femininas: além de Providência e Indiana, haverá boleiras do Morro Santa Marta e do Salgueiro.
Roberto Marinho, de 37 anos, morador do Morro da Providência, foi o responsável por amealhar participantes da sua comunidade. “Foi difícil, porque o pessoal que não está envolvido nas remoções fica com medo de participar de qualquer coisa”, conta. Apesar disso, reuniu dois times de moradores diretamente envolvidos nas remoções –e aposta na experiência das equipes para conquistar o caneco do torneio. “Esse pessoal já joga junto faz um tempo, alguns deles jogaram a Copa das UPPs e quando eu contei o espírito da coisa, eles gostaram. Eles vão poder jogar futebol e mostrar a situação em que estão vivendo”.
Na Muzema, o presidente da Associação de Moradores Leandro Corrêa, de 32 anos, diz que o pessoal “está animado”: “Eu achei legal a ideia porque é um modo de unir o útil ao agradável, ou melhor, ao desagradável porque se trata de uma remoção, né”, brinca. Para Maria do Socorro, da Indiana, o teor político está também na reunião. “Vai ser bom porque várias comunidades ameaçadas vão poder conversar e se unir. A luta tem que ser de todos que estão nessa situação”, afirma.
Muita história pra contar
Confira abaixo um pequeno perfil de algumas dessas comunidades, e saiba como elas foram marcadas pela avalanche das remoções. Segundo o dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro”, só na capital carioca cerca de 11 mil pessoas podem ser removidos por conta de intervenções urbanas ligadas à Copa das Confederações, à Copa do Mundo e às Olimpíadas de 2016.
Morro da Providência – Localizado na região portuária do Rio de Janeiro, o local é um pedaço da história do Brasil. Considerada a primeira favela da cidade, o morro foi ocupado por remanescentes da Guerra de Canudos nos últimos anos do século 19. O local, antes chamado de Morro da Favela, teria dado origem, inclusive, ao nome “favela”.
O drama da comunidade começou, ironicamente, com o Programa Morar Carioca, criado em julho de 2010 pela prefeitura, e que faz parte do planejamento para a Copa. Estão previstas a abertura de vias, a implantação de um teleférico, um plano inclinado e a espaços para visitação turística. Mas, segundo os moradores, não houve informações claras sobre os impactos e nem envolvimento da comunidade na discussão do projeto. A Prefeitura do Rio diz que 380 famílias terão que ser removidas por estarem em áreas de risco e outras 291 famílias sairão para dar lugar ao teleférico e ao plano inclinado. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro conseguiu a paralisação das obras em outubro do ano passado, pela ausência do EIA/RIMA e a falta de informação dos moradores. A Prefeitura conseguiu depois continuar as obras, mas as remoções estão suspensas.
Algumas casas, porém, já foram marcadas com spray com a sigla da SMH para serem removidas. Os moradores rebatizaram a sigla para “Sai do Morro Hoje”.
Muzema – Situada próxima ao Itanhangá, Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, a comunidade já tem mais de 30 anos e está ameaçada de remoção por conta das obras de dragagem de um canal próximo. Porém o córrego já passou outras vezes por canalização e, nas etapas anteriores, a remoção não foi necessária, segundo os moradores.
Indiana – No mesmo lugar desde 1957, a comunidade Indiana, situada na Tijuca, foi símbolo da postura dúbia da Prefeitura do Rio. Em 16 de janeiro de 2012, os moradores receberam a visita do então secretário de Habitação, Jorge Bittar, que prometeu obras de melhoria para a região; duas semanas depois, representantes da prefeitura voltaram à comunidade para dizer aos moradores que deveriam aceitar a oferta de apartamento do programa Minha Casa Minha Vida na região de Triagem, longe da Indiana, ou o “trator passaria por cima por ser área de risco”, segundo conta a membro da comissão de moradores da Indiana, Maria do Socorro.
Junto com a Defensoria Pública, em outubro, os moradores entraram com uma ação contra a Prefeitura pedindo a apresentação de um laudo técnico que comprovasse a situação de risco. Em 10 de dezembro de 2012, foi expedida uma decisão favorável a comunidade cobrando a paralisação imediata das remoções (já em curso) e a retirada do entulho. Até agora, cerca de 110 famílias já foram removidas, algumas delas contempladas com unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida em Triagem. Outras 510 querem ficar. Em 9 de maio deste ano, o Ministério Público apresentou um laudo da própria secretaria de habitação do Rio afirmando que a região era de “baixo risco” e não seria necessária a remoção.
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marcelo l.- Farrista "We are the Champions"
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Data de inscrição : 15/06/2010
Re: Copa das Confederações? Não, das remoções!
Copa Popular
Alguns minutos depois das nove horas da manhã do sábado, dia 15 de junho, eu já estava no Quilombo da Gamboa, espaço de atividades culturais no bairro da Gamboa, na zona portuária do Rio. Choveu muito durante todo o dia, entre pancadas, garoas e agora um cinza nublado, mas mesmo o público – entre 100 e 200 pessoas – compareceu na quadra surrada de futebol society, os tapetes de grama sintética em desnível.
Nas paredes, muitas faixas. “Porto Maravilha para quem?”, questionava uma delas em alusão ao projeto Porto Maravilha, de “revitalização da região portuária”, como define o poder público. “Estradinha: área de risco ou de rico?”, “SMH: Secretaria de Habitação ou Remoção?”, “Não às remoções”, “Brasil: economia verde, Copa vermelha de sangue”, protestavam outras.
Além de meios de comunicação nacionais, como a TV Record e o Portal Terra, havia repórteres estrangeiros, como do jornal britânico “The Guardian”. Os rapazes estavam conseguindo o que queriam: atenção para os problemas das comunidades afetadas.
Os jogos começaram com a partida do campeonato feminino entre Indiana-Nova Geração e Criciúma Providência. Além dos atletas, representantes das comunidades davamentrevistas aos jornalistas, como Maria do Socorro, da Indiana, que mostrava um álbum de fotografias para denunciar a situação de sua comunidade.
“O que está nos segurando naquele lugar é uma liminar que ainda impede a remoção, e a minha divulgação”, acredita ela, que faz uma peregrinação entre encontros populares e atos públicos pela comunidade. “Temos o futebol aqui, temos lazer, mas podemos divulgar a nossa tristeza. As comunidades que estão aqui, umas estão vendo a luta das outras”, disse, Socorro, enquanto um repórter canadense pedia uma entrevista.
A Indiana está “em área de risco”, segundo a prefeitura, sem apresentar nenhum laudo técnico. Após muita luta e uma ação junto à Defensoria Pública, os moradores conseguiram uma liminar que impede a remoção das famílias até que a Prefeitura apresente esse laudo. Na semana passada, em decorrência de outra ação, essa do Ministério Público, foi apresentado um laudo de “baixo risco”, realizado entre 1996 e 2010, e obviamente conhecido pela Prefeitura do Rio.
Em quadra, era possível admirar o desempenho dos jovens moradores do Indiana. Os domínios de bola, numa quadra dura em que a bola quicava muito, eram quase sempre muito bem executados. Os toques de bola pelo alto lembravam as “petecadas” das praias cariocas mas o jogo era levado a sério, com torcida, reclamações com o juiz, cobranças entre companheiros de equipe, empenhados em vencer a partida.
Entre as mulheres, o destaque foram as finalistas: os times das comunidades Salgueiro e da Providência. As garotas dos dois times jogam juntas no Criciúma, time que disputa torneios de futebol de salão na Associação de Futebol Feminino, e para o jogo das comunidades formaram as equipes Criciúma-Salgueiro e Criciúma- Providência. Com apenas seis meses, o time já foi campeão municipal – e invicto. O técnico do Criciúma, Eduardo Tacto, de 29 anos, era só alegria.
“Ao fazer um campeonato entre comunidades, também lutamos contra o preconceito, então seria um absurdo não ter times femininos. Tenho muito orgulho das meninas. Elas estão levando a sério e o resultado está aí: fizemos a final entre o nosso time”, disse.
Capitã do Criciúma-Salgueiro, equipe campeã, a estudante de massoterapia Aline França, de 24 anos, comemorou mais do que o título. “O campeonato serviu para mostrar que a gente tem que estar sempre unido. Tem que se ajudar bastante, eu soube de muita gente aqui que estava perdendo as suas casas. Se a gente não juntar, não vai para frente”, disse Aline, ressaltando que a partir daquele dia iria “se mexer mais e lutar pela comunidade”.
No masculino, só deu Morro da Providência. A comunidade, ameaçada pelas supostas obras de melhoria do projeto “Morar Carioca” da Prefeitura do Rio, emplacou seus dois times na final: o Verdão-Providência e o Criciúma-Providência. Em uma partida disputada a sério – os dois goleiros fizeram defesas milagrosas – o Verdão levou a melhor, ao vencer por 2 a 0 (gols de Matheus e João Marcos).
“Ser campeão é bom, mas jogar contra os amigos é melhor ainda. A Providência foi campeã aqui hoje!”, comemorou Matheus, autor do primeiro gol. “É muito gratificante representar a comunidade”, disse o também campeão João Marcos, artilheiro da Copa Popular com cinco gols marcados.
Entrevistados apaixonados
“Cada favelado é um universo em crise”, diz uma letra dos Racionais MC’s, que voltava à minha cabeça a ouvir cada entrevistado, ansioso por falar. Vitor Lira, de 31 anos, morador do Morro Santa Marta, na zona sul carioca, mostra as marcas na sobrancelha esquerda, fruto de agressão da polícia, segundo o rapaz negro e magro que diz ter ido à Copa Popular “só para prestigiar”. Ele é guia de turismo do “Tour Santa Marta”, uma cooperativa de turismo criada pelos moradores do morro que busca “mostrar um pouco da realidade da favela, o ponto de vista de quem vive o dia a dia ali, e não só a vista”, explica, o também estudante de curso técnico na área de turismo.
“Sou morador do pico do Santa Marta e desde janeiro de 2011 convivemos com a ameaça de remoção porque a Prefeitura alega que estamos em área de risco. Já fizemos um contra-laudo com engenheiros que comprova que ali não é área de risco e que só precisa de algumas obras de contenção”, conta. “Mas por que eles querem essa área? Essa área dá vista para Lagoa Rodrigo de Freitas, Ipanema-Leblon, Arpoador, Copacabana, Urca, Ponte Rio-Niterói, então tirando essas pessoas de lá é possível fazer qualquer tipo de empreendimento privado para se fazer o que eles chamam de embelezamento da cidade”, acredita ele.
Ele se orgulha da família há cinco gerações no Santa Marta na mesma medida em que se indigna com a situação de ameaça. “Acho muito estranho que esse processo de remoção todo venha a acontecer depois da chegada da UPP. Agora que eu não convivo mais diariamente com balas cruzando a minha casa, eu tenho que ir pra Triagem, um lugar bem afastado, para os brancos chegarem?”, revolta-se.
“É muito difícil morar em comunidade no Rio de Janeiro”, concorda Luan Santos, de 21 anos, desempregado e atleta do Cruzeiro-Providência. “E agora tem essas obras de melhoria que são melhoria só pra quem é de fora, pra quem tá lá eu não vejo nada, só vejo ameaça dos meus amigos e da minha família de perder a sua casa”, diz.
A zona portuária, onde se realiza o Copa Popular, também abriga diversas comunidades ameaçadas de remoção pelas obras do Porto Maravilha, como lembrou o mestre de cerimônias, Marcelo Edmundo, da CMP (Central de Movimentos Populares) que disse ter “imitado o Marin” ao colocar uma medalha no bolso durante a premiação. “É um exemplo de luta, um contraponto à Copa das Confederações e do Mundo, que estão trazendo tanto sofrimento a todos aqui”, afirmou.
Uma grande roda de funk promovida pela APAFUNK (Associação de Profissionais e Amigos do Funk) fez a confraternização final com três MC’s cantando funks carregados de críticas sociais. “Quem é você para falar dos meus erros, tu não me conhece não sabe quem sou/A luta que tive, a fome que minha família passou/Aonde tava você na hora do perrengue, porque você não tava lá seu doutor? A sociedade hoje fala de mim mais ninguém me ajudou”, dizia uma das letras.
Domingo no Maracanã
No dia do jogo Itália e México, o protesto começou lá pelas duas da tarde na Estação São Cristóvão de metrô e trem, que fica à beira das rampas de acesso ao Maracanã, tomada por faixas com dizeres como “Da Copa eu abro mão, quero dinheiro para saúde e educação”, “Basta” e o já célebre “Copa pra quem?”. Embaixo da passarela da estação, que fica sobre as avenidas Maracanã e Castelo Branco, os manifestantes entoavam cantos e palavras de ordem trazidas também dos recentes protestos contra o modelo de transporte público que se espalharam pelo Brasil. Saúde e educação também apareciam nas reivindicações.
A massa, a essa altura com cerca de mil manifestantes segundo a imprensa, tentou fazer dois movimentos para alcançar o Maraca, onde os torcedores chegavam para ver o jogo entre Itália e México, pela segunda rodada da Copa das Confederações, mediante o pagamento de ingressos que variam entre R$ 57 e R$ 228.
Primeiramente, o grupo tentou avançar pelo viaduto Oduvaldo Cozzi, que dá acesso à entrada do estádio mas foi barrado pelos policiais. Tentou o acesso pela rua General Canabarro, mas recuou novamente diante da presença da polícia. Por volta das 15h, apareceu um aparato de segurança impressionante: Polícia Civil, Militar, Tropa de Choque, Guarda Municipal, Força Nacional.
O tumulto começou depois de um policial lançar um spray (que mais parecia um extintor) em direção aos manifestantes. A partir daí começou uma verdadeira chuva de bombas, tanto as de gás lacrimogêneo quanto as de efeito moral. Era difícil respirar, a reação de fuga foi instantânea e o corre-corre em direção à passarela quase causou um desastre.
Após esse primeiro embate, uma manifestante passou por mim e disse que estava havendo outra aglomeração, desta vez, na Quinta da Boa Vista, do outro lado dos trilhos. Quando cheguei, vi os manifestantes, já em número bem reduzido, gritando, levantando cartazes e às vezes sentando-se no chão. Pou depois dos manifestantes cantarem o hino nacional diante do Choque, houve o primeiro estouro. Em um movimento espontâneo, todos viraram-se para correr em direção da Quinta, um parque onde as famílias curtiam o domingo de clima ameno que logo se tornou caótico. Havia muitos homens, bombas, helicópteros. Os policiais vestiam roupas que nunca tinha visto, pareciam ninjas, super-heróis ou qualquer coisa assim.
Corri para o parque na esperança que ali dentro, por estar misturado aos “cidadãos de bem”, como se diz por aí, não correria risco. Ledo engano. Em poucos instantes, vi três cápsulas de gás caírem a menos de um metro das minhas costas. A correria foi ainda maior. Já havia policiais dentro do parque e ouvi até mesmo de um deles que uma bomba quase o atingiu.
Alguns manifestantes tentaram se juntar a uma festinha de criança que acontecia ali para se proteger, mas os pais ensandecidos gritavam “Rala daqui! Sai fora!”. Encontrei uma família meio perdida por ali, e fiquei junto deles. João Vicente, o pai da família que me abrigou, estava revoltado. “Isso é um absurdo! Pra que isso! Por que a minha enteada é obrigada a ver isso? Isso é um excesso”, dizia, apontando para os fuzis dos policiais. Relativamente protegido, vi as bombas caírem no parque até que poucos manifestantes foram negociar a saída da Quinta da Boa Vista.
O jogo já acabara, não fazia nem ideia de quem tinha ganhado. A estudante Cecília Souza, de 23 anos, me mostrou o braço completamente inchado, e com uma marca nítida da bala de borracha. Disse que estava de costas quando levou o tiro. Passei por alguns policiais que ironizavam os manifestantes que iam embora. “Ué, já correram? Vão embora de metrô, não era por isso que vocês tavam reclamando”, disse um deles.
Segundo a PM, seis manifestantes foram detidos. A corporação também afirmou que encontrou seis artefatos explosivos pelos policiais sendo um deles um coquetel molotov e que um soldado do 4º Batalhão da PM ficou ferido.
As fotos dessa reportagem foram feitas por André Mantelli
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Alguns minutos depois das nove horas da manhã do sábado, dia 15 de junho, eu já estava no Quilombo da Gamboa, espaço de atividades culturais no bairro da Gamboa, na zona portuária do Rio. Choveu muito durante todo o dia, entre pancadas, garoas e agora um cinza nublado, mas mesmo o público – entre 100 e 200 pessoas – compareceu na quadra surrada de futebol society, os tapetes de grama sintética em desnível.
Nas paredes, muitas faixas. “Porto Maravilha para quem?”, questionava uma delas em alusão ao projeto Porto Maravilha, de “revitalização da região portuária”, como define o poder público. “Estradinha: área de risco ou de rico?”, “SMH: Secretaria de Habitação ou Remoção?”, “Não às remoções”, “Brasil: economia verde, Copa vermelha de sangue”, protestavam outras.
Além de meios de comunicação nacionais, como a TV Record e o Portal Terra, havia repórteres estrangeiros, como do jornal britânico “The Guardian”. Os rapazes estavam conseguindo o que queriam: atenção para os problemas das comunidades afetadas.
Os jogos começaram com a partida do campeonato feminino entre Indiana-Nova Geração e Criciúma Providência. Além dos atletas, representantes das comunidades davamentrevistas aos jornalistas, como Maria do Socorro, da Indiana, que mostrava um álbum de fotografias para denunciar a situação de sua comunidade.
“O que está nos segurando naquele lugar é uma liminar que ainda impede a remoção, e a minha divulgação”, acredita ela, que faz uma peregrinação entre encontros populares e atos públicos pela comunidade. “Temos o futebol aqui, temos lazer, mas podemos divulgar a nossa tristeza. As comunidades que estão aqui, umas estão vendo a luta das outras”, disse, Socorro, enquanto um repórter canadense pedia uma entrevista.
A Indiana está “em área de risco”, segundo a prefeitura, sem apresentar nenhum laudo técnico. Após muita luta e uma ação junto à Defensoria Pública, os moradores conseguiram uma liminar que impede a remoção das famílias até que a Prefeitura apresente esse laudo. Na semana passada, em decorrência de outra ação, essa do Ministério Público, foi apresentado um laudo de “baixo risco”, realizado entre 1996 e 2010, e obviamente conhecido pela Prefeitura do Rio.
Em quadra, era possível admirar o desempenho dos jovens moradores do Indiana. Os domínios de bola, numa quadra dura em que a bola quicava muito, eram quase sempre muito bem executados. Os toques de bola pelo alto lembravam as “petecadas” das praias cariocas mas o jogo era levado a sério, com torcida, reclamações com o juiz, cobranças entre companheiros de equipe, empenhados em vencer a partida.
Entre as mulheres, o destaque foram as finalistas: os times das comunidades Salgueiro e da Providência. As garotas dos dois times jogam juntas no Criciúma, time que disputa torneios de futebol de salão na Associação de Futebol Feminino, e para o jogo das comunidades formaram as equipes Criciúma-Salgueiro e Criciúma- Providência. Com apenas seis meses, o time já foi campeão municipal – e invicto. O técnico do Criciúma, Eduardo Tacto, de 29 anos, era só alegria.
“Ao fazer um campeonato entre comunidades, também lutamos contra o preconceito, então seria um absurdo não ter times femininos. Tenho muito orgulho das meninas. Elas estão levando a sério e o resultado está aí: fizemos a final entre o nosso time”, disse.
Capitã do Criciúma-Salgueiro, equipe campeã, a estudante de massoterapia Aline França, de 24 anos, comemorou mais do que o título. “O campeonato serviu para mostrar que a gente tem que estar sempre unido. Tem que se ajudar bastante, eu soube de muita gente aqui que estava perdendo as suas casas. Se a gente não juntar, não vai para frente”, disse Aline, ressaltando que a partir daquele dia iria “se mexer mais e lutar pela comunidade”.
No masculino, só deu Morro da Providência. A comunidade, ameaçada pelas supostas obras de melhoria do projeto “Morar Carioca” da Prefeitura do Rio, emplacou seus dois times na final: o Verdão-Providência e o Criciúma-Providência. Em uma partida disputada a sério – os dois goleiros fizeram defesas milagrosas – o Verdão levou a melhor, ao vencer por 2 a 0 (gols de Matheus e João Marcos).
“Ser campeão é bom, mas jogar contra os amigos é melhor ainda. A Providência foi campeã aqui hoje!”, comemorou Matheus, autor do primeiro gol. “É muito gratificante representar a comunidade”, disse o também campeão João Marcos, artilheiro da Copa Popular com cinco gols marcados.
Entrevistados apaixonados
“Cada favelado é um universo em crise”, diz uma letra dos Racionais MC’s, que voltava à minha cabeça a ouvir cada entrevistado, ansioso por falar. Vitor Lira, de 31 anos, morador do Morro Santa Marta, na zona sul carioca, mostra as marcas na sobrancelha esquerda, fruto de agressão da polícia, segundo o rapaz negro e magro que diz ter ido à Copa Popular “só para prestigiar”. Ele é guia de turismo do “Tour Santa Marta”, uma cooperativa de turismo criada pelos moradores do morro que busca “mostrar um pouco da realidade da favela, o ponto de vista de quem vive o dia a dia ali, e não só a vista”, explica, o também estudante de curso técnico na área de turismo.
“Sou morador do pico do Santa Marta e desde janeiro de 2011 convivemos com a ameaça de remoção porque a Prefeitura alega que estamos em área de risco. Já fizemos um contra-laudo com engenheiros que comprova que ali não é área de risco e que só precisa de algumas obras de contenção”, conta. “Mas por que eles querem essa área? Essa área dá vista para Lagoa Rodrigo de Freitas, Ipanema-Leblon, Arpoador, Copacabana, Urca, Ponte Rio-Niterói, então tirando essas pessoas de lá é possível fazer qualquer tipo de empreendimento privado para se fazer o que eles chamam de embelezamento da cidade”, acredita ele.
Ele se orgulha da família há cinco gerações no Santa Marta na mesma medida em que se indigna com a situação de ameaça. “Acho muito estranho que esse processo de remoção todo venha a acontecer depois da chegada da UPP. Agora que eu não convivo mais diariamente com balas cruzando a minha casa, eu tenho que ir pra Triagem, um lugar bem afastado, para os brancos chegarem?”, revolta-se.
“É muito difícil morar em comunidade no Rio de Janeiro”, concorda Luan Santos, de 21 anos, desempregado e atleta do Cruzeiro-Providência. “E agora tem essas obras de melhoria que são melhoria só pra quem é de fora, pra quem tá lá eu não vejo nada, só vejo ameaça dos meus amigos e da minha família de perder a sua casa”, diz.
A zona portuária, onde se realiza o Copa Popular, também abriga diversas comunidades ameaçadas de remoção pelas obras do Porto Maravilha, como lembrou o mestre de cerimônias, Marcelo Edmundo, da CMP (Central de Movimentos Populares) que disse ter “imitado o Marin” ao colocar uma medalha no bolso durante a premiação. “É um exemplo de luta, um contraponto à Copa das Confederações e do Mundo, que estão trazendo tanto sofrimento a todos aqui”, afirmou.
Uma grande roda de funk promovida pela APAFUNK (Associação de Profissionais e Amigos do Funk) fez a confraternização final com três MC’s cantando funks carregados de críticas sociais. “Quem é você para falar dos meus erros, tu não me conhece não sabe quem sou/A luta que tive, a fome que minha família passou/Aonde tava você na hora do perrengue, porque você não tava lá seu doutor? A sociedade hoje fala de mim mais ninguém me ajudou”, dizia uma das letras.
Domingo no Maracanã
No dia do jogo Itália e México, o protesto começou lá pelas duas da tarde na Estação São Cristóvão de metrô e trem, que fica à beira das rampas de acesso ao Maracanã, tomada por faixas com dizeres como “Da Copa eu abro mão, quero dinheiro para saúde e educação”, “Basta” e o já célebre “Copa pra quem?”. Embaixo da passarela da estação, que fica sobre as avenidas Maracanã e Castelo Branco, os manifestantes entoavam cantos e palavras de ordem trazidas também dos recentes protestos contra o modelo de transporte público que se espalharam pelo Brasil. Saúde e educação também apareciam nas reivindicações.
A massa, a essa altura com cerca de mil manifestantes segundo a imprensa, tentou fazer dois movimentos para alcançar o Maraca, onde os torcedores chegavam para ver o jogo entre Itália e México, pela segunda rodada da Copa das Confederações, mediante o pagamento de ingressos que variam entre R$ 57 e R$ 228.
Primeiramente, o grupo tentou avançar pelo viaduto Oduvaldo Cozzi, que dá acesso à entrada do estádio mas foi barrado pelos policiais. Tentou o acesso pela rua General Canabarro, mas recuou novamente diante da presença da polícia. Por volta das 15h, apareceu um aparato de segurança impressionante: Polícia Civil, Militar, Tropa de Choque, Guarda Municipal, Força Nacional.
O tumulto começou depois de um policial lançar um spray (que mais parecia um extintor) em direção aos manifestantes. A partir daí começou uma verdadeira chuva de bombas, tanto as de gás lacrimogêneo quanto as de efeito moral. Era difícil respirar, a reação de fuga foi instantânea e o corre-corre em direção à passarela quase causou um desastre.
Após esse primeiro embate, uma manifestante passou por mim e disse que estava havendo outra aglomeração, desta vez, na Quinta da Boa Vista, do outro lado dos trilhos. Quando cheguei, vi os manifestantes, já em número bem reduzido, gritando, levantando cartazes e às vezes sentando-se no chão. Pou depois dos manifestantes cantarem o hino nacional diante do Choque, houve o primeiro estouro. Em um movimento espontâneo, todos viraram-se para correr em direção da Quinta, um parque onde as famílias curtiam o domingo de clima ameno que logo se tornou caótico. Havia muitos homens, bombas, helicópteros. Os policiais vestiam roupas que nunca tinha visto, pareciam ninjas, super-heróis ou qualquer coisa assim.
Corri para o parque na esperança que ali dentro, por estar misturado aos “cidadãos de bem”, como se diz por aí, não correria risco. Ledo engano. Em poucos instantes, vi três cápsulas de gás caírem a menos de um metro das minhas costas. A correria foi ainda maior. Já havia policiais dentro do parque e ouvi até mesmo de um deles que uma bomba quase o atingiu.
Alguns manifestantes tentaram se juntar a uma festinha de criança que acontecia ali para se proteger, mas os pais ensandecidos gritavam “Rala daqui! Sai fora!”. Encontrei uma família meio perdida por ali, e fiquei junto deles. João Vicente, o pai da família que me abrigou, estava revoltado. “Isso é um absurdo! Pra que isso! Por que a minha enteada é obrigada a ver isso? Isso é um excesso”, dizia, apontando para os fuzis dos policiais. Relativamente protegido, vi as bombas caírem no parque até que poucos manifestantes foram negociar a saída da Quinta da Boa Vista.
O jogo já acabara, não fazia nem ideia de quem tinha ganhado. A estudante Cecília Souza, de 23 anos, me mostrou o braço completamente inchado, e com uma marca nítida da bala de borracha. Disse que estava de costas quando levou o tiro. Passei por alguns policiais que ironizavam os manifestantes que iam embora. “Ué, já correram? Vão embora de metrô, não era por isso que vocês tavam reclamando”, disse um deles.
Segundo a PM, seis manifestantes foram detidos. A corporação também afirmou que encontrou seis artefatos explosivos pelos policiais sendo um deles um coquetel molotov e que um soldado do 4º Batalhão da PM ficou ferido.
As fotos dessa reportagem foram feitas por André Mantelli
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