Culto ao falecido presidente avança na Venezuela

por marcelo l. Seg Ago 26, 2013 11:08 am

Autor(es): Por Andres Schipani e Benedict Mander | Financial Times
Valor Econômico - 26/08/2013

As imagens que sustentaram a cruzada anticapitalista de Chávez servem agora para assegurar sua imortalidade

Os olhos de Hugo Chávez miram de cima, de alguns dos mais altos edifícios em Caracas, contribuindo para a sensação de que o "Comandante Supremo" ainda está cuidando de seu povo, quase seis meses depois de sua morte.

Com a ajuda dos cartazes e slogans onipresentes - "Chávez vive, a luta continua!" - o controle do mitológico ex-presidente sobre a política e a vida cotidiana venezuelanas parece tão forte quanto sempre.

A propaganda e as imagens que deram sustentação à cruzada anticapitalista do falecido paraquedista desde que subiu ao poder, em 1998, servem agora a um propósito diferente: assegurar sua imortalidade. "Chávez é uma fonte de legitimidade para [seu sucessor, Nicolás] Maduro. A revolução pode continuar com um Chávez morto, porque para as pessoas que ele ainda está muito presente", diz Maryclen Stelling, socióloga simpatizante da "revolução bolivariana".

Isso ficou evidente em recente comício no centro de Caracas, quando a voz de Chávez bradou de alto-falantes numa execução do hino nacional venezuelano. Uma entusiasmada multidão em camisas vermelhas respondeu entoando "Viva a Venezuela!". Mas, quando o novo presidente assumiu o microfone, o entusiasmo diminuiu notavelmente. Maduro construiu sua popularidade na esteira do legado de Chávez, com o qual o líder socialista exortou-o a prosseguir. Agora, porém, ele é, de muitas maneiras, refém dessa herança. Mesmo morto, pesquisas de popularidade não oficiais dão a Chávez uma vantagem de quase 15 pontos sobre Maduro.

Para Stelling, Maduro está diante de um "ente sagrado". O ex-motorista de ônibus e sindicalista precisa "deschavizar" o debate político para avançar com as reformas necessárias para sanear uma economia em dificuldades, diz ela.

Isso poderá ser complicado, não só por causa da oposição da ala radical do governo socialista. Maduro parece ser o principal devoto de Chávez. Ele fez sua campanha com base no que seu antecessor lhe falou na forma de um passarinho. Na semana passada, admitiu que dorme regularmente no mausoléu onde os restos do Comandante são mantidos - para se inspirar.

Ele não é o único a fazer essa peregrinação. Mariana Alcalá recentemente viajou da cidade ocidental de Barquisimeto até Caracas para depositar flores em um santuário criado por devotos nas imediações do quartel militar onde os restos do ex-presidente são mantidos em um sarcófago rodeado pela guarda presidencial.

"Nosso gigante nos deixou em pessoa, mas ele sempre estará conosco em espírito. Acho que a maioria [dos chavistas] acredita, tem fé, que de uma forma ou de outra ele está nos ajudando, não só socialmente, mas também espiritualmente", diz Ms Alcalá. "Nós pedimos ajuda a ele, e ele nos ajuda, ele nos ilumina".

A capela Santo Hugo Chávez, na favela 23 de Enero, em Caracas, é uma dos muitos que surgiram em todo o país desde que o líder socialista, que se descrevia como cristão, morreu em março. Nas áreas pobres, como em 23 de Enero, um dos redutos de maior popularidade de Chávez, onde foi venerado em vida, sua imagem pende junto à de Jesus, da Virgem Maria e do Papa Francisco. "Isso é resultado da empatia que ele desenvolveu com a maioria da desassistida, desprotegida e esquecida população venezuelana. Quando ele assumiu o poder, eles sentiram que havia chegado um tipo de pai, um salvador, um protetor, um Todo-Poderoso", diz Lizbety González, especialista venezuelano em cultos. "Sua morte gerou uma profunda dor e esse vazio foi preenchido por um culto, um culto que é evidente em toda a Venezuela, hoje."

Alguns até acreditam que o ex-presidente poderá ser mais poderoso morto do que vivo. "Chávez é um deus, um messias, um guerreiro da luz", diz Humberto López, que gosta de se vestir como o combatente guerrilheiro argentino cubano Ernesto Che Guevara.

Para muitos, permanece a questão sobre o que Chávez realmente foi em vida: apenas um líder carismático, um perigoso demagogo messiânico ou um herói venerado. Mas, para seus devotados seguidores, isso é irrelevante. A resposta é simples: "Chávez live", e por isso "a luta continua".

"Ele continua sendo uma força do bem, uma esperança para esse povo; Chávez segue realizando milagres", diz López, acendendo três velas que representam o vermelho, o amarelo e o azul da bandeira venezuelana em um altar improvisado que ele construiu em sua casa. "E o comandante está morto só há alguns meses."