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Gás Sarin: o pivô da campanha americana contra a Síria

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Mensagem por Parallax Seg Set 16, 2013 6:52 pm

Estados Unidos reeditam adágio romano sobre o que é justo na guerra

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Tiros e bombas já mataram mais de 100 mil pessoas na Síria desde 2011, ano em que iniciaram os protestos

Os juristas romanos não gostaram de saber que tribos germânicas recorriam à contaminação de poços para se defender das legiões latinas. Armis bella non venenis geri, diziam. A guerra se luta com armas, não com venenos. Tudo bem cravar lanças e crucificar o inimigo – envenenar, só se for o imperador, um desafeto político, um parente indesejado. Esse rodapé ético, é claro, não impediu Roma de, no século 2 a.C., envenenar poços para sufocar uma revolta na Ásia Menor, a norte de onde hoje fica a Síria. Cinco séculos depois, persas queimaram betume e cristais de enxofre para asfixiar soldados romanos dentro de uma mina na cidade de Dura, na Síria.

Desde março de 2011, a Síria dos nossos dias desdobra a pétala mais violenta da Primavera Árabe. O armamento “convencional” havia matado 100 mil pessoas até que o governo americano contabilizou 1.429 vidas perdidas para o gás sarin e disse armis bella non venenis geri. A CIA garante ter provas de que, no último 21 de agosto, o ditador Bashar al-Assad lançou o agente neurotóxico contra a população de Damasco. Obama chamou de "atentado à dignidade humana". Na reunião do G20, recreio das maiores economias do mundo no início do mês, o presidente americano vendeu o peixe de que vale bombardear um país por razões humanitárias.

Não chega a ser um capricho do Prêmio Nobel da Paz 2009. Conferências do fim do século 19 já buscavam proibir o uso militar de “venenos”, e a fumaça tóxica que embrumou a 1ª Guerra Mundial, embora responsável por menos de 1% das mortes nos campos de batalha, deu vulto político ao debate. Em 1925, a Síria assinava o Protocolo de Genebra, que veta o emprego de armas químicas em guerras. Abraçada por 189 países, a Convenção de Armas Químicas de 1993 criminalizou a produção e o estoque desse tipo de arsenal. Um dos sete estados que pularam fora, junto a Coreia do Norte e Israel, a Síria admite ter munição química, mas culpa os rebeldes pelo uso de neurotóxicos nos conflitos.

LINHA VERMELHA

Patrocinadora de uma solução diplomática, a Rússia chegou a um acordo com os Estados Unidos prevendo a eliminação do arsenal químico sírio, mas Obama reiterou a ameaça de despejar mísseis no país caso Assad se negue a "honrar o compromisso". O presidente russo, Vladimir Putin, pede provas de que o colega sírio asfixiou civis com sarin. Contatada pelo Planeta Ciência, a organização Médicos Sem Fronteiras confirmou que 3,6 mil pacientes foram atendidos em Damasco com sintomas consistentes com os efeitos do gás (veja infográfico). Ainda assim, outras substâncias causam reações similares, e o sarin é de difícil detecção – além de incolor, inodoro e insípido, trata-se do agente neurotóxico mais volátil, desaparecendo rapidamente após disperso.

Nesse cenário pleno de dúvidas, apenas a França se dispôs a embarcar numa intervenção militar americana, mas já voltou atrás e adotou a postura majoritária, à espera do relatório de inspetores da ONU. Traçar o uso de armas químicas como uma espécie de linha vermelha tem sido um dos poucos pontos comuns nos discursos dos governos, o que o professor Hugo Arend, do curso de Política Internacional da PUCRS, reputa a uma antiga bandeira da "guerra justa", lutada com "virtude e honra".

– Segundo esse discurso, a guerra pode ser feita, desde que regras sejam seguidas. O status quo tem necessidade de higienizar as guerras, de despi-las da crueldade e do sofrimento que causam. A história reserva apenas aos derrotados o epíteto de "criminosos de guerra" – diz Arend.

Em 1854, o químico Lyon Playfair sugeriu a seus compatriotas o uso de balas recheadas de cianeto de cacodilo durante a Guerra da Crimeia, mas a artilharia britânica disse armis bella non venenis geri. Uma má forma de guerrear, equivalente a envenenar poços do inimigo, foi a resposta dos militares. Playfair não entendeu: o que havia de tão melhor nas balas de metal fundido? Se a destruição da guerra é inevitável, por que não lançar mão de vapores venenosos capazes de diminuir o sofrimento das vítimas?

A resposta mais recorrente é a de que armas químicas não fazem discriminação entre militares e civis – 426 das vítimas fatais do gás sarin em Damasco seriam crianças. O professor do curso de Relações Internacionais da UFRGS Paulo Vizentini, entretanto, aponta que não só a fumaça tóxica escolhe os seus alvos às cegas.

– Os grandes bombardeios estratégicos, napalm e armas nucleares também não discriminam suas vítimas (e são muito mais eficazes, embora não proibidas), mas só as grandes potências possuem. Daí países como Síria, Iraque e Líbia terem mantido estoques – afirma.

O arsenal químico iraquiano foi alimentado pelos Estados Unidos, apoiador de Saddam Hussein contra o Irã pós-revolucionário da década de 1980. Entre mortos e feridos, cerca de 100 mil soldados iranianos foram vítimas de bombas de gás mostarda e tabun.

QUÍMICA ENTRE AMIGOS

Em 1988, Saddam despejou napalm na cidade de Haladja, no norte do Iraque, preparando terreno para uma chuva de agentes como o sarin e o VX. O governo americano acobertou o massacre de quase 7 mil curdos. Em menos de duas décadas, o exército de George W. Bush invadiria o Iraque em busca de armas de destruição em massa. Segundo o professor da PUCRS Hugo Arend, "todo mundo sabia" que as armas não estavam lá, mas as forças políticas e econômicas interessadas na invasão eram muito fortes, o que não é o caso atual na Síria.

– O argumento é o mesmo, mas a realidade é outra. A Síria está em guerra civil; o Ocidente não dialoga com nenhum dos lados; o governo sírio está disposto a usar todos os meios para reagir; há uma força aérea síria em atividade; ou seja: não há vitória fácil à vista, e os ganhos políticos serão praticamente nulos quando confrontados com os custos. Além disso, há uma oposição séria e decidida da Rússia, do Irã e da China à intervenção – aponta Arend.

Para Vizentini, a CIA, como parte interessada e sem verificação da ONU, merece hoje a mesma credibilidade que tinha no caso do Iraque: nenhuma. O professor considera pouco provável que Assad tenha usado armas químicas com negociadores internacionais hospedados no país, "e justamente num bairro da capital":

– Uma pequena mudança atmosférica poderia levar o gás ao bairro vizinho, apoiador do regime. Talvez num bastião isolado, essencialmente rebelde, num recanto distante do país, pudesse ocorrer. Mas na capital não faz sentido, e há indicativo dos inspetores de que os rebeldes já usaram tais armas. É claro que o regime usaria tudo ao seu alcance, se pudesse, mas sabe que sua situação internacional está por um fio – pondera Vizentini.

O presidente sírio também sabe calcular os custos para quem quiser se envolver em uma briga entre a família Assad, desde 1970 garantindo o poder aos alauitas, braço xiita do Islã; e grupos sunitas radicais, al-Qaeda inclusa.

– Assim como em todos os países que viveram a Primavera Árabe, os grupos que se revoltaram contra o governo são críticos dos EUA e do Ocidente. Os americanos e os europeus perderam legitimidade na região depois de décadas de políticas equivocadas e que sustentam regimes ditatoriais. Não nos esqueçamos que todos os terroristas do 11/9 eram de países aliados dos EUA – diz Hugo Arend.

Mais que dar fim às armas químicas, Visentini e Arend concordam que os EUA querem enfraquecer o triângulo Rússia-Síria-Irã. Bombardear Assad poderia desgastar a teocracia iraniana, mantenedora de um programa nuclear e difusora da ideia de que a existência de Israel é "um insulto para toda a humanidade". Entre 2008 e 2009, o exército israelense banhou áreas densamente povoadas da Faixa de Gaza com fósforo branco. ONGs estimam que centenas de crianças palestinas tenham sido queimadas vivas. Israel admitiu o uso do armamento, mas negou ter cometido crime de guerra.

Consultado em 2005 para comentar o emprego de fósforo branco pelo exército americano no Iraque, o porta-voz da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), Peter Kaiser, não disse exatamente armis bella non venenis geri. Se a intenção for iluminar ou gerar fumaça, ele disse, está liberado o uso militar do fósforo branco. E, como aparentemente as intenções são sempre as melhores, a OPAQ não considera o fósforo branco uma arma química.

Até a publicação deste caderno, a ONU já reconhecia crimes de guerra cometidos tanto pelo governo sírio quanto pelos rebeles, entre execuções e bombardeios a hospitais. As Nações Unidas, entretanto, ainda não ratificavam a suspeita de que Assad tem enfrentado a guerra civil com agentes neurotóxicos. Enquanto os porta-aviões americanos se alinham no Mar Vermelho, vale saber que a palavra tóxico vem do grego toxikón, flecha embebida em veneno com que o herói Héracles matou a Hidra. Héracles fez e aconteceu enquanto rondou a Terra como semideus. Numa dessas, atravessou no coração de um centauro uma flecha envenenada. O centauro, que tentava raptar a esposa de Héracles, deixou com a mulher a sua túnica manchada de sangue, jurando que seria útil quando o herói a abandonasse. Chegado o triste dia, Héracles vestiu a túnica, convencido de que se tratava de um presente, e teve o corpo encharcado pelo veneno. E então Héracles morreu.

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CUIDADO COM O QUE COME

Hoje considerado uma das mais terríveis armas químicas, o sarin foi criado em 1938 por cientistas alemães para funcionar como pesticida. No ano seguinte, foi descoberta a eficácia do DDT como inseticida, e somente na década de 1960 se atentaria para os efeitos nefastos do DDT para a biodiversidade e a saúde das aves. No Brasil, há agrotóxicos em uso que, como o sarin, apresentam neurotoxicidade. Entre eles estão o forato e a parationa metílica, cujo banimento a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) submeteu a consulta pública em 2012 (ambos são proibidos na Europa e restritos nos EUA, e a parationa também não pode ser usada em diversos países da Ásia). Outro agrotóxico que compromete o sistema nervoso é o acefato, banido em diversos países e em processo de reavaliação pela Anvisa.

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Mensagem por marcelo l. Seg Set 16, 2013 6:56 pm

O PDF da investigação da ONU -

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