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Sochi - o outro lado

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Mensagem por marcelo l. Dom Fev 16, 2014 12:36 pm

Balneário do Mar Negro, com 144 quilômetros de praia no sopé das montanhas do Cáucaso, refúgio estival das elites da antiga União Soviética, Sochi nunca foi de esqui, patins e trenós, mas de futebol, vôlei e natação, esportes da outra Olimpíada. Ok, a vila olímpica fica alguns quilômetros acima do nível do mar, nos píncaros da região, mas nem lá o inverno caprichou no gelo este ano. Desde o início da semana, os termômetros locais vêm marcando temperaturas incomodamente primaveris.

Ok, um calor inesperado também forçou a Áustria a recauchutar as pistas da Olimpíada de 1964 com neve estocada do inverno anterior, mas Insbruck sempre foi uma estação de esqui, ao passo que - bem, há quem diga que a escolha de Sochi foi a maior maluquice do Kremlin desde que Kruchev, impressionado com os milharais que vira em Iowa, cismou de cultivar milho nas tundras do Círculo Ártico.

Noves fora a temperatura amena, Sochi fica numa região conflagrada, a poucos quilômetros do contestado território georgiano da Abkházia e perigosamente perto das repúblicas russas da Chechênia, Daguestão e Ingushétia, focos de revoltas de radicais islâmicos. Está comemorando 150 anos, que é o tempo que igualmente nos separa do massacre e da expulsão dos circassianos muçulmanos pelo Exército imperial russo, barbárie que vários historiadores consideram o primeiro genocídio da era moderna. Dos primeiros habitantes de Sochi, pois viviam no Mar Negro desde o apogeu da Grécia Antiga, os circassianos que em 1864 lograram escapar à limpeza étnica do czar se refugiaram no Império Otomano e se espalharam pelo Oriente. Como eram analfabetos, o único testemunho por escrito de seu holocausto é uma carta anônima, com um inútil pedido de socorro à rainha Vitória.

Embora ainda sobrevivam 5 milhões de circassianos, a maioria letrada e aglutinada pela internet, esse episódio foi meticulosamente abafado para que o passado lúgubre da cidade não afetasse o glamour da Olimpíada.

Sochi, como tudo na Rússia há 14 anos, foi uma escolha imperial de Putin. O Cáucaso foi seu berço político. Sua Olimpíada é, antes de mais nada, um projeto autopromocional, de enorme valor simbólico. Naquela lonjura ele derrotou os rebeldes chechenos; faltava cimentar a vitória com um evento retumbante, que chamasse a atenção do mundo inteiro e sacudisse o orgulho nacional. Não por acaso, os jogos chegarão ao fim numa data histórica: faz 70 anos no próximo dia 23 que Stalin deportou toda a população chechena para os cafundós do Extremo Oriente e Sibéria, diáspora que resultou na morte de centenas de milhares de pessoas.

A inadequação geográfica é o de menos. Os Jogos de Sochi prometem ser o mais extravagante sorvedouro de investimentos da história das Olimpíadas, de inverno ou verão. Eventos esportivos sempre estouram o orçamento previsto, mas não na proporção da Olimpíada de Sochi. Ao anunciá-la, em 2007, Putin cravou seu custo em US$ 12 bilhões. Os gastos já ultrapassaram a barreira dos US$50 bilhões, mais do que custaram todas as 21 Olimpíadas de Inverno anteriores somadas. Os Jogos de 2010, em Vancouver, saíram por US$ 7 bilhões, que ainda é menos do que se gastou só com os 42 quilômetros de ferrovia ligando Adler, na costa do Mar Negro, à vila olímpica. Com 55 pontes e 22 túneis, é a obra mais dispendiosa da história da Rússia.

As demais (duas usinas de energia, quatro de purificação de água, 420 quilômetros de estradas de rodagem, hotéis, etc.) também podem tornar-se úteis à região e ao seu fortalecimento como polo turístico, mas não precisavam ter enchido tanto a burra das empreiteiras amigas, escolhidas a dedo e na marra pelo autocrático Putin.

Só as empresas dos irmãos Arkady e Boris Rotenberg, companheiros de juventude e judô do presidente, abocanharam 15% do orçamento. Outro velho cupincha, Gennadi Timchenko, pegou a boca-rica ferroviária, "a cada curva, um caso de corrupção", debocham os vigilantes da cornucópia putinista, há nove anos patrulhando as licenças e concessões feitas por Vladimir Yakunin, mandachuva das Ferrovias da Rússia, a estatal que mais emprega no país.

Entrevistado pela rádio suíça SFR, Gian-Franco Kasper, do Comitê Olímpico Internacional, revelou que um terço dos gastos da olimpíada foi devorado pelo pagamento de propinas e outros cala-bocas, expediente consuetudinário das empreiteiras no mundo inteiro. A indústria da construção civil é a mais corrupta do planeta, e a da Rússia excede. Recente relatório da firma de contabilidade Grant Thornton estimou que o "custo da fraude" no setor, em escala mundial, atingirá a cifra de US$1.5 trilhões nos próximos 10 anos.

A ilusão de que a grandeza de um país se mede por sua habilidade para construir obras aparentemente impossíveis, quase sempre monumentais, não lembra apenas o Egito dos faraós, a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini e o Brasil da ditadura militar, mas também a Rússia soviética. Gorbachev tentou dar um basta a tais delírios; Putin, et pour cause, os ressuscitou, desafiando até a natureza. Também do ponto de vista ecológico, Sochi é uma calamidade, acusam os ambientalistas. A primeira desforra da natureza foi suspender a neve. As outras teremos de aguardar.

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Mensagem por n-rod Dom Fev 16, 2014 10:12 pm

quem acha que a escolha de uma sede para olimpíada, copa do mundo ou qualquer outro evento semelhante não tem muito dinheiro ou politicagem no meio, está sendo muito ingênuo.
jogos, vitórias, conquistas, recordes e espírito esportivo são apenas um espetáculo de fachada pra gente muito poderosa e influente ficar brincando de "donos do mundo".
alguém aqui acredita mesmo que levamos atletas sem o menor preparo e condições de competir em alto nível (correndo risco de uma grave lesão ou até morte) para as olimpíadas de inverno para competir e demonstrar espírito desportista, quando muito dinheiro, nosso por sinal, é usado pra dirigentes terem um motivo para fazer "uma presença" junto com os demais "donos do mundo"?
sem falar da água amarela que sai das torneiras,dos banheiros sem divisória...
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