Brasil é 4º país no mundo com maior número de meninas casadas até 15 anos
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Brasil é 4º país no mundo com maior número de meninas casadas até 15 anos
Ingrid Soares (Especial para o Correio) - Marília Lima - Murilo Fagundes
postado em 17/02/2019 08:00 / atualizado em 16/02/2019 22:57
Brechas na lei estimulam o casamento infantil no Brasil. Em ritmo lento, país corre o risco de não atingir meta contra esse tipo de matrimônio até 2030. Estudo aponta que o país ocupa o quarto lugar no mundo em número de mulheres casadas até 15 anos
Com 11 anos, Maria Júlia (nome fictício) começou a namorar Tiago (nome fictício), de 23. A menina é pernambucana de Cedro e se mudou com a mãe para Palmital (MG) em 2012. Foi quando conheceu o primeiro namorado e atual marido. A filha veio dois anos depois. Os dois moram em uma casa cedida pelo proprietário de uma fazenda de café, distante cerca de uma hora e meia de carro do centro de Brasília. Na chegada da reportagem, ela aguardava com a filha de 1 ano no colo. Maria Júlia, hoje com 15 anos, tem maturidade e responsabilidade incomuns para a idade, mas responde às perguntas da reportagem entre sorrisos encabulados.
Ela conta que teve a filha de parto normal. O corpo de Maria Júlia possui marcas de estrias que mostram a necessidade do desenvolvimento rápido e forçado para receber o bebê. Ela parou de estudar na 7ª série e faz planos de voltar “assim que a bebezinha estiver maior”. O marido, hoje com 26, é tratorista e, às vezes, trabalha na colheita de café. A família vive da renda de R$ 2 mil. A repórter pergunta como ela aprendeu os cuidados com a casa e com o bebê. Ela responde que era acostumada, pois ajudava a mãe desde cedo a tomar conta do irmão. Geralmente, Maria Júlia levanta às 9h da manhã, lava as vasilhas, varre a casa, faz almoço e se dedica ao bebê. Quando tem que lavar roupa, o dia começa às 7h. É dependente do marido para tudo, mas diz que ele é “bom para ela” e sempre compra o que ela pede.
A história de Maria Júlia não é incomum no país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os casamentos heterossexuais de meninas menores de 19 anos de idade correspondiam a 10,8% da totalidade ocorrida no Brasil em 2015. A região Sudeste abriga a maioria dos casos: 49.513, ou seja, 40,3%. Em seguida, vem o Nordeste (33.868), com pouco mais de um quarto (27,5%); o Sul (16.815), com 13,7%; o Centro-Oeste (11.996), com 9,8%; e o Norte (10.613), com 8,6%.
Há outros dados que comprovam o tamanho do problema. O Instituto ProMundo, por exemplo, aponta que o Brasil é o quarto país em números absolutos de meninas casadas com idade inferior a 18: cerca de 3 milhões de mulheres com idades entre 20 e 24 anos se casaram antes de 18 anos (36% do total de casadas nessa mesma faixa etária). O Maranhão é um dos estados brasileiros, ao lado do Pará, com o maior número desse tipo de união. Em 2018, no Distrito Federal, segundo a Secretaria de Saúde, das 35.647 crianças nascidas de janeiro a novembro, 4,2 mil (11,78%) são filhos de mães de 10 a 19 anos. No Brasil, o levantamento mais recente do Ministério da Saúde, de 2017, aponta que a taxa de mães até 19 anos corresponde a 231.883 dos nascidos vivos. Nesses casos, não necessariamente há a união, mas demonstra a precocidade no início das relações sexuais.
Para Raquel Manzini, especialista em psicologia escolar e do desenvolvimento, é improvável que a criança tenha consciência das conseqüências do casamento precoce a curto e a longo prazo e, por isso, é necessário viabilizar o acesso à informação. “Se o jovem ou a jovem está pensando em casar, acredito que outras oportunidades estão sendo privadas: esportes, estudo, lazer, oportunidades de sonhar um futuro”, explica. Segundo Manzini, muitos brasileiros enxergam essas uniões precoces como uma condição normal. “Provavelmente, meninas vêm de uma história de vida que vai se repetir. Mães e avós se casaram muito cedo e o homem é colocado no centro do universo. Muitas vezes, elas vão crescer com essa expectativa de encontrar alguém maravilhoso, que vai prover tudo para ela.”
Brechas na lei
Em sua maioria, as uniões ocorrem de forma consensual, mas, muitas vezes, as crianças e as adolescentes não têm opção e vêem nessa escolha uma esperança de fuga da pobreza e de ambientes opressores. Também chama a atenção a falta de pesquisas e leis sobre o assunto, que garantam a proteção das garotas menores de idade. Uma pesquisa do Banco Mundial aponta que o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em números absolutos de mulheres casadas até a idade de 15 anos — com 877 mil mulheres entre 20 e 24 anos que se casaram até os 15.
As brechas na lei que permitem o casamento de menores continuam a estimular o casamento infantil por todo o país. Para a advogada e especialista em gênero do Banco Mundial, Paula Tavares, o Brasil apresenta uma tendência de redução de número de casamentos antes dos 18. No entanto, em relação à meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que prevê a erradicação dos casamentos infantis até 2030, os passos ainda são tímidos. Caso continue assim, o objetivo não será alcançado.
“São brechas existentes na legislação que possibilitam e até incentivam o casamento infantil”, afirma. “No quesito da educação, temos a evasão escolar no ensino médio. Quatro em 10 meninas não o concluem por conta do casamento ou gravidez prematuros. O resultado disso é a limitação. Tem a perda econômica. Se não estuda, terá menores rendas ao longo da vida e produzirá menos para a família, a comunidade e a sociedade como um todo”, afirma Paula Tavares, lembrando que as taxas de mortalidade em casamento e gravidez prematuros são altas. Tem o risco de violência doméstica. Elas não têm preparo, autonomia para lidar com isso”, aponta a especialista, em estudo feito em dezembro.
Para mudar essa realidade, Paula ressalta que é necessário ter um maior engajamento em políticas públicas. “É necessário investir em programas que garantam a permanência delas na escola, qualidade de ensino, trabalho, mostrar perspectivas, programas de capacitação profissional. Trazer alternativas e mostrar que o casamento prematuro não é a única opção.”
Projeto no Congresso
Um projeto de lei da deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), que corre no Congresso, prevê que essas uniões sejam realizadas somente após os 18 anos, quando o desenvolvimento afetivo, psicológico e social está mais maduro. Aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o texto teve pedido de urgência e está pronto para a análise do plenário do Senado. A análise deve ser feita ainda este ano. “Vamos torcer para a nova legislatura aprovar. Essa visão de que uma criança pode estar casada era da época dos meus bisavós. O maior desafio é fazer com que a população se conscientize que criança tem que estudar e não se casar”, observa a deputada.
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Para fugir da violência
A oficial de programa de adolescentes do Unicef Brasil, Gabriela Goulart Mora, ressalta que, no país, o casamento infantil é menos formal e ritualizado do que em outras regiões. Em um contexto de desemprego e oportunidades limitadas, a maioria ocorre como um reflexo da desigualdade de gênero, ou como possibilidade de libertação de um ambiente familiar de violência ou abuso infantil. “As meninas enxergam na união uma possibilidade de uma vida melhor. Esses casamentos também estão diretamente ligados à gravidez na adolescência. O casamento é pensado como uma maneira de proteger uma garota e a reputação de sua família, limitando o ‘comportamento sexual’ de risco das filhas”, diz.
Mora aponta que uma das formas de enfrentamento do casamento infantil é a mudança das normas sociais. “Precisamos desconstruir a crença de que isso é natural. A mais difícil é a mudança de crença e valores. O casamento acaba sendo visto como autorização sexual, sendo que todas têm direito a isso e deveriam contar com o apoio da sociedade para viver isso de forma segura, com informações. Outro aspecto é trabalho de empoderamento. A escola tem papel preponderante para meninas ocuparem lideranças, espaços que normalmente são vinculados aos homens”, finaliza.
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O momento em que a infância é interrompida
“Eu gosto muito de correr no meio da rua, de brincar com os meninos de bola, de queimada. Hoje, vejo minhas sobrinhas e as crianças vizinhas correndo na rua, eu peço para brincar, mas elas não deixam, por causa da minha gravidez. Dizem que é perigoso acertar a bola, mas tenho muita vontade de brincar”. Enquanto as crianças do bairro Horta Comunitária, localizado em uma comunidade carente de Planaltina, curtem a infância, é com saudosismo que Elen Aparecida Alves conta sobre como a vida mudou agora que será mãe aos 17 anos.
Ela engravidou aos 16 e mora com o companheiro de 24 anos, que trabalha em uma distribuidora de bebidas. A rotina começa cedo. Ainda com o sol nascendo, o marido sai de casa para trabalhar. Elen varre a casa, faz comida, lava a roupa e prepara o enxoval do bebê. Na maioria das vezes, se sente sozinha e liga para a mãe, pedindo para passarem o tempo juntas. “Sinto saudades dela, porque fico muito sozinha. Quando saio, geralmente, aviso para o meu marido onde vou. Ele é tranquilo. Mas não gosta que eu volte muito tarde”, diz a jovem.
No fim de uma viela, fica a casa da mãe de Elen. Rita Alves, 39 anos, também teve a primeira filha aos 17 anos. Ao todo, são quatro meninas. Rita não queria que Elen tivesse o mesmo destino. “Meu desejo era que ela concluísse os estudos, que fizesse uma faculdade. Quando o meu genro veio me contar, quase bati nos dois. A vida dela era vir para casa e ir para a escola”, lembra. Com enjôos e recorrentes desmaios, Elen teve um ano escolar conturbado. Precisará repetir o 8º ano. Mesmo assim, sonha em fazer faculdade. Talvez engenharia ou medicina veterinária. Sobre a relação com o marido, a estudante analisa que a pouca idade pode ser um fator que atrapalhe a harmonia dos dois. “Não me acho madura. Ainda tenho algumas coisas de criança. Às vezes, quero sair, falo coisas que meu marido não gosta”, diz.
Poucas ruas acima da casa de Rita, outra história, semelhante a de Elen, mostra que o casamento infantil ainda acontece perto do centro do poder. Ana Paula Coelho Portela, 20 anos, engravidou aos 16. Foi quando passou a morar na casa da família do marido, localizada em uma chácara na Vila Buritis, também em Planaltina. Eles têm uma pequena criação de galinhas. As crianças — Brian, 3 anos, e Bárbara, 1 ano —, com olhares desconfiados e tímidos, não costumam largar a barra do vestido da mãe. “Assim que eu engravidei, minha mãe morreu; então, eu ficava muito sozinha. Logo, eu me juntei ao meu marido e à família dele aqui na chácara, porque tinha mais gente. Assim, eu não me sentia sozinha. Estou com ele desde os meus 14 anos. Com 16 anos, engravidei. Moramos juntos desde então”, conta.
Ana Paula, assim como Elen, relata que parou de estudar ainda no sétimo ano, ao ter o primeiro filho. “Eu me arrependo, de certa forma. Pretendo voltar a estudar agora, no próximo ano, mas tenho que ficar com eles (os filhos), não tem quem fique”, explica. O marido, de 21 anos, também largou os estudos. Para Ana, casar ainda jovem foi difícil. “Complicado, principalmente porque não sabia como era a rotina de um casal. Quando engravidei, fui traída e fiquei desesperada. Essa foi a fase mais difícil da minha vida. Vivemos separando e voltando, mas a gente se gosta... Filho não prende ninguém”.
Mais que a lei
Para a delegada titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, Ana Cristina Santiago, a mudança na lei é importante, mas sozinha não apresentará resultados. Ela ressalta ainda que manter relação sexual com menor de 14 anos é caracterizado estupro de vulnerável. “Essa desculpa de que não parece, isso não existe. É comum identificar que a menina tinha menos de 14 e vive relação de cônjuge. Abrimos inquérito, é indiciado. Essa questão é cultural da nossa sociedade: existe estímulo para que essa menina saia de casa e constitua família. É um peso que sai da família no que tange a compra de alimento, sustento. Isso é estimulado. Achar que a legislação por si só vai dar conta disso... São necessárias políticas públicas que olhem para essas meninas com mais cuidado, que ofereça suporte educacional para que elas possam crescer de modo adequado, para entender sobre métodos contraceptivos”.
Para ela, a criação da lei é importante, mas é preciso pensar num caráter sociocultural. A Lei Maria da Penha, explica a delegada, protege todas as mulheres, e isso pode ser aplicado para meninas também. Muitas não têm essa dimensão da lei. “Tem vácuo nessas adolescentes de proteção e esclarecimento. As pessoas têm que entender que a Lei Maria da Penha se aplica a toda e qualquer vítima do sexo feminino, independentemente da idade”. As meninas precisam de mais esclarecimento, pelas questões de saúde, de métodos contraceptivos. Tem que se entender o que é, quais as conseqüências de iniciar precocemente a vida sexual e tenha formas de evitar essa gravidez, conclui.
"São necessárias políticas públicas que olhem para essas meninas com mais cuidado, que ofereça suporte educacional para que elas possam crescer de modo adequado, para entender sobre métodos contraceptivos”
Ana Cristina Santiago, delegada titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente
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postado em 17/02/2019 08:00 / atualizado em 16/02/2019 22:57
Brechas na lei estimulam o casamento infantil no Brasil. Em ritmo lento, país corre o risco de não atingir meta contra esse tipo de matrimônio até 2030. Estudo aponta que o país ocupa o quarto lugar no mundo em número de mulheres casadas até 15 anos
Com 11 anos, Maria Júlia (nome fictício) começou a namorar Tiago (nome fictício), de 23. A menina é pernambucana de Cedro e se mudou com a mãe para Palmital (MG) em 2012. Foi quando conheceu o primeiro namorado e atual marido. A filha veio dois anos depois. Os dois moram em uma casa cedida pelo proprietário de uma fazenda de café, distante cerca de uma hora e meia de carro do centro de Brasília. Na chegada da reportagem, ela aguardava com a filha de 1 ano no colo. Maria Júlia, hoje com 15 anos, tem maturidade e responsabilidade incomuns para a idade, mas responde às perguntas da reportagem entre sorrisos encabulados.
Ela conta que teve a filha de parto normal. O corpo de Maria Júlia possui marcas de estrias que mostram a necessidade do desenvolvimento rápido e forçado para receber o bebê. Ela parou de estudar na 7ª série e faz planos de voltar “assim que a bebezinha estiver maior”. O marido, hoje com 26, é tratorista e, às vezes, trabalha na colheita de café. A família vive da renda de R$ 2 mil. A repórter pergunta como ela aprendeu os cuidados com a casa e com o bebê. Ela responde que era acostumada, pois ajudava a mãe desde cedo a tomar conta do irmão. Geralmente, Maria Júlia levanta às 9h da manhã, lava as vasilhas, varre a casa, faz almoço e se dedica ao bebê. Quando tem que lavar roupa, o dia começa às 7h. É dependente do marido para tudo, mas diz que ele é “bom para ela” e sempre compra o que ela pede.
A história de Maria Júlia não é incomum no país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os casamentos heterossexuais de meninas menores de 19 anos de idade correspondiam a 10,8% da totalidade ocorrida no Brasil em 2015. A região Sudeste abriga a maioria dos casos: 49.513, ou seja, 40,3%. Em seguida, vem o Nordeste (33.868), com pouco mais de um quarto (27,5%); o Sul (16.815), com 13,7%; o Centro-Oeste (11.996), com 9,8%; e o Norte (10.613), com 8,6%.
Há outros dados que comprovam o tamanho do problema. O Instituto ProMundo, por exemplo, aponta que o Brasil é o quarto país em números absolutos de meninas casadas com idade inferior a 18: cerca de 3 milhões de mulheres com idades entre 20 e 24 anos se casaram antes de 18 anos (36% do total de casadas nessa mesma faixa etária). O Maranhão é um dos estados brasileiros, ao lado do Pará, com o maior número desse tipo de união. Em 2018, no Distrito Federal, segundo a Secretaria de Saúde, das 35.647 crianças nascidas de janeiro a novembro, 4,2 mil (11,78%) são filhos de mães de 10 a 19 anos. No Brasil, o levantamento mais recente do Ministério da Saúde, de 2017, aponta que a taxa de mães até 19 anos corresponde a 231.883 dos nascidos vivos. Nesses casos, não necessariamente há a união, mas demonstra a precocidade no início das relações sexuais.
Para Raquel Manzini, especialista em psicologia escolar e do desenvolvimento, é improvável que a criança tenha consciência das conseqüências do casamento precoce a curto e a longo prazo e, por isso, é necessário viabilizar o acesso à informação. “Se o jovem ou a jovem está pensando em casar, acredito que outras oportunidades estão sendo privadas: esportes, estudo, lazer, oportunidades de sonhar um futuro”, explica. Segundo Manzini, muitos brasileiros enxergam essas uniões precoces como uma condição normal. “Provavelmente, meninas vêm de uma história de vida que vai se repetir. Mães e avós se casaram muito cedo e o homem é colocado no centro do universo. Muitas vezes, elas vão crescer com essa expectativa de encontrar alguém maravilhoso, que vai prover tudo para ela.”
Brechas na lei
Em sua maioria, as uniões ocorrem de forma consensual, mas, muitas vezes, as crianças e as adolescentes não têm opção e vêem nessa escolha uma esperança de fuga da pobreza e de ambientes opressores. Também chama a atenção a falta de pesquisas e leis sobre o assunto, que garantam a proteção das garotas menores de idade. Uma pesquisa do Banco Mundial aponta que o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em números absolutos de mulheres casadas até a idade de 15 anos — com 877 mil mulheres entre 20 e 24 anos que se casaram até os 15.
As brechas na lei que permitem o casamento de menores continuam a estimular o casamento infantil por todo o país. Para a advogada e especialista em gênero do Banco Mundial, Paula Tavares, o Brasil apresenta uma tendência de redução de número de casamentos antes dos 18. No entanto, em relação à meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que prevê a erradicação dos casamentos infantis até 2030, os passos ainda são tímidos. Caso continue assim, o objetivo não será alcançado.
“São brechas existentes na legislação que possibilitam e até incentivam o casamento infantil”, afirma. “No quesito da educação, temos a evasão escolar no ensino médio. Quatro em 10 meninas não o concluem por conta do casamento ou gravidez prematuros. O resultado disso é a limitação. Tem a perda econômica. Se não estuda, terá menores rendas ao longo da vida e produzirá menos para a família, a comunidade e a sociedade como um todo”, afirma Paula Tavares, lembrando que as taxas de mortalidade em casamento e gravidez prematuros são altas. Tem o risco de violência doméstica. Elas não têm preparo, autonomia para lidar com isso”, aponta a especialista, em estudo feito em dezembro.
Para mudar essa realidade, Paula ressalta que é necessário ter um maior engajamento em políticas públicas. “É necessário investir em programas que garantam a permanência delas na escola, qualidade de ensino, trabalho, mostrar perspectivas, programas de capacitação profissional. Trazer alternativas e mostrar que o casamento prematuro não é a única opção.”
Projeto no Congresso
Um projeto de lei da deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), que corre no Congresso, prevê que essas uniões sejam realizadas somente após os 18 anos, quando o desenvolvimento afetivo, psicológico e social está mais maduro. Aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o texto teve pedido de urgência e está pronto para a análise do plenário do Senado. A análise deve ser feita ainda este ano. “Vamos torcer para a nova legislatura aprovar. Essa visão de que uma criança pode estar casada era da época dos meus bisavós. O maior desafio é fazer com que a população se conscientize que criança tem que estudar e não se casar”, observa a deputada.
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Para fugir da violência
A oficial de programa de adolescentes do Unicef Brasil, Gabriela Goulart Mora, ressalta que, no país, o casamento infantil é menos formal e ritualizado do que em outras regiões. Em um contexto de desemprego e oportunidades limitadas, a maioria ocorre como um reflexo da desigualdade de gênero, ou como possibilidade de libertação de um ambiente familiar de violência ou abuso infantil. “As meninas enxergam na união uma possibilidade de uma vida melhor. Esses casamentos também estão diretamente ligados à gravidez na adolescência. O casamento é pensado como uma maneira de proteger uma garota e a reputação de sua família, limitando o ‘comportamento sexual’ de risco das filhas”, diz.
Mora aponta que uma das formas de enfrentamento do casamento infantil é a mudança das normas sociais. “Precisamos desconstruir a crença de que isso é natural. A mais difícil é a mudança de crença e valores. O casamento acaba sendo visto como autorização sexual, sendo que todas têm direito a isso e deveriam contar com o apoio da sociedade para viver isso de forma segura, com informações. Outro aspecto é trabalho de empoderamento. A escola tem papel preponderante para meninas ocuparem lideranças, espaços que normalmente são vinculados aos homens”, finaliza.
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O momento em que a infância é interrompida
“Eu gosto muito de correr no meio da rua, de brincar com os meninos de bola, de queimada. Hoje, vejo minhas sobrinhas e as crianças vizinhas correndo na rua, eu peço para brincar, mas elas não deixam, por causa da minha gravidez. Dizem que é perigoso acertar a bola, mas tenho muita vontade de brincar”. Enquanto as crianças do bairro Horta Comunitária, localizado em uma comunidade carente de Planaltina, curtem a infância, é com saudosismo que Elen Aparecida Alves conta sobre como a vida mudou agora que será mãe aos 17 anos.
Ela engravidou aos 16 e mora com o companheiro de 24 anos, que trabalha em uma distribuidora de bebidas. A rotina começa cedo. Ainda com o sol nascendo, o marido sai de casa para trabalhar. Elen varre a casa, faz comida, lava a roupa e prepara o enxoval do bebê. Na maioria das vezes, se sente sozinha e liga para a mãe, pedindo para passarem o tempo juntas. “Sinto saudades dela, porque fico muito sozinha. Quando saio, geralmente, aviso para o meu marido onde vou. Ele é tranquilo. Mas não gosta que eu volte muito tarde”, diz a jovem.
No fim de uma viela, fica a casa da mãe de Elen. Rita Alves, 39 anos, também teve a primeira filha aos 17 anos. Ao todo, são quatro meninas. Rita não queria que Elen tivesse o mesmo destino. “Meu desejo era que ela concluísse os estudos, que fizesse uma faculdade. Quando o meu genro veio me contar, quase bati nos dois. A vida dela era vir para casa e ir para a escola”, lembra. Com enjôos e recorrentes desmaios, Elen teve um ano escolar conturbado. Precisará repetir o 8º ano. Mesmo assim, sonha em fazer faculdade. Talvez engenharia ou medicina veterinária. Sobre a relação com o marido, a estudante analisa que a pouca idade pode ser um fator que atrapalhe a harmonia dos dois. “Não me acho madura. Ainda tenho algumas coisas de criança. Às vezes, quero sair, falo coisas que meu marido não gosta”, diz.
Poucas ruas acima da casa de Rita, outra história, semelhante a de Elen, mostra que o casamento infantil ainda acontece perto do centro do poder. Ana Paula Coelho Portela, 20 anos, engravidou aos 16. Foi quando passou a morar na casa da família do marido, localizada em uma chácara na Vila Buritis, também em Planaltina. Eles têm uma pequena criação de galinhas. As crianças — Brian, 3 anos, e Bárbara, 1 ano —, com olhares desconfiados e tímidos, não costumam largar a barra do vestido da mãe. “Assim que eu engravidei, minha mãe morreu; então, eu ficava muito sozinha. Logo, eu me juntei ao meu marido e à família dele aqui na chácara, porque tinha mais gente. Assim, eu não me sentia sozinha. Estou com ele desde os meus 14 anos. Com 16 anos, engravidei. Moramos juntos desde então”, conta.
Ana Paula, assim como Elen, relata que parou de estudar ainda no sétimo ano, ao ter o primeiro filho. “Eu me arrependo, de certa forma. Pretendo voltar a estudar agora, no próximo ano, mas tenho que ficar com eles (os filhos), não tem quem fique”, explica. O marido, de 21 anos, também largou os estudos. Para Ana, casar ainda jovem foi difícil. “Complicado, principalmente porque não sabia como era a rotina de um casal. Quando engravidei, fui traída e fiquei desesperada. Essa foi a fase mais difícil da minha vida. Vivemos separando e voltando, mas a gente se gosta... Filho não prende ninguém”.
Mais que a lei
Para a delegada titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, Ana Cristina Santiago, a mudança na lei é importante, mas sozinha não apresentará resultados. Ela ressalta ainda que manter relação sexual com menor de 14 anos é caracterizado estupro de vulnerável. “Essa desculpa de que não parece, isso não existe. É comum identificar que a menina tinha menos de 14 e vive relação de cônjuge. Abrimos inquérito, é indiciado. Essa questão é cultural da nossa sociedade: existe estímulo para que essa menina saia de casa e constitua família. É um peso que sai da família no que tange a compra de alimento, sustento. Isso é estimulado. Achar que a legislação por si só vai dar conta disso... São necessárias políticas públicas que olhem para essas meninas com mais cuidado, que ofereça suporte educacional para que elas possam crescer de modo adequado, para entender sobre métodos contraceptivos”.
Para ela, a criação da lei é importante, mas é preciso pensar num caráter sociocultural. A Lei Maria da Penha, explica a delegada, protege todas as mulheres, e isso pode ser aplicado para meninas também. Muitas não têm essa dimensão da lei. “Tem vácuo nessas adolescentes de proteção e esclarecimento. As pessoas têm que entender que a Lei Maria da Penha se aplica a toda e qualquer vítima do sexo feminino, independentemente da idade”. As meninas precisam de mais esclarecimento, pelas questões de saúde, de métodos contraceptivos. Tem que se entender o que é, quais as conseqüências de iniciar precocemente a vida sexual e tenha formas de evitar essa gravidez, conclui.
"São necessárias políticas públicas que olhem para essas meninas com mais cuidado, que ofereça suporte educacional para que elas possam crescer de modo adequado, para entender sobre métodos contraceptivos”
Ana Cristina Santiago, delegada titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente
Três perguntas para Viviana Santiago, gerente de Gênero e Incidência Política da ONG Plan International
* Qual a situação do Brasil frente ao casamento infantil?
Preocupante. Temos um avanço lento em enfrentamento. Quando olhamos para as meninas, o país as coloca em lugar de pequenas mulheres, nos mesmos repertórios de mulheres adultas. A causa é a maneira como se constrói os papéis de gênero, colocando para meninas o casamento como destino. Temos meninas que querem se casar, porque estão em lares de violência doméstica ou sexual. É uma fuga.
* Qual o perfil dos homens que se casam com essas meninas?
Os homens são, geralmente, nove anos mais velhos. Preferem as meninas, porque acham que vai ser mais fácil mandar, exercer autoridade. Temos o caso de uma menina de 15 anos casada com um homem de 30 no Maranhão. A gravidez não foi projeto dela, seria uma maneira de colocá-la ocupada. São controladores, não permitem amizades ou vínculo com a família.
* Quais as medidas para acabar com o casamento infantil no Brasil?
Uma alternativa é a de proteção das meninas que já estão casadas, com programas assistenciais que condicionam a transferência de renda à continuidade na escola, para que elas sejam menos dependentes e enxerguem oportunidades. Tem que investir em políticas públicas, e a sociedade precisa entender isso como um problema. Precisa falar com os homens que acham que as meninas de 12 estão prontas para casar.
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Re: Brasil é 4º país no mundo com maior número de meninas casadas até 15 anos
Senado aprova lei que proíbe casamento de menor de 16 anos em qualquer caso
Hanrrikson de Andrade
Do UOL, em Brasília
19/02/2019 17h22
O Senado aprovou hoje projeto de lei da Câmara dos Deputados que elimina as exceções legais que permitiam o casamento de pessoas menores de 16 anos. A medida foi discutida em turno único na Casa e não houve contestação quanto à sugestão de alteração do Código Civil.
A proposição, apresentada em 2017 na Câmara pela então deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), foi encaminhada para sanção ou veto do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). O prazo é de 15 dias.
Se a lei for sancionada, o Código Civil passará a vigorar com a seguinte redação: "Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil" (idade considerada apta para o casamento).
De acordo com a legislação atual, o casamento é permitido após a maioridade civil (18 anos) ou após os 16 anos, com a autorização dos pais.
Para menores de 16 anos, o casamento só é admitido em caso de gravidez ou para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal, já que ter relações sexuais com menores de 14 anos é crime com pena que vai de 8 a 15 anos de reclusão.
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Re: Brasil é 4º país no mundo com maior número de meninas casadas até 15 anos
E não tem exceção para famosos?
Caetano Veloso não curtiu essa notícia...
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