Nilcilene, com escolta e colete à prova de balas: “eles vão me matar”
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Nilcilene, com escolta e colete à prova de balas: “eles vão me matar”
Liderança na Amazônia ganha proteção da Força Nacional, mas vive acuada por ameaças. À sua volta, madeireiros e grileiros seguem livres.
- Nesse rio aqui também apareceu um morto, levou 13 dias para virem retirar o corpo. A gente espantava os urubus com uma palha.
Com colete à prova de balas, chacoalhando no banco de trás da viatura da Força Nacional de Segurança, essa é a quarta vez que a produtora e líder rural Nilcilene Miguel de Lima aponta lugares onde encontrou corpos furados a bala nas estradas do sul de Lábrea, município do Amazonas. “Já teve vez que não apareceu ninguém para buscar. O povo enterrou por aí mesmo”.
É fim de tarde. A viatura tem que chegar na casa de Nilcilene antes do escurecer, onde dois policias passam a noite em vigília. Alguns quilômetros antes do destino, ela se agita ao ver uma picape azul no sentido oposto da estrada:
- É ele! É o carro do Pitbull.
‘Pitbull’ é o apelido de Vincente Horn, um dos motivos para a proteção que recebe de nove homens da Força Nacional. Ele é um dos autores da longa lista de ameaças contra a vida de Nilcilene, que já perdeu a conta de quantas vezes foi jurada de morte pelos cães de guarda de grileiros e madeireiros.
As ameaças começaram em 2009, quando ela assumiu a presidência da associação Deus Proverá, criada pelos pequenos produtores do assentamento para defender o grupo contra as invasões de terra e roubo de árvores. No ano seguinte, depois de fazer denúncias e abaixo-assinados contra os criminosos, Nilcilene foi espancada e teve sua casa queimada em um incêndio anunciado. Em maio de 2011, foi obrigada a fugir enrolada em um lençol para despistar o pistoleiro que estava de campana no seu portão. A equipe da Força Nacional foi deslocada em outubro para garantir que a líder pudesse voltar para casa e continuar denunciando os problemas da região.
Mesmo com a proteção ostensiva, as mãos de Nilcilene tremem enquanto a picape azul se aproxima e o silêncio pesa dentro da viatura. O policial na direção enrijece as costas, o copiloto engatilha seu fuzil. A estrada de terra é estreita, obrigando os carros a passar a menos de um metro de distância. Pitbull não se intimida. Ele reduz a velocidade, abre sua janela e, com um largo sorriso no rosto, acena um tchau.
Enquanto os carros se afastam, Nilcilene aponta os galões de gasolina que deslizam vazios na caçamba da picape:
- Essa noite a motosserra vai comer.
A formação da quadrilha de pistoleiros
Mesmo com escolta armada na porta de sua casa, Nilcilene não dorme sem a ajuda de remédios. Ela sabe que está temporariamente a salvo de uma realidade que não mudou. A inclusão de seu nome no programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (uma parceria entre a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Ministério da Justiça) foi, até agora, a única ação do governo federal em resposta ao crime organizado que se fortalece na região.
Lábrea fica no sudoeste do Amazonas, fim da Transamazônica, na fronteira com a mata nativa. Para chegar ao sul do município, onde fica a comunidade de Nilcilene, é preciso entrar por Rondônia. É um daqueles lugares onde o estado brasileiro não chegou, solo fértil para quem vive fora da lei.
Além de não ter energia, telefone, posto de saúde ou delegacia, as cerca de 800 famílias que moram lá vivem sob o controle de uma quadrilha de pistoleiros. São mais de 15 “profissionais” que vieram de Rondônia, Mato Grosso e Bolívia. Eles ficam à disposição dos grileiros e madeireiros, que passam por cima do que (e de quem) for preciso para chegar ao ouro verde: as florestas recheadas de ipês, cedros e angelins.
A Pública colheu mais de 30 depoimentos de famílias locais sobre o modo como a quadrilha age. São relatos de agressões físicas a adultos e adolescentes, ameaças de morte, queima de casas, roubos e revistas seguidas de saque.
Leia alguns relatos:
“A ordem era tocar fogo com a gente dentro”
“Tomaram a frente, as fundiárias e depois as costelas”
“Tem muita gente sumida, enterrada lá para dentro”
Os entrevistados são assentados, seringueiros e pequenos produtores rurais que têm documentos para atestar que são donos da terra. Muitos registraram ocorrências dos crimes na polícia e enviaram cartas pedindo ajuda ao governo federal, estadual, Ministério Público e Ibama. Mas nunca tiveram resposta.
A quadrilha funciona assim. Os grileiros contratam os pistoleiros para fazer o “despejo”. Primeiro, invadem a terra e avisam os agricultores que sua terra foi “comprada”. Geralmente dão um prazo para as famílias saírem, enquanto erguem cercas e porteiras. Vencido o prazo, começam a intimidação: bloqueiam as estradas de acesso e fazem rondas diárias atirando para o alto. Nessa fase, se cruzam com os produtores rurais pelo lote, fazem revistas, saqueiam o que eles carregam e até os agridem fisicamente. É nesse ponto que muitas famílias deixam suas casas por um tempo, “até baixar a poeira”. Muitas vezes, quando voltam, a casa foi queimada com tudo dentro.
Isso acontece em lotes individuais e dentro dos dois assentamentos demarcados pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Já os madeireiros simplesmente entram na mata nativa, que tem que ser preservada pelos assentados e pequenos proprietários, derrubam e “puxam” as árvores pelas estradas durante a noite. Eles contratam pistoleiros para evitar reação do proprietário. Muitos produtores já estão tão intimidados pela quadrilha que assistem sem reclamar.
Para quem evoca a justiça, mostrando os títulos emitidos pelo governo, a resposta padrão é: “quem demarca terra é a minha pistola”. Ou “justiça e merda aqui é a mesma coisa”.
As famílias que ainda se apegam à terra ou às árvores, são juradas de morte. As mulheres deixam os filhos na casa de parentes e passam as noites em claro. Os homens soltam madeiras no piso para criar rotas de fuga pelo chão. Quando as ameaças sobem de tom, alguns passam noites fora de casa, ao relento. Para não serem encontrados, dormem sobre uma tábua escondida no meio da lavoura.
Do seringal à Brasília
Nilcilene já passou por todas essas etapas. Ela é graduada nas batalhas por terra da Amazônia.
Filha de um soldado da borracha, Nilce, como é chamada pelos amigos, nasceu em um seringal no Acre. Ela cresceu catando castanhas com os 14 irmãos, período em que apelidou a árvore que lhe dava leite e comida de castanheira-mãe. Aos 10 anos, sua família foi expulsa da terra e fugiu para a Bolívia. Antes de completar os 20, já com quatro filhos, Nilce perdeu o primeiro marido. Ele foi encontrado morto em um rio depois de resistir às ordens para sair de sua casa.
Ela criou os filhos sozinha e chegou ao sul de Lábrea em 2003, quando um grupo de lavradores sem terra começava a montar o acampamento onde hoje fica o assentamento Gedeão, que ela lidera. O nome oficial do assentamento é Projeto de Desenvolvimento Sustentável Gedeão – uma homenagem ao primeiro líder do grupo, assassinado em 2006.
É difícil saber quantas pessoas já morreram em conflitos no sul de Lábrea. Como muitos simplesmente desaparecem, o número é resultado de subnotificações. Desde que o assentamento foi criado, há registro de 8 assassinatos em decorrência de conflito de terra.
Um deles ocorreu duas semanas depois que Nilce fugiu de casa. Em maio de 2011, logo depois que o Ibama apreendeu motosserras durante uma vistoria no sul de Lábrea, os pistoleiros saíram em busca dos possíveis denunciantes. Os primeiros da lista eram Nilce e Adelino Ramos, conhecido como Dinho, que era líder do assentamento Curuquetê, também no sul de Lábrea.
Ela escapou porque foi avisada e fugiu. Dias depois, recebeu a ligação de Dinho: “Parceira, eu tô correndo vários perigos e você também. Cuidado”. Dinho foi assassinado com seis tiros à queima roupa no meio de uma feira no dia 27 de maio.
O assassino, um motorista de caminhões de toras do sul de Lábrea, entregou-se para a polícia três dias depois. Mas foi solto no fim do ano. Em janeiro, enquanto a reportagem da Pública estava na região, ele foi assassinado – crime imediatamente interpretado pela população local como queima de arquivo.
A morte de Dinho foi um dos fatores que levou a Secretaria de Direitos Humanos a dar proteção a Nilce. Depois de seis meses de exílio e muitos apelos da Comissão Pastoral da Terra, ela entrou no seleto time de 6 lideranças rurais em todo o país que têm escolta 24 horas pelo programa Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. O programa recebe pressão da mídia nacional e internacional para incluir outros líderes ameaçados.
Contando com Nilce, em Lábrea estão os dois únicos líderes que têm direito a escolta 24 horas no estado do Amazonas. O outro protegido fica na sede do município, recordista de pessoas juradas de morte no estado, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra. Há 12 registros oficiais de pessoas ameaçadas devido a conflitos da terra – mas é possível que hajam outros lavradores na mesma situação com medo de fazer denúncias.
Missão em crise
A inclusão de Nilce no programa foi fundamental para que ela pudesse voltar à sua terra e denunciar os crimes que ocorrem no sul de Lábrea. Mas, pelo menos por enquanto, os criminosos continuam atuando
livremente.
Os policiais da Força Nacional não podem dar entrevistas, mas informalmente revelam o desgaste de situações rotineiras, como cruzar com caminhões sem placa carregados de madeira dirigidos por pessoas que ameaçaram Nilce. E se fazem uma pergunta importante: do que adianta dar segurança para que a líder continue denunciando crimes que o Estado não pune?
Graças às denúncias de Nilce e Dinho, dois inquéritos foram abertos em 2010. No fim daquele ano, 23 homens do sul de Lábrea tiveram mandados de prisão preventiva decretados por suspeita de extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas, lesões corporais e ameaça de morte. Dos 23, menos de 5 foram presos, e ainda assim por um curto período. Hoje todos estão em liberdade.
O que é mais contraditório é que essas mesmas pessoas continuam cometendo os mesmos crimes nas barbas da equipe da Força Nacional.
De madrugada, caminhões carregam toras de madeira pelas estradas do assentamento sem sequer evitar o trecho que passa a 30 metros da varanda de Nilce. Os policiais já tiraram até fotos do trânsito.
Das duas vezes que os policiais da Força tentaram trabalhar na origem do problema, perceberam que solucionar a impunidade no sul de Lábrea está bem acima das suas competências.
A primeira vez foi logo que chegaram. A equipe fez um levantamento de todos os mandados de prisão e descobriu um que ainda não estava revogado. Foi assim que os policiais prenderam “Márcio”- um dos nomes mais temidos pelos pequenos agricultores da região. Mas, ao chegar com o preso na delegacia de Extrema (Rondônia), surpreenderam-se com a manifestação de medo da polícia local. “Sangue de Cristo
tem poder!”, ouviram de um dos PMs ao revelar o nome do preso. Poucas horas depois, a polícia de Rondônia não havia encontrado o mandado de prisão no sistema e o preso foi liberado.
A segunda tentativa foi uma ação flagrante: a equipe apreendeu o equipamento de um grupo de madeireiros que derrubava árvores sem licença. O motor foi levado para a estação do Ibama mais próxima, que também fica em Extrema. Mas, chegando lá, ouviram que a equipe local não poderia recebê-los. Aquela é uma estação para operações esporádicas, eles disseram. Embora os funcionários ainda estivessem lá, já tinham encerrado a ação e estavam de saída. O motor foi levado de volta aos madeireiros.
De volta à mira
As ameaças a Nilce não pararam. Chegam pela boca de amigos e vizinhos. “Tão dizendo que, quando a Força for embora, a cabeça da Nilce vai rolar”, foi a mensagem mais ouvida pela reportagem.
Ela mora com o marido, Raimundo de Oliveira, desde que sua casa foi incendiada em agosto de 2010. Não há energia ou nenhum tipo de comunicação externa, como telefone, celular ou rádio. A casa é cercada pela floresta e pela lavoura com 4 mil pés de mandioca de seu Raimundo. Nas noites fechadas, não é possível ver nada além de três metros da varanda. Se suspeitam que há alguém cercando a casa, os policiais não podem acender suas lanternas, ou viram alvo fácil.
Isso aconteceu pelo menos uma vez. “Teve uma noite, logo no começo, que os cachorros latiam muito, para tudo que era lado”, contou um dos policiais. A dupla em vigília se dividiu, cada um em uma porta, atentos para qualquer vulto que se aproximasse. “Floresta é sinistro. Você não sabe de onde o cara vem”, disse outro policial, que confessou ter sentido mais medo naquela noite do que em operações em favelas dominadas pelo tráfico.
Já em fevereiro, quatro meses depois que a equipe chegou, um homem foi flagrado se escondendo perto do portão da casa quando já estava quase escuro. Os policiais deram tiros para o alto e ele saiu correndo pela estrada.
Futuro incerto
Depois que Nilce vai para o quarto, Raimundo gosta de esticar a noite na varanda conversando com os
policias. Eles pedem causos de onça, que Raimundo desfia sem pressa.
Nilce e Raimundo não sabem muito sobre o futuro. Onde e quanto vão viver depende bastante do encaminhamento que o governo vai dar às demandas de segurança do sul de Lábrea. Se a intervenção não for além do que a escolta por mais alguns meses, o casal está convencido de que não haverá futuro naquela terra. Mas ainda não sabem como reunir coragem para deixar tudo que construíram para trás.
Há momentos em que Raimundo bate o pé que não deixa sua casa. “Já sou muito velho para morrer de fome na cidade”, diz. Enquanto estava exilada, Nilce não cansava de repetir que preferia morrer na terra do que viver na cidade.
No fim da noite, o casal toma alguns minutos para avaliar a situação. “Enquanto os meninos estão aqui, eles estão quietos. Mas depois vai descarregar em dobro em cima da gente. Enquanto não prender, não muda. Mas também não adianta esse negócio de prender e soltar ali adiante”, diz Raimundo.
Ele para por alguns segundos e reconsidera. “Acho que a gente vai ter que ir embora mesmo. Eu não tenho medo de morrer, mas não quero morrer de graça. Também não sei que bem tem morrer para viver na história, que nem o Dinho, o Gedeão, o Chico Mendes. Eu penso que a gente tem que viver vivo”.
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- Nesse rio aqui também apareceu um morto, levou 13 dias para virem retirar o corpo. A gente espantava os urubus com uma palha.
Com colete à prova de balas, chacoalhando no banco de trás da viatura da Força Nacional de Segurança, essa é a quarta vez que a produtora e líder rural Nilcilene Miguel de Lima aponta lugares onde encontrou corpos furados a bala nas estradas do sul de Lábrea, município do Amazonas. “Já teve vez que não apareceu ninguém para buscar. O povo enterrou por aí mesmo”.
É fim de tarde. A viatura tem que chegar na casa de Nilcilene antes do escurecer, onde dois policias passam a noite em vigília. Alguns quilômetros antes do destino, ela se agita ao ver uma picape azul no sentido oposto da estrada:
- É ele! É o carro do Pitbull.
‘Pitbull’ é o apelido de Vincente Horn, um dos motivos para a proteção que recebe de nove homens da Força Nacional. Ele é um dos autores da longa lista de ameaças contra a vida de Nilcilene, que já perdeu a conta de quantas vezes foi jurada de morte pelos cães de guarda de grileiros e madeireiros.
As ameaças começaram em 2009, quando ela assumiu a presidência da associação Deus Proverá, criada pelos pequenos produtores do assentamento para defender o grupo contra as invasões de terra e roubo de árvores. No ano seguinte, depois de fazer denúncias e abaixo-assinados contra os criminosos, Nilcilene foi espancada e teve sua casa queimada em um incêndio anunciado. Em maio de 2011, foi obrigada a fugir enrolada em um lençol para despistar o pistoleiro que estava de campana no seu portão. A equipe da Força Nacional foi deslocada em outubro para garantir que a líder pudesse voltar para casa e continuar denunciando os problemas da região.
Mesmo com a proteção ostensiva, as mãos de Nilcilene tremem enquanto a picape azul se aproxima e o silêncio pesa dentro da viatura. O policial na direção enrijece as costas, o copiloto engatilha seu fuzil. A estrada de terra é estreita, obrigando os carros a passar a menos de um metro de distância. Pitbull não se intimida. Ele reduz a velocidade, abre sua janela e, com um largo sorriso no rosto, acena um tchau.
Enquanto os carros se afastam, Nilcilene aponta os galões de gasolina que deslizam vazios na caçamba da picape:
- Essa noite a motosserra vai comer.
A formação da quadrilha de pistoleiros
Mesmo com escolta armada na porta de sua casa, Nilcilene não dorme sem a ajuda de remédios. Ela sabe que está temporariamente a salvo de uma realidade que não mudou. A inclusão de seu nome no programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (uma parceria entre a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Ministério da Justiça) foi, até agora, a única ação do governo federal em resposta ao crime organizado que se fortalece na região.
Lábrea fica no sudoeste do Amazonas, fim da Transamazônica, na fronteira com a mata nativa. Para chegar ao sul do município, onde fica a comunidade de Nilcilene, é preciso entrar por Rondônia. É um daqueles lugares onde o estado brasileiro não chegou, solo fértil para quem vive fora da lei.
Além de não ter energia, telefone, posto de saúde ou delegacia, as cerca de 800 famílias que moram lá vivem sob o controle de uma quadrilha de pistoleiros. São mais de 15 “profissionais” que vieram de Rondônia, Mato Grosso e Bolívia. Eles ficam à disposição dos grileiros e madeireiros, que passam por cima do que (e de quem) for preciso para chegar ao ouro verde: as florestas recheadas de ipês, cedros e angelins.
A Pública colheu mais de 30 depoimentos de famílias locais sobre o modo como a quadrilha age. São relatos de agressões físicas a adultos e adolescentes, ameaças de morte, queima de casas, roubos e revistas seguidas de saque.
Leia alguns relatos:
“A ordem era tocar fogo com a gente dentro”
“Tomaram a frente, as fundiárias e depois as costelas”
“Tem muita gente sumida, enterrada lá para dentro”
Os entrevistados são assentados, seringueiros e pequenos produtores rurais que têm documentos para atestar que são donos da terra. Muitos registraram ocorrências dos crimes na polícia e enviaram cartas pedindo ajuda ao governo federal, estadual, Ministério Público e Ibama. Mas nunca tiveram resposta.
A quadrilha funciona assim. Os grileiros contratam os pistoleiros para fazer o “despejo”. Primeiro, invadem a terra e avisam os agricultores que sua terra foi “comprada”. Geralmente dão um prazo para as famílias saírem, enquanto erguem cercas e porteiras. Vencido o prazo, começam a intimidação: bloqueiam as estradas de acesso e fazem rondas diárias atirando para o alto. Nessa fase, se cruzam com os produtores rurais pelo lote, fazem revistas, saqueiam o que eles carregam e até os agridem fisicamente. É nesse ponto que muitas famílias deixam suas casas por um tempo, “até baixar a poeira”. Muitas vezes, quando voltam, a casa foi queimada com tudo dentro.
Isso acontece em lotes individuais e dentro dos dois assentamentos demarcados pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Já os madeireiros simplesmente entram na mata nativa, que tem que ser preservada pelos assentados e pequenos proprietários, derrubam e “puxam” as árvores pelas estradas durante a noite. Eles contratam pistoleiros para evitar reação do proprietário. Muitos produtores já estão tão intimidados pela quadrilha que assistem sem reclamar.
Para quem evoca a justiça, mostrando os títulos emitidos pelo governo, a resposta padrão é: “quem demarca terra é a minha pistola”. Ou “justiça e merda aqui é a mesma coisa”.
As famílias que ainda se apegam à terra ou às árvores, são juradas de morte. As mulheres deixam os filhos na casa de parentes e passam as noites em claro. Os homens soltam madeiras no piso para criar rotas de fuga pelo chão. Quando as ameaças sobem de tom, alguns passam noites fora de casa, ao relento. Para não serem encontrados, dormem sobre uma tábua escondida no meio da lavoura.
Do seringal à Brasília
Nilcilene já passou por todas essas etapas. Ela é graduada nas batalhas por terra da Amazônia.
Filha de um soldado da borracha, Nilce, como é chamada pelos amigos, nasceu em um seringal no Acre. Ela cresceu catando castanhas com os 14 irmãos, período em que apelidou a árvore que lhe dava leite e comida de castanheira-mãe. Aos 10 anos, sua família foi expulsa da terra e fugiu para a Bolívia. Antes de completar os 20, já com quatro filhos, Nilce perdeu o primeiro marido. Ele foi encontrado morto em um rio depois de resistir às ordens para sair de sua casa.
Ela criou os filhos sozinha e chegou ao sul de Lábrea em 2003, quando um grupo de lavradores sem terra começava a montar o acampamento onde hoje fica o assentamento Gedeão, que ela lidera. O nome oficial do assentamento é Projeto de Desenvolvimento Sustentável Gedeão – uma homenagem ao primeiro líder do grupo, assassinado em 2006.
É difícil saber quantas pessoas já morreram em conflitos no sul de Lábrea. Como muitos simplesmente desaparecem, o número é resultado de subnotificações. Desde que o assentamento foi criado, há registro de 8 assassinatos em decorrência de conflito de terra.
Um deles ocorreu duas semanas depois que Nilce fugiu de casa. Em maio de 2011, logo depois que o Ibama apreendeu motosserras durante uma vistoria no sul de Lábrea, os pistoleiros saíram em busca dos possíveis denunciantes. Os primeiros da lista eram Nilce e Adelino Ramos, conhecido como Dinho, que era líder do assentamento Curuquetê, também no sul de Lábrea.
Ela escapou porque foi avisada e fugiu. Dias depois, recebeu a ligação de Dinho: “Parceira, eu tô correndo vários perigos e você também. Cuidado”. Dinho foi assassinado com seis tiros à queima roupa no meio de uma feira no dia 27 de maio.
O assassino, um motorista de caminhões de toras do sul de Lábrea, entregou-se para a polícia três dias depois. Mas foi solto no fim do ano. Em janeiro, enquanto a reportagem da Pública estava na região, ele foi assassinado – crime imediatamente interpretado pela população local como queima de arquivo.
A morte de Dinho foi um dos fatores que levou a Secretaria de Direitos Humanos a dar proteção a Nilce. Depois de seis meses de exílio e muitos apelos da Comissão Pastoral da Terra, ela entrou no seleto time de 6 lideranças rurais em todo o país que têm escolta 24 horas pelo programa Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. O programa recebe pressão da mídia nacional e internacional para incluir outros líderes ameaçados.
Contando com Nilce, em Lábrea estão os dois únicos líderes que têm direito a escolta 24 horas no estado do Amazonas. O outro protegido fica na sede do município, recordista de pessoas juradas de morte no estado, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra. Há 12 registros oficiais de pessoas ameaçadas devido a conflitos da terra – mas é possível que hajam outros lavradores na mesma situação com medo de fazer denúncias.
Missão em crise
A inclusão de Nilce no programa foi fundamental para que ela pudesse voltar à sua terra e denunciar os crimes que ocorrem no sul de Lábrea. Mas, pelo menos por enquanto, os criminosos continuam atuando
livremente.
Os policiais da Força Nacional não podem dar entrevistas, mas informalmente revelam o desgaste de situações rotineiras, como cruzar com caminhões sem placa carregados de madeira dirigidos por pessoas que ameaçaram Nilce. E se fazem uma pergunta importante: do que adianta dar segurança para que a líder continue denunciando crimes que o Estado não pune?
Graças às denúncias de Nilce e Dinho, dois inquéritos foram abertos em 2010. No fim daquele ano, 23 homens do sul de Lábrea tiveram mandados de prisão preventiva decretados por suspeita de extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas, lesões corporais e ameaça de morte. Dos 23, menos de 5 foram presos, e ainda assim por um curto período. Hoje todos estão em liberdade.
O que é mais contraditório é que essas mesmas pessoas continuam cometendo os mesmos crimes nas barbas da equipe da Força Nacional.
De madrugada, caminhões carregam toras de madeira pelas estradas do assentamento sem sequer evitar o trecho que passa a 30 metros da varanda de Nilce. Os policiais já tiraram até fotos do trânsito.
Das duas vezes que os policiais da Força tentaram trabalhar na origem do problema, perceberam que solucionar a impunidade no sul de Lábrea está bem acima das suas competências.
A primeira vez foi logo que chegaram. A equipe fez um levantamento de todos os mandados de prisão e descobriu um que ainda não estava revogado. Foi assim que os policiais prenderam “Márcio”- um dos nomes mais temidos pelos pequenos agricultores da região. Mas, ao chegar com o preso na delegacia de Extrema (Rondônia), surpreenderam-se com a manifestação de medo da polícia local. “Sangue de Cristo
tem poder!”, ouviram de um dos PMs ao revelar o nome do preso. Poucas horas depois, a polícia de Rondônia não havia encontrado o mandado de prisão no sistema e o preso foi liberado.
A segunda tentativa foi uma ação flagrante: a equipe apreendeu o equipamento de um grupo de madeireiros que derrubava árvores sem licença. O motor foi levado para a estação do Ibama mais próxima, que também fica em Extrema. Mas, chegando lá, ouviram que a equipe local não poderia recebê-los. Aquela é uma estação para operações esporádicas, eles disseram. Embora os funcionários ainda estivessem lá, já tinham encerrado a ação e estavam de saída. O motor foi levado de volta aos madeireiros.
De volta à mira
As ameaças a Nilce não pararam. Chegam pela boca de amigos e vizinhos. “Tão dizendo que, quando a Força for embora, a cabeça da Nilce vai rolar”, foi a mensagem mais ouvida pela reportagem.
Ela mora com o marido, Raimundo de Oliveira, desde que sua casa foi incendiada em agosto de 2010. Não há energia ou nenhum tipo de comunicação externa, como telefone, celular ou rádio. A casa é cercada pela floresta e pela lavoura com 4 mil pés de mandioca de seu Raimundo. Nas noites fechadas, não é possível ver nada além de três metros da varanda. Se suspeitam que há alguém cercando a casa, os policiais não podem acender suas lanternas, ou viram alvo fácil.
Isso aconteceu pelo menos uma vez. “Teve uma noite, logo no começo, que os cachorros latiam muito, para tudo que era lado”, contou um dos policiais. A dupla em vigília se dividiu, cada um em uma porta, atentos para qualquer vulto que se aproximasse. “Floresta é sinistro. Você não sabe de onde o cara vem”, disse outro policial, que confessou ter sentido mais medo naquela noite do que em operações em favelas dominadas pelo tráfico.
Já em fevereiro, quatro meses depois que a equipe chegou, um homem foi flagrado se escondendo perto do portão da casa quando já estava quase escuro. Os policiais deram tiros para o alto e ele saiu correndo pela estrada.
Futuro incerto
Depois que Nilce vai para o quarto, Raimundo gosta de esticar a noite na varanda conversando com os
policias. Eles pedem causos de onça, que Raimundo desfia sem pressa.
Nilce e Raimundo não sabem muito sobre o futuro. Onde e quanto vão viver depende bastante do encaminhamento que o governo vai dar às demandas de segurança do sul de Lábrea. Se a intervenção não for além do que a escolta por mais alguns meses, o casal está convencido de que não haverá futuro naquela terra. Mas ainda não sabem como reunir coragem para deixar tudo que construíram para trás.
Há momentos em que Raimundo bate o pé que não deixa sua casa. “Já sou muito velho para morrer de fome na cidade”, diz. Enquanto estava exilada, Nilce não cansava de repetir que preferia morrer na terra do que viver na cidade.
No fim da noite, o casal toma alguns minutos para avaliar a situação. “Enquanto os meninos estão aqui, eles estão quietos. Mas depois vai descarregar em dobro em cima da gente. Enquanto não prender, não muda. Mas também não adianta esse negócio de prender e soltar ali adiante”, diz Raimundo.
Ele para por alguns segundos e reconsidera. “Acho que a gente vai ter que ir embora mesmo. Eu não tenho medo de morrer, mas não quero morrer de graça. Também não sei que bem tem morrer para viver na história, que nem o Dinho, o Gedeão, o Chico Mendes. Eu penso que a gente tem que viver vivo”.
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Convidado- Convidado
O FAZENDEIRO E O POLÍTICO, QUEM ESTÁ POR TRÁS DOS CRIMES?
Quem são os fazendeiros investigados por envolvimento com as ameaças à Nilcilene
Há dois nomes muito presentes nos relatos de violências sofridas pelos produtores do sul de Lábrea (Amazonas): Celso Ribeiro e Nilo Lemos. Além de serem donos de grandes áreas de terra na região, os fazendeiros têm outra coisa em comum: estão na lista de pessoas investigadas pelos crimes de extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas, lesões corporais e ameaça de morte a liderança rurais. Muitos já tiveram prisão preventiva decretada.
Celso Ribeiro é dono da fazenda de gado Água Verde e foi prefeito da cidade Senador Guimard, no Acre. Ele aparece no inquérito policial como mandante da ação de quatro de seus funcionários, conhecidos como “De Manaus”, “Daziel”, “Polaco” e “Sebastião” – todos com a prisão decretada e posteriormente revogada.
Segundo agricultores ouvidos pela reportagem, Celso teria começado a invadir suas terras em 2009. Segundo os depoimentos, depois de colocar uma cerca e uma porteira, um funcionário teria começado a fazer a “ronda” para forçar a saída dos que moravam há décadas no local. Os relatos remontam que ele passaria atirando para cima e, pelo menos uma vez, o tiro teria pego em uma casa.
“O Celso contratou uns 15 jagunços para ameaçar a gente”, diz uma produtora que morava no local há mais de 30 anos e foi expulsa pela quadrilha. Ela já foi ameaçada e não quer se identificar pois teme a retaliação. “Eles passavam atirando para cima, diziam que íam fazer nossa cabeça. Fizeram cerca e porteira para a gente não entrar na nossa própria terra e colocaram uma guarita com guaxeba [segurança] armado”.
Celso não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.
Leia mais: confrontado por pistoleiros, governo recua
Já “Doutor Nilo”, como Nilo Lemos é conhecido na região, é dono da fazenda Rio Novo. A fazenda avança dentro de uma área onde viviam mais de 30 seringueiros – muitos dos quais nasceram ali e pleiteavam transformar a terra em área extrativista.
É possível ver as cercas e placas com o nome da fazenda fechando as trilhas por onde os seringueiros chegavam em casa. Assustados com as ameaças que teriam sido feitas por funcionários armados da fazenda, alguns seringueiros localizados pela reportagem contam que tiveram de fugir. Os que resistem estão cada vez mais encurralados. Com as passagens bloqueadas, eles só conseguem chegar em casa pelos rios. Mesmo assim, há dias em que o curso amanhece bloqueado por toras de madeira, impedindo a passagem.
Esses relatos foram colhidos pela reportagem e estão formalizados em denúncias encaminhadas pela Comissão Pastoral da Terra e Central Única dos Trabalhadores para o governo federal e do Amazonas. Os seringueiros não querem se identificar pois temem represálias.
Segundo os depoimentos colhidos pela reportagem, os seringueiros convivem com violências cotidianamente. Uma delas teria ocorrido há quatro anos. Depois de fechar as estradas e avisar que eles não podiam entrar na terra onde vivem e trabalham, um grupo de pistoleiros teria passado a fazer ronda na área. Em uma delas, três homens com rifles teriam cruzado com um jovem de 14 anos que estava caçando dentro do terreno onde nasceu. O relato diz que eles revistaram o jovem e depois o humilharam com ameaças e agressões físicas.
Segundo os relatos, o procedimento padrão do grupo com os adultos é fazer uma revista e depois levar os seringueiros até a sede da fazenda para “liberação”. Há diversas denúncias de seringueiros que teriam sido obrigados a andar quilômetros sob a mira de pistolas para conseguir a liberação. Alguns pistoleiros usariam linguajar de polícia, dizendo que o seringueiro “está detido”. Há relatos de pessoas que viram o grupo usando farda com estampa imitando a do exército: calça, camisa e bota coturno.
Procurado pela reportagem, Nilo Lemos não deu entrevista. A reportagem recebeu o retorno de um homem que se identificou como filho e advogado do fazendeiro, mas que não autorizou a publicação de seu próprio nome. Ele disse que não há conflitos na fazenda Rio Novo e que a reportagem será processada se publicar “essa informação inverídica”.
Caso conhecido
Além de fazer parte de inquérito policial, o caso da fazenda Rio Novo é bastante conhecido por quem trabalha na região. “Nilo é um fazendeiro grande, um grileiro, suas terras são quase todas públicas. A área dele é tida como uma das que mais provoca conflitos agrários”, diz o desembargador Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ele avalia que o caso é tão evidente que dificilmente Nilo vai conseguir títulos para essas fazendas quando o programa Terra Legal terminar o processo de regularização fundiária na região.
Mas pode haver entendimentos diferentes dentro do mesmo ministério. Segundo Shirley Nascimento, secretária de Regularização Fundiária da Amazônia Legal, há, até agora, 21 títulos negados no sul de Lábrea. Mas a equipe não encontrou nenhuma fazenda dentro dessas propriedades. “As áreas que tiveram o título negado eram de floresta densa, não encontramos nada. Portanto, não tem retomada da terra e não vamos dar notificação [para o fazendeiro sair].”, afirma. A secretária não soube precisar, porém, se a fazenda Rio Novo já foi analisada.
Durante a entrevista, a secretária não usou a palavra “grilagem”. Ela substituiu o termo por “parcelamento de terra pública” e “uso indevido de terra da união”. Quando perguntei se estava deliberadamente evitando a palavra, Shirley explicou: “Algumas pessoas que têm hectares a mais de terra podem ser regularizados, o médio proprietário não pode ser chamado de grileiro. Não quero cometer injustiças”.
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Há dois nomes muito presentes nos relatos de violências sofridas pelos produtores do sul de Lábrea (Amazonas): Celso Ribeiro e Nilo Lemos. Além de serem donos de grandes áreas de terra na região, os fazendeiros têm outra coisa em comum: estão na lista de pessoas investigadas pelos crimes de extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas, lesões corporais e ameaça de morte a liderança rurais. Muitos já tiveram prisão preventiva decretada.
Celso Ribeiro é dono da fazenda de gado Água Verde e foi prefeito da cidade Senador Guimard, no Acre. Ele aparece no inquérito policial como mandante da ação de quatro de seus funcionários, conhecidos como “De Manaus”, “Daziel”, “Polaco” e “Sebastião” – todos com a prisão decretada e posteriormente revogada.
Segundo agricultores ouvidos pela reportagem, Celso teria começado a invadir suas terras em 2009. Segundo os depoimentos, depois de colocar uma cerca e uma porteira, um funcionário teria começado a fazer a “ronda” para forçar a saída dos que moravam há décadas no local. Os relatos remontam que ele passaria atirando para cima e, pelo menos uma vez, o tiro teria pego em uma casa.
“O Celso contratou uns 15 jagunços para ameaçar a gente”, diz uma produtora que morava no local há mais de 30 anos e foi expulsa pela quadrilha. Ela já foi ameaçada e não quer se identificar pois teme a retaliação. “Eles passavam atirando para cima, diziam que íam fazer nossa cabeça. Fizeram cerca e porteira para a gente não entrar na nossa própria terra e colocaram uma guarita com guaxeba [segurança] armado”.
Celso não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.
Leia mais: confrontado por pistoleiros, governo recua
Já “Doutor Nilo”, como Nilo Lemos é conhecido na região, é dono da fazenda Rio Novo. A fazenda avança dentro de uma área onde viviam mais de 30 seringueiros – muitos dos quais nasceram ali e pleiteavam transformar a terra em área extrativista.
É possível ver as cercas e placas com o nome da fazenda fechando as trilhas por onde os seringueiros chegavam em casa. Assustados com as ameaças que teriam sido feitas por funcionários armados da fazenda, alguns seringueiros localizados pela reportagem contam que tiveram de fugir. Os que resistem estão cada vez mais encurralados. Com as passagens bloqueadas, eles só conseguem chegar em casa pelos rios. Mesmo assim, há dias em que o curso amanhece bloqueado por toras de madeira, impedindo a passagem.
Esses relatos foram colhidos pela reportagem e estão formalizados em denúncias encaminhadas pela Comissão Pastoral da Terra e Central Única dos Trabalhadores para o governo federal e do Amazonas. Os seringueiros não querem se identificar pois temem represálias.
Segundo os depoimentos colhidos pela reportagem, os seringueiros convivem com violências cotidianamente. Uma delas teria ocorrido há quatro anos. Depois de fechar as estradas e avisar que eles não podiam entrar na terra onde vivem e trabalham, um grupo de pistoleiros teria passado a fazer ronda na área. Em uma delas, três homens com rifles teriam cruzado com um jovem de 14 anos que estava caçando dentro do terreno onde nasceu. O relato diz que eles revistaram o jovem e depois o humilharam com ameaças e agressões físicas.
Segundo os relatos, o procedimento padrão do grupo com os adultos é fazer uma revista e depois levar os seringueiros até a sede da fazenda para “liberação”. Há diversas denúncias de seringueiros que teriam sido obrigados a andar quilômetros sob a mira de pistolas para conseguir a liberação. Alguns pistoleiros usariam linguajar de polícia, dizendo que o seringueiro “está detido”. Há relatos de pessoas que viram o grupo usando farda com estampa imitando a do exército: calça, camisa e bota coturno.
Procurado pela reportagem, Nilo Lemos não deu entrevista. A reportagem recebeu o retorno de um homem que se identificou como filho e advogado do fazendeiro, mas que não autorizou a publicação de seu próprio nome. Ele disse que não há conflitos na fazenda Rio Novo e que a reportagem será processada se publicar “essa informação inverídica”.
Caso conhecido
Além de fazer parte de inquérito policial, o caso da fazenda Rio Novo é bastante conhecido por quem trabalha na região. “Nilo é um fazendeiro grande, um grileiro, suas terras são quase todas públicas. A área dele é tida como uma das que mais provoca conflitos agrários”, diz o desembargador Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ele avalia que o caso é tão evidente que dificilmente Nilo vai conseguir títulos para essas fazendas quando o programa Terra Legal terminar o processo de regularização fundiária na região.
Mas pode haver entendimentos diferentes dentro do mesmo ministério. Segundo Shirley Nascimento, secretária de Regularização Fundiária da Amazônia Legal, há, até agora, 21 títulos negados no sul de Lábrea. Mas a equipe não encontrou nenhuma fazenda dentro dessas propriedades. “As áreas que tiveram o título negado eram de floresta densa, não encontramos nada. Portanto, não tem retomada da terra e não vamos dar notificação [para o fazendeiro sair].”, afirma. A secretária não soube precisar, porém, se a fazenda Rio Novo já foi analisada.
Durante a entrevista, a secretária não usou a palavra “grilagem”. Ela substituiu o termo por “parcelamento de terra pública” e “uso indevido de terra da união”. Quando perguntei se estava deliberadamente evitando a palavra, Shirley explicou: “Algumas pessoas que têm hectares a mais de terra podem ser regularizados, o médio proprietário não pode ser chamado de grileiro. Não quero cometer injustiças”.
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Convidado- Convidado
“A ORDEM ERA TOCAR FOGO COM A GENTE DENTRO”
A assentada Maria Líbia Nogueira Santana, 34 anos, descobriu que sua casa havia sido invadida no dia em que voltou do hospital com a filha recém nascida no colo. Hoje com cinco filhos, ela vive em uma casa emprestada em Nova Califórnia, vila mais próxima do sul de Lábrea (Amazonas). No dia em que recebeu a reportagem, havia uma panela de feijão para o jantar para seis pessoas.
Em setembro de 2010, a Comissão Pastoral da Terra enviou uma carta denunciando o caso ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“A gente vivia num lote aprovado no assentamento Gedeão há 2 anos. Eu saí para ganhar nenê e meu filho quebrou o braço, então tivemos que ficar três meses sem voltar para casa. Um dia o vizinho ligou e avisou que tinha gente na nossa casa. A gente voltou na hora, com tudo. Chegou lá e tinha uma mulher dizendo que comprou a minha terra. Não tinha para onde ir, o jeito foi fazer um barraco lá no lote mesmo.
Saímos um dia e queimaram nosso barraco. Fizemos outro.
Aí um dia chegou seis homens armados lá. Minha sogra me segurou para eu não sair de casa. Senti muito medo, achei que ía perder meus meninos, achei que íam matar nós todos. Um deles disse que a terra tinha sido comprada e que a ordem era tacar fogo no barraco com a gente dentro. Deram dois dias para a gente sair.
Aí viemos para a vila e estamos até hoje morando de favor na casa dos outros. Até hoje o homem ameaça meu marido. Fala que, se a gente entrar lá, ele mata. Eles já tiraram toda a madeira, tá uma capoeira doida lá para dentro do lote.
Meu marido tá trabalhando de diária na fazenda dos outros. A gente tinha 1.300 pés de café, plantado com o dinheiro do fomento do Incra. E macaxeira, banana, café. Só colhemos mesmo a banana, o resto foram eles. Isso que dóis mais. Meus meninos aqui com fome e eles lá comendo nossa farinha”.
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Em setembro de 2010, a Comissão Pastoral da Terra enviou uma carta denunciando o caso ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“A gente vivia num lote aprovado no assentamento Gedeão há 2 anos. Eu saí para ganhar nenê e meu filho quebrou o braço, então tivemos que ficar três meses sem voltar para casa. Um dia o vizinho ligou e avisou que tinha gente na nossa casa. A gente voltou na hora, com tudo. Chegou lá e tinha uma mulher dizendo que comprou a minha terra. Não tinha para onde ir, o jeito foi fazer um barraco lá no lote mesmo.
Saímos um dia e queimaram nosso barraco. Fizemos outro.
Aí um dia chegou seis homens armados lá. Minha sogra me segurou para eu não sair de casa. Senti muito medo, achei que ía perder meus meninos, achei que íam matar nós todos. Um deles disse que a terra tinha sido comprada e que a ordem era tacar fogo no barraco com a gente dentro. Deram dois dias para a gente sair.
Aí viemos para a vila e estamos até hoje morando de favor na casa dos outros. Até hoje o homem ameaça meu marido. Fala que, se a gente entrar lá, ele mata. Eles já tiraram toda a madeira, tá uma capoeira doida lá para dentro do lote.
Meu marido tá trabalhando de diária na fazenda dos outros. A gente tinha 1.300 pés de café, plantado com o dinheiro do fomento do Incra. E macaxeira, banana, café. Só colhemos mesmo a banana, o resto foram eles. Isso que dóis mais. Meus meninos aqui com fome e eles lá comendo nossa farinha”.
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Convidado- Convidado
Re: Nilcilene, com escolta e colete à prova de balas: “eles vão me matar”
Infelizmente, meu conselho seria que ela deixasse o país por uns tempos, por que senão vai acabar morrendo mesmo. Vide Chico Mendes, Dorothy Stang etc.
Chusma- Farrista Cheguei até aqui. Problem?
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