Lições de um passado recente
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Lições de um passado recente
Lições de um passado recente
Autor(es): Laura Carvalho
Valor Econômico - 27/08/2013
O anúncio pelo Ministério da Fazenda de que cumprirá meta de superávit primário de 2,3% do PIB em 2013 já está exigindo cortes substanciais no orçamento do governo, conforme previa (e desejava) grande parte dos analistas. O que pouco se fala é que entre as despesas do governo federal, apenas o investimento, as transferências de renda e os gastos de custeio com saúde e educação aumentaram em proporção do PIB nos últimos anos. Diante da pressão "das ruas", itens do investimento público dificilmente serão poupados.
Quando se leva em conta a redução do custo de financiamento da dívida nos últimos anos e o efeito positivo que a própria desvalorização do real tem sobre o valor das nossas reservas internacionais, um crescimento econômico de 2,5% seria suficiente para manter estável a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB, mesmo em cenário de redução do superávit primário para 1,5%. Dada a trajetória sustentável da dívida, o principal motivo para os analistas comemorarem o novo corte de gastos vem sendo, mais uma vez, o controle da inflação.
Se a inflação mais alta no primeiro semestre fosse mesmo fruto de um improvável excesso de demanda, uma política de contração fiscal poderia aliviar o esforço necessário da política monetária para cumprir a meta. Mas se essa inflação fosse principalmente resultado de aumento de custos e a economia estiver crescendo abaixo do seu potencial, uma contração adicional da demanda pode estar prejudicando a recuperação do crescimento econômico, sem auxiliar no combate à inflação. Nesse caso estaríamos diante da repetição de um erro cometido em 2011, ao invés da sua correção.
A aceleração temporária da inflação certamente trará consigo novos clamores contracionistas
Quando atingimos 7,5% de crescimento do PIB em 2010, muitos economistas, com razão, passaram a se preocupar com a falta de competitividade da indústria. Com a demanda global retraída e o câmbio sobrevalorizado, o desempenho exportador dos manufaturados piorava, ao mesmo tempo em que se oferecia de bandeja nosso mercado interno aquecido para o resto do mundo, elevando a penetração das importações.
Na mesma época, a alta da inflação também foi fonte de preocupação. Analistas indicavam que havíamos atingido o nosso potencial de crescimento, então avaliado em torno de 6% ao ano, o que geraria pressão de demanda sobre os preços. Os juros então passaram a subir, acentuando a apreciação cambial. É nesse contexto que se deve entender a mudança de tripé de política econômica iniciada pelo governo Dilma em 2011.
Para resolver o problema da falta de competitividade internacional, era necessário desvalorizar o câmbio. Para desvalorizar o câmbio, era necessário reduzir a taxa de juros. E por fim, para fazer ambas as coisas sem gerar aumento da inflação, julgou-se necessário cortar gastos públicos. O primeiro corte de gastos foi anunciado no dia anterior à redução de 0,5 pontos na taxa básica de juros em agosto de 2011, que marcou o início do novo tripé.
O resultado disso nós sabemos. O câmbio se desvalorizou, mas devido à contração da demanda global em 2012 passou longe do que seria necessário para estimular as nossas exportações. A inflação, assim como em todos os anos em que houve desvalorização cambial desde o estabelecimento do regime de metas em 1999, com exceção do ano atípico de 2008, atingiu o teto da meta, fechando 2012 em 6,5%.
A inflação mais alta levou a uma desaceleração do consumo, que cresceu apenas 3,1% em 2012 e parece ter estagnado desde então. Para completar, o superávit primário do governo federal, excluindo os recursos obtidos com a capitalização da Petrobras de 2010, subiu em mais de 1% do PIB em 2011 como mostra a figura, atuando como força adicional de contração da demanda. Não surpreende então que o investimento, que tinha crescido mais de 21% em 2010, tenha respondido com contração de 4% em 2012.
Embora as medidas de desoneração tenham restituído parte da rentabilidade do investimento, que movido principalmente pelo setor de caminhões voltou a crescer em 2013, não restam dúvidas de que a estratégia de política econômica iniciada em 2011 não obteve os resultados esperados. A grande divergência está no diagnóstico dos erros cometidos, e, mais especificamente, nas causas do baixo crescimento e da alta inflação do primeiro semestre de 2013.
Considerando que, ao contrário de 2010, estamos diante de um cenário de estagnação do consumo, a hipótese de que é necessário contrair ainda mais a demanda para frear a inflação parece ainda menos plausível agora. Os analistas que a defendem argumentam que o potencial de crescimento do PIB (aquele que ainda era de 6% há apenas três anos) já foi atingido, devido ao esgotamento dos insumos de produção. Além da falta de credibilidade de estimativas tão voláteis do PIB potencial, o acúmulo de estoques no último ano sugere não ser excesso de demanda o nosso problema atual, muito pelo contrário. O crescimento acumulado de 74% do investimento entre 2002 e 2012 superou o crescimento de 42% do PIB no mesmo período, ampliando assim a capacidade produtiva da indústria.
Não obstante tais evidências, uma aceleração temporária da inflação nos próximos meses, fruto da desvalorização recente do câmbio, certamente trará consigo novos clamores contracionistas. Espera-se que dessa vez o governo resista a tais pressões, que, além de não surtirem efeito na inflação, certamente prejudicariam a retomada.
Laura Carvalho é professora de economia da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV), e doutora em economia pela New School for Social Research, em Nova York.
Autor(es): Laura Carvalho
Valor Econômico - 27/08/2013
O anúncio pelo Ministério da Fazenda de que cumprirá meta de superávit primário de 2,3% do PIB em 2013 já está exigindo cortes substanciais no orçamento do governo, conforme previa (e desejava) grande parte dos analistas. O que pouco se fala é que entre as despesas do governo federal, apenas o investimento, as transferências de renda e os gastos de custeio com saúde e educação aumentaram em proporção do PIB nos últimos anos. Diante da pressão "das ruas", itens do investimento público dificilmente serão poupados.
Quando se leva em conta a redução do custo de financiamento da dívida nos últimos anos e o efeito positivo que a própria desvalorização do real tem sobre o valor das nossas reservas internacionais, um crescimento econômico de 2,5% seria suficiente para manter estável a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB, mesmo em cenário de redução do superávit primário para 1,5%. Dada a trajetória sustentável da dívida, o principal motivo para os analistas comemorarem o novo corte de gastos vem sendo, mais uma vez, o controle da inflação.
Se a inflação mais alta no primeiro semestre fosse mesmo fruto de um improvável excesso de demanda, uma política de contração fiscal poderia aliviar o esforço necessário da política monetária para cumprir a meta. Mas se essa inflação fosse principalmente resultado de aumento de custos e a economia estiver crescendo abaixo do seu potencial, uma contração adicional da demanda pode estar prejudicando a recuperação do crescimento econômico, sem auxiliar no combate à inflação. Nesse caso estaríamos diante da repetição de um erro cometido em 2011, ao invés da sua correção.
A aceleração temporária da inflação certamente trará consigo novos clamores contracionistas
Quando atingimos 7,5% de crescimento do PIB em 2010, muitos economistas, com razão, passaram a se preocupar com a falta de competitividade da indústria. Com a demanda global retraída e o câmbio sobrevalorizado, o desempenho exportador dos manufaturados piorava, ao mesmo tempo em que se oferecia de bandeja nosso mercado interno aquecido para o resto do mundo, elevando a penetração das importações.
Na mesma época, a alta da inflação também foi fonte de preocupação. Analistas indicavam que havíamos atingido o nosso potencial de crescimento, então avaliado em torno de 6% ao ano, o que geraria pressão de demanda sobre os preços. Os juros então passaram a subir, acentuando a apreciação cambial. É nesse contexto que se deve entender a mudança de tripé de política econômica iniciada pelo governo Dilma em 2011.
Para resolver o problema da falta de competitividade internacional, era necessário desvalorizar o câmbio. Para desvalorizar o câmbio, era necessário reduzir a taxa de juros. E por fim, para fazer ambas as coisas sem gerar aumento da inflação, julgou-se necessário cortar gastos públicos. O primeiro corte de gastos foi anunciado no dia anterior à redução de 0,5 pontos na taxa básica de juros em agosto de 2011, que marcou o início do novo tripé.
O resultado disso nós sabemos. O câmbio se desvalorizou, mas devido à contração da demanda global em 2012 passou longe do que seria necessário para estimular as nossas exportações. A inflação, assim como em todos os anos em que houve desvalorização cambial desde o estabelecimento do regime de metas em 1999, com exceção do ano atípico de 2008, atingiu o teto da meta, fechando 2012 em 6,5%.
A inflação mais alta levou a uma desaceleração do consumo, que cresceu apenas 3,1% em 2012 e parece ter estagnado desde então. Para completar, o superávit primário do governo federal, excluindo os recursos obtidos com a capitalização da Petrobras de 2010, subiu em mais de 1% do PIB em 2011 como mostra a figura, atuando como força adicional de contração da demanda. Não surpreende então que o investimento, que tinha crescido mais de 21% em 2010, tenha respondido com contração de 4% em 2012.
Embora as medidas de desoneração tenham restituído parte da rentabilidade do investimento, que movido principalmente pelo setor de caminhões voltou a crescer em 2013, não restam dúvidas de que a estratégia de política econômica iniciada em 2011 não obteve os resultados esperados. A grande divergência está no diagnóstico dos erros cometidos, e, mais especificamente, nas causas do baixo crescimento e da alta inflação do primeiro semestre de 2013.
Considerando que, ao contrário de 2010, estamos diante de um cenário de estagnação do consumo, a hipótese de que é necessário contrair ainda mais a demanda para frear a inflação parece ainda menos plausível agora. Os analistas que a defendem argumentam que o potencial de crescimento do PIB (aquele que ainda era de 6% há apenas três anos) já foi atingido, devido ao esgotamento dos insumos de produção. Além da falta de credibilidade de estimativas tão voláteis do PIB potencial, o acúmulo de estoques no último ano sugere não ser excesso de demanda o nosso problema atual, muito pelo contrário. O crescimento acumulado de 74% do investimento entre 2002 e 2012 superou o crescimento de 42% do PIB no mesmo período, ampliando assim a capacidade produtiva da indústria.
Não obstante tais evidências, uma aceleração temporária da inflação nos próximos meses, fruto da desvalorização recente do câmbio, certamente trará consigo novos clamores contracionistas. Espera-se que dessa vez o governo resista a tais pressões, que, além de não surtirem efeito na inflação, certamente prejudicariam a retomada.
Laura Carvalho é professora de economia da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV), e doutora em economia pela New School for Social Research, em Nova York.
marcelo l.- Farrista "We are the Champions"
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