Democracia e regulação das comunicações
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Democracia e regulação das comunicações
Por Eugênio Bucci em 16/7/2010
Reproduzido de O Estado de S. Paulo, 15/7/2010; título original "Mal-entendidos na radiodifusão", intertítulos do OI
O tema da liberdade de imprensa voltou ao noticiário de duas semanas para cá. O mote, desta vez, foi um trecho do programa de governo que a candidata Dilma Rousseff entregou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com críticas aos meios de comunicação e à imprensa. Depois de reações negativas, o texto foi substituído por outro mais ameno, mas as queixas continuaram. Então, no sábado passado, dia 10, este jornal noticiou que uma terceira versão do documento será apresentada em breve. Deixemos de lado as trapalhadas programáticas dos partidos (o PSDB também registrou no TSE um texto provisório, ou seja, também nisso José Serra anda empatado com Dilma). Fixemo-nos no cerne da discussão, que até hoje não foi equacionada entre nós: a democracia na comunicação social e suas relações com o Estado.
Nesse campo, há mal-entendidos e más intenções desorientando a opinião pública. Um dos equívocos mais pitorescos é esse de achar que qualquer proposta para modernizar a lei na área da radiodifusão é uma esquisitice de esquerdista. Não é. A regulação desse setor é uma exigência estrutural da sociedade de mercado. As democracias mais estáveis do planeta já fizeram sua lição de casa. Os Estados Unidos, por exemplo, cuidaram do assunto na década de 30 do século passado, com a criação da Comissão Federal das Comunicações (FCC). Essa agência reguladora tem dois objetivos centrais: proteger, no plano econômico, a concorrência saudável entre as empresas e estimular, no plano cultural e político, a diversidade de vozes e de opiniões. Por isso ela age para inibir a formação de oligopólios e monopólios que inviabilizem a livre concorrência e a pluralidade do debate público.
Tentativa
No Brasil, não temos nada parecido. Houve, é bem verdade, uma única tentativa. Nos anos 90, Sérgio Motta, ministro das Comunicações no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, criou uma comissão "suprapartidária" para redigir um projeto de lei. O documento, que não tinha nada de esquerdista, procurava conter as práticas monopolistas e os malefícios da propriedade cruzada dos meios de comunicação. A propriedade cruzada pode ser danosa – ao menos segundo a mentalidade antitruste, que inspirou a criação da FCC nos Estados Unidos – quando um só grupo econômico, numa mesma região, controla o maior canal de TV aberta, o maior jornal diário, a maior emissora de rádio, e assim por diante, de tal forma que passa a dominar a pauta do debate público e o mercado publicitário. Por isso as legislações democráticas impõem limites à propriedade cruzada – limites que, naturalmente, variam no tempo, dependendo da natureza dos negócios e dos avanços tecnológicos. No Brasil, infelizmente, a ideia de Sérgio Motta não prosperou. Ele morreu em 1998. Seu projeto morreu junto.
Agora, que um ou mais partidos voltem a tocar o assunto não é ruim. O tema tem pertinência. O complicado é que ele acabou sequestrado por um discurso um tanto assembleísta, demagógico e governista. Seus adeptos acalentam a ilusão de que um governo que assumir parte da condução editorial dos meios de comunicação fará um bem para a sociedade e poderá "compensar" a "desinformação" promovida pela "mídia privada". Esse caminho é a treva. Não apenas ele não vai "democratizar os meios", como vai piorá-los. Governo bom é governo que fica longe dos "meios" – dos privados, dos comerciais e, principalmente, dos públicos.
Lei e autoritarismo
Leis e agências para regular o mercado existem em todo o mundo democrático e não ferem a liberdade de expressão de ninguém. Outra coisa bem distinta é confiar à autoridade estatal a função de editar o jornalismo. O nome dessa outra coisa é autoritarismo inócuo. Inócuo, sim, porque até hoje ninguém foi capaz de inventar um decreto, lei ordinária ou norma constitucional que seja capaz de fabricar "bom" jornalismo. Ao contrário: toda interferência estatal nessa esfera resultou em males muito piores do que aqueles que ela prometia remediar.
O aparelho de Estado é incompetente – nos dois sentidos da palavra – para "melhorar" o nível do jornalismo: o Judiciário não serve para isso (a censura judicial, aliás, não melhora nada nos jornais, só piora), o Executivo deve ficar longe e, quanto ao Legislativo, para lembrarmos aqui o princípio consagrado na célebre Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, de 1791, ele não deve legislar contra a liberdade de imprensa.
Prêmio
A despeito do que deveria ser óbvio, os autoritários – tanto os de esquerda como os de direita, que nisso são idênticos – acreditam que a discricionariedade do burocrata estatal pode "compensar" os abusos dos meios privados. Pensam que a verdade é uma média aritmética entre duas distorções. Para eles, a liberdade de imprensa não é um ponto de partida – incondicional e universal por definição, como direito humano que é –, mas um prêmio que se dá ao jornalista de bom comportamento (bom comportamento na opinião deles, bem entendido). Não sabem que a Primeira Emenda, assim como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789, veio não para condecorar a reportagem objetiva, fidedigna, equilibrada e de bom gosto, mas para assegurar a liberdade de expressão de todos, independentemente de qualquer juízo prévio sobre a "qualidade" dessa expressão. Não sabem que a liberdade ou é para todos, independentemente da opinião dos governantes, ou não é liberdade para ninguém.
Quem não entende o sentido da liberdade não tem credenciais para falar de regulação do mercado de rádio e TV. Mas o tema não pode ser refém desses aí. A ausência de uma legislação moderna para o setor de radiodifusão é um déficit grave da nossa democracia. Superá-lo é uma tarefa urgente, e essa tarefa só poderá ser cumprida por quem sabe respeitar a liberdade – inclusive a liberdade dos crentes em mal-entendidos e dos pregadores das más intenções.
Extraído de:
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Reproduzido de O Estado de S. Paulo, 15/7/2010; título original "Mal-entendidos na radiodifusão", intertítulos do OI
O tema da liberdade de imprensa voltou ao noticiário de duas semanas para cá. O mote, desta vez, foi um trecho do programa de governo que a candidata Dilma Rousseff entregou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com críticas aos meios de comunicação e à imprensa. Depois de reações negativas, o texto foi substituído por outro mais ameno, mas as queixas continuaram. Então, no sábado passado, dia 10, este jornal noticiou que uma terceira versão do documento será apresentada em breve. Deixemos de lado as trapalhadas programáticas dos partidos (o PSDB também registrou no TSE um texto provisório, ou seja, também nisso José Serra anda empatado com Dilma). Fixemo-nos no cerne da discussão, que até hoje não foi equacionada entre nós: a democracia na comunicação social e suas relações com o Estado.
Nesse campo, há mal-entendidos e más intenções desorientando a opinião pública. Um dos equívocos mais pitorescos é esse de achar que qualquer proposta para modernizar a lei na área da radiodifusão é uma esquisitice de esquerdista. Não é. A regulação desse setor é uma exigência estrutural da sociedade de mercado. As democracias mais estáveis do planeta já fizeram sua lição de casa. Os Estados Unidos, por exemplo, cuidaram do assunto na década de 30 do século passado, com a criação da Comissão Federal das Comunicações (FCC). Essa agência reguladora tem dois objetivos centrais: proteger, no plano econômico, a concorrência saudável entre as empresas e estimular, no plano cultural e político, a diversidade de vozes e de opiniões. Por isso ela age para inibir a formação de oligopólios e monopólios que inviabilizem a livre concorrência e a pluralidade do debate público.
Tentativa
No Brasil, não temos nada parecido. Houve, é bem verdade, uma única tentativa. Nos anos 90, Sérgio Motta, ministro das Comunicações no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, criou uma comissão "suprapartidária" para redigir um projeto de lei. O documento, que não tinha nada de esquerdista, procurava conter as práticas monopolistas e os malefícios da propriedade cruzada dos meios de comunicação. A propriedade cruzada pode ser danosa – ao menos segundo a mentalidade antitruste, que inspirou a criação da FCC nos Estados Unidos – quando um só grupo econômico, numa mesma região, controla o maior canal de TV aberta, o maior jornal diário, a maior emissora de rádio, e assim por diante, de tal forma que passa a dominar a pauta do debate público e o mercado publicitário. Por isso as legislações democráticas impõem limites à propriedade cruzada – limites que, naturalmente, variam no tempo, dependendo da natureza dos negócios e dos avanços tecnológicos. No Brasil, infelizmente, a ideia de Sérgio Motta não prosperou. Ele morreu em 1998. Seu projeto morreu junto.
Agora, que um ou mais partidos voltem a tocar o assunto não é ruim. O tema tem pertinência. O complicado é que ele acabou sequestrado por um discurso um tanto assembleísta, demagógico e governista. Seus adeptos acalentam a ilusão de que um governo que assumir parte da condução editorial dos meios de comunicação fará um bem para a sociedade e poderá "compensar" a "desinformação" promovida pela "mídia privada". Esse caminho é a treva. Não apenas ele não vai "democratizar os meios", como vai piorá-los. Governo bom é governo que fica longe dos "meios" – dos privados, dos comerciais e, principalmente, dos públicos.
Lei e autoritarismo
Leis e agências para regular o mercado existem em todo o mundo democrático e não ferem a liberdade de expressão de ninguém. Outra coisa bem distinta é confiar à autoridade estatal a função de editar o jornalismo. O nome dessa outra coisa é autoritarismo inócuo. Inócuo, sim, porque até hoje ninguém foi capaz de inventar um decreto, lei ordinária ou norma constitucional que seja capaz de fabricar "bom" jornalismo. Ao contrário: toda interferência estatal nessa esfera resultou em males muito piores do que aqueles que ela prometia remediar.
O aparelho de Estado é incompetente – nos dois sentidos da palavra – para "melhorar" o nível do jornalismo: o Judiciário não serve para isso (a censura judicial, aliás, não melhora nada nos jornais, só piora), o Executivo deve ficar longe e, quanto ao Legislativo, para lembrarmos aqui o princípio consagrado na célebre Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, de 1791, ele não deve legislar contra a liberdade de imprensa.
Prêmio
A despeito do que deveria ser óbvio, os autoritários – tanto os de esquerda como os de direita, que nisso são idênticos – acreditam que a discricionariedade do burocrata estatal pode "compensar" os abusos dos meios privados. Pensam que a verdade é uma média aritmética entre duas distorções. Para eles, a liberdade de imprensa não é um ponto de partida – incondicional e universal por definição, como direito humano que é –, mas um prêmio que se dá ao jornalista de bom comportamento (bom comportamento na opinião deles, bem entendido). Não sabem que a Primeira Emenda, assim como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789, veio não para condecorar a reportagem objetiva, fidedigna, equilibrada e de bom gosto, mas para assegurar a liberdade de expressão de todos, independentemente de qualquer juízo prévio sobre a "qualidade" dessa expressão. Não sabem que a liberdade ou é para todos, independentemente da opinião dos governantes, ou não é liberdade para ninguém.
Quem não entende o sentido da liberdade não tem credenciais para falar de regulação do mercado de rádio e TV. Mas o tema não pode ser refém desses aí. A ausência de uma legislação moderna para o setor de radiodifusão é um déficit grave da nossa democracia. Superá-lo é uma tarefa urgente, e essa tarefa só poderá ser cumprida por quem sabe respeitar a liberdade – inclusive a liberdade dos crentes em mal-entendidos e dos pregadores das más intenções.
Extraído de:
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ediv_diVad- Farrista além das fronteiras da sanidade
- Mensagens : 20441
Data de inscrição : 10/06/2010
Re: Democracia e regulação das comunicações
Espero que regulamentem algo nesse sentido mas acho que vai ser dificil qualquer projeto nesse sentido acaba virando censura ou autoritarismo nos grandes meios de comunicação, é só ler o que falam de uma lei que limitou o poder dos grandes grupos de comunicação na Argentina.
Tem que acabar com propriedade cruzada,sublocação das tvs, conceder direito de resposta coletivo,etc. Isso tudo e ainda obrigação de produção regional estava no programa do pt que foi retirado, espero que se eleita a Dilma leve isso a frente.
Tem que acabar com propriedade cruzada,sublocação das tvs, conceder direito de resposta coletivo,etc. Isso tudo e ainda obrigação de produção regional estava no programa do pt que foi retirado, espero que se eleita a Dilma leve isso a frente.
Convidad- Convidado
(mais um texto, p/ dar combustível para o debate)
Quem tem medo do controle social da imprensa?
Por Ricardo Kotscho em 18/7/2010
Reproduzido do blog do autor, 15/7/2010; título e intertítulos do OI.
Um dos não-assuntos recorrentes da atual campanha eleitoral é a questão do "controle social da imprensa". A ameaça está todo dia nos jornais, nas revistas, nas colunas e blogs da internet, recheada com declarações de líderes da oposição, uma tabelinha que não comove os eleitores, mas rende pauta para atacar o governo.
Parece até que há um batalhão de censores à espreita, prontos a invadir as redações a qualquer momento, como aconteceu no fatídico dia 13 de dezembro de 1968 em que foi anunciado o Ato Institucional Nº5, e o Brasil entrou nas profundezas da ditadura.
Imagino alguns jornalistas já dormindo debaixo da cama com medo da chegada do bicho-papão, que a maioria deles nem conheceu, mas eu vi de perto, porque estava na redação do Estadão naquela noite do dia 13 em que os militares chegaram, ao vivo e em cores, para dar as ordens que deram início ao longo período de censura à imprensa.
Ameaça
A ameaça agora soa absurda, já que o país vive o mais longo período de liberdades públicas da nossa história recente, em pleno Estado de Direito, com as instituições funcionando, ao contrário do que vivemos naquela época. Ironia do destino: veículos e jornalistas, que agora se arvoram em arautos da liberdade, apoiaram de bom grado aquele golpe militar de 1964, até que o AI-5 se virou contra eles também.
A imprensa hoje tem liberdade absoluta para fazer o que bem quer, sem qualquer tipo de regulação ou limites. Pode esculhambar diariamente o presidente e demais autoridades da República, assassinar reputações, publicar o que lhe dá na telha. Para provar, basta ligar o rádio, entrar na internet ou folhear qualquer uma das publicações que estão nas bancas.
É verdade que alguns setores minoritários do PT alimentam esta paranóia de "controle social da imprensa", com documentos que se repetem desde tempos imemoriais e sempre reaparecem em épocas de campanha eleitoral para assustar a tigrada e prejudicar os candidatos do próprio partido. Citado sempre nas matérias que acenam com o perigo da censura rondando as redações, como um dos mentores do tal controle, o ministro Franklin Martins até acha graça.
"Esse negócio de controle social da imprensa é uma grande bobagem, até porque é impraticável, isso não existe", disse-me ele numa conversa que tivemos outro dia em Brasília.
Mas não adianta. Quanto mais o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff fazem reiteradas declarações de absoluto respeito à liberdade de expressão no país, mais as entidades patronais da comunicação e seus escribas amestrados acenam com o perigo iminente da volta à censura.
Diploma
Não existe nenhum fato concreto, nenhuma medida ou ação do governo, nada que justifique o barulho que se faz sobre o assunto. Com uma capa de assustar criancinhas, a edição da revista Veja que está nas bancas repete o mesmo bordão de outras campanhas eleitorais. Desta vez, "O Monstro do Radicalismo" é o tema de um imenso editorial apresentado em forma de reportagem, sem nenhuma informação nova ou declaração que justifique a tese sobre "a fera petista que Lula domou agora desafia a candidata Dilma".
Até a simples discussão sobre a obrigatoriedade ou não do diploma de jornalismo, um debate que atravessa décadas, serve como argumento para dizer que a liberdade de imprensa corre perigo. Uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira [14/7], em votação simbólica, a volta da obrigatoriedade, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado. E daí?
Como jornalista não-diplomado, pergunto que diferença isto vai fazer na minha vida, no trabalho da imprensa ou nos destinos do país? Em mais de 45 anos atuando nas principais empresas de comunicação, jamais me pediram um diploma para poder trabalhar.
No documento que enviaram no mesmo dia ao ministro Samuel Pinheiro Guimarães, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, em resposta ao seu pedido para que as empresas de comunicação fizessem uma projeção sobre o setor em 2022, as entidades representativas (Abert, ANJ e Aner) defenderam que "a liberdade de pensar e externar opiniões e informações, sem controle de quem quer que seja, é da própria essência da democracia".
Até aí estamos todos de acordo. O problema é que estas mesmas entidades não admitem sequer discutir qualquer marco regulatório para o setor, nem mesmo o direito de resposta, para que a sociedade possa se defender dos eventuais abusos da mesma imprensa.
Autorregulação
Estou de acordo também quando as entidades defendem que o poder público combata a impunidade dos crimes contra jornalistas. Mas sou contrário igualmente à impunidade dos jornalistas que cometem crimes contra cidadãos, entidades e instituições que não têm um veículo para defendê-los e ficam nas mãos de uma Justiça corporativa e lenta.
As entidades representativas dos veículos afirmam em seu documento: "Esperamos que floresça, nos próximos anos, uma exuberante cultura de autorregulação nos meios de comunicação brasileiros". Ótimo. Por que não fizeram isso até agora?
Já perguntei, em debates promovidos por estas entidades, por que as empresas, já que não admitem que a sociedade sequer discuta o seu setor, não tomam a iniciativa de estabelecer de comum acordo regras básicas para o exercício da atividade, como já foi feito há 30 anos na área de propaganda, com a criação do Conar, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, que funciona muito bem?
Num destes debates, comecei dizendo que, ao se discutir liberdade de imprensa, é preciso perguntar antes: liberdade de imprensa para quem? Só para quem imprime ou também para quem lê? Os direitos da imprensa de escrever o que quer não podem ficar acima dos direitos da sociedade de ser bem informada e respeitada nos seus direitos.
FONTE: [Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link]
(Particularmente, achei que os dois textos tocam em alguns pontos interessantes, mas admito minhas limitações no assunto.)
Por Ricardo Kotscho em 18/7/2010
Reproduzido do blog do autor, 15/7/2010; título e intertítulos do OI.
Um dos não-assuntos recorrentes da atual campanha eleitoral é a questão do "controle social da imprensa". A ameaça está todo dia nos jornais, nas revistas, nas colunas e blogs da internet, recheada com declarações de líderes da oposição, uma tabelinha que não comove os eleitores, mas rende pauta para atacar o governo.
Parece até que há um batalhão de censores à espreita, prontos a invadir as redações a qualquer momento, como aconteceu no fatídico dia 13 de dezembro de 1968 em que foi anunciado o Ato Institucional Nº5, e o Brasil entrou nas profundezas da ditadura.
Imagino alguns jornalistas já dormindo debaixo da cama com medo da chegada do bicho-papão, que a maioria deles nem conheceu, mas eu vi de perto, porque estava na redação do Estadão naquela noite do dia 13 em que os militares chegaram, ao vivo e em cores, para dar as ordens que deram início ao longo período de censura à imprensa.
Ameaça
A ameaça agora soa absurda, já que o país vive o mais longo período de liberdades públicas da nossa história recente, em pleno Estado de Direito, com as instituições funcionando, ao contrário do que vivemos naquela época. Ironia do destino: veículos e jornalistas, que agora se arvoram em arautos da liberdade, apoiaram de bom grado aquele golpe militar de 1964, até que o AI-5 se virou contra eles também.
A imprensa hoje tem liberdade absoluta para fazer o que bem quer, sem qualquer tipo de regulação ou limites. Pode esculhambar diariamente o presidente e demais autoridades da República, assassinar reputações, publicar o que lhe dá na telha. Para provar, basta ligar o rádio, entrar na internet ou folhear qualquer uma das publicações que estão nas bancas.
É verdade que alguns setores minoritários do PT alimentam esta paranóia de "controle social da imprensa", com documentos que se repetem desde tempos imemoriais e sempre reaparecem em épocas de campanha eleitoral para assustar a tigrada e prejudicar os candidatos do próprio partido. Citado sempre nas matérias que acenam com o perigo da censura rondando as redações, como um dos mentores do tal controle, o ministro Franklin Martins até acha graça.
"Esse negócio de controle social da imprensa é uma grande bobagem, até porque é impraticável, isso não existe", disse-me ele numa conversa que tivemos outro dia em Brasília.
Mas não adianta. Quanto mais o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff fazem reiteradas declarações de absoluto respeito à liberdade de expressão no país, mais as entidades patronais da comunicação e seus escribas amestrados acenam com o perigo iminente da volta à censura.
Diploma
Não existe nenhum fato concreto, nenhuma medida ou ação do governo, nada que justifique o barulho que se faz sobre o assunto. Com uma capa de assustar criancinhas, a edição da revista Veja que está nas bancas repete o mesmo bordão de outras campanhas eleitorais. Desta vez, "O Monstro do Radicalismo" é o tema de um imenso editorial apresentado em forma de reportagem, sem nenhuma informação nova ou declaração que justifique a tese sobre "a fera petista que Lula domou agora desafia a candidata Dilma".
Até a simples discussão sobre a obrigatoriedade ou não do diploma de jornalismo, um debate que atravessa décadas, serve como argumento para dizer que a liberdade de imprensa corre perigo. Uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira [14/7], em votação simbólica, a volta da obrigatoriedade, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado. E daí?
Como jornalista não-diplomado, pergunto que diferença isto vai fazer na minha vida, no trabalho da imprensa ou nos destinos do país? Em mais de 45 anos atuando nas principais empresas de comunicação, jamais me pediram um diploma para poder trabalhar.
No documento que enviaram no mesmo dia ao ministro Samuel Pinheiro Guimarães, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, em resposta ao seu pedido para que as empresas de comunicação fizessem uma projeção sobre o setor em 2022, as entidades representativas (Abert, ANJ e Aner) defenderam que "a liberdade de pensar e externar opiniões e informações, sem controle de quem quer que seja, é da própria essência da democracia".
Até aí estamos todos de acordo. O problema é que estas mesmas entidades não admitem sequer discutir qualquer marco regulatório para o setor, nem mesmo o direito de resposta, para que a sociedade possa se defender dos eventuais abusos da mesma imprensa.
Autorregulação
Estou de acordo também quando as entidades defendem que o poder público combata a impunidade dos crimes contra jornalistas. Mas sou contrário igualmente à impunidade dos jornalistas que cometem crimes contra cidadãos, entidades e instituições que não têm um veículo para defendê-los e ficam nas mãos de uma Justiça corporativa e lenta.
As entidades representativas dos veículos afirmam em seu documento: "Esperamos que floresça, nos próximos anos, uma exuberante cultura de autorregulação nos meios de comunicação brasileiros". Ótimo. Por que não fizeram isso até agora?
Já perguntei, em debates promovidos por estas entidades, por que as empresas, já que não admitem que a sociedade sequer discuta o seu setor, não tomam a iniciativa de estabelecer de comum acordo regras básicas para o exercício da atividade, como já foi feito há 30 anos na área de propaganda, com a criação do Conar, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, que funciona muito bem?
Num destes debates, comecei dizendo que, ao se discutir liberdade de imprensa, é preciso perguntar antes: liberdade de imprensa para quem? Só para quem imprime ou também para quem lê? Os direitos da imprensa de escrever o que quer não podem ficar acima dos direitos da sociedade de ser bem informada e respeitada nos seus direitos.
FONTE: [Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link]
(Particularmente, achei que os dois textos tocam em alguns pontos interessantes, mas admito minhas limitações no assunto.)
zkrk- Farrista desafio aceito!
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