As difíceis escolhas no Cairo
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As difíceis escolhas no Cairo
Nos últimos 30 anos, quando os funcionários americanos pressionavam (gentilmente) o presidente do Egito, Hosni Mubarak, a não mais mandar para a prisão seus adversários e a empreender reformas mais democráticas, ele imediatamente retrucava: "Vocês querem a Irmandade Muçulmana no poder?" Os acontecimentos de quarta-feira sugerem que os egípcios continuam enfrentando esse tipo de dilema: a ditadura militar ou uma democracia não liberal. Para que a nova liderança egípcia alcance seus objetivos, precisa encontrar um meio de rejeitar ambas as opções. E essa tarefa cabe aos egípcios, e não aos EUA.
Em geral, a mídia ocidental considera o Egito um país dividido entre secularistas e islamistas, e pondera que o presidente deposto, Mohamed Morsi, seguiu uma linha islâmica radical durante o ano em que permaneceu no governo. Certamente, há alguma verdade nessa afirmação, embora se trate muito mais de uma luta pelo poder do que da implementação da sharia.
Morsi e a Irmandade Muçulmana decepcionaram, mostraram-se gananciosos e venais. O partido prometeu que não concorreria à presidência nem buscaria a maioria no Parlamento, mas ignorou ambas as promessas. Fez uma leitura apressada da Constituição, deficiente em muitos pontos fundamentais, como as garantias dos direitos humanos. Permitiu a discriminação e até a violência contra a minoria cristã copta no Egito. Tentou calar a oposição, banindo até o fim da vida os membros do antigo partido de Mubarak de todos os cargos políticos no Egito.
Mas o seu pecado maior foi a incompetência. O Egito está em queda livre. No ano de Morsi na presidência, a economia afundou, o desemprego atingiu níveis extremamente elevados, a ordem pública entrou em colapso, a criminalidade cresceu e os serviços sociais estagnaram.
Por si só, isso bastaria para causar um enorme descontentamento da população.
Canalizado inicialmente contra o Exército, que governou o Egito por 16 meses depois da queda de Mubarak, em 2011, agora se volta contra Morsi. Se a situação não melhorar no país, o descontentamento não se dissipará tão facilmente.
Os militares egípcios definiram esse golpe como uma ação "suave", com a finalidade de restaurar a democracia e não de subvertê-la.
Se for bem-sucedido, poderá funcionar, como em 1997 funcionou a destituição do governo islâmico na Turquia pelos militares turcos. Se fracassar, se assemelhará mais ao golpe argelino de 1992, que abriu o caminho para dez anos de violência.
Por enquanto, a ação certamente contribuiu para preservar o imenso poder e as prerrogativas do Exército, que continuaram apesar do fim formal do governo militar. O orçamento da Defesa, por exemplo, continua um segredo que não pode ser investigado pelo Parlamento nem pela presidência. E embora a má gestão de Morsi tenha galvanizado forças liberais, é irônico que estas tenham buscado o caminho do poder respaldando-se num regime militar um tanto repressivo.
O que vemos no Egito são os resultados de uma infeliz dinâmica fruto de décadas de ditadura. A autocracia extrema produziu como seu contraponto uma oposição extrema.
À medida que o regime se tornava mais repressivo, a oposição respondia sempre mais islamista e obstinada, às vezes violenta.
Os territórios árabes foram sequestrados por regimes repressivos e movimentos políticos não liberais, com poucas perspectivas de ver emergir dessas duas forças uma democracia liberal.
Morsi e a Irmandade tiveram a oportunidade de romper esse círculo vicioso, de se tornar a força da democracia e de uma ordem liberal com a separação dos poderes e um governo constitucional.
Líder 'diferente'. Essa foi a base do sucesso do partido AKP da Turquia, até recentemente, quando dez anos de sucesso e três vitórias eleitorais subiram à cabeça do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. Mas para tanto, Morsi precisaria ser um tipo de líder diferente, e na realidade muito raro na história.
Esse líder existe hoje, mas ele jaz num leito de hospital de Pretória, na África do Sul, mais próximo da morte. Nelson Mandela é um homem de uma estatura extraordinária por diversas razões. Mas a principal delas é talvez o fato de que, ao assumir o controle do país, fez tudo o que estava em seu poder para abraçar e assegurar os africâneres de que eles tinham um lugar importante na nova África do Sul.
É fácil imaginar as pressões às quais Mandela foi submetido para tratar os que criaram o apartheid de maneira totalmente diferente. E, no entanto, ele resistiu, e fez o que estava certo para o seu país e a sua história.
Os EUA tentaram palmilhar um caminho intermediário, apoiando o processo democrático, trabalhando com o presidente eleito, mas insistindo em sua moderação. Não basta satisfazer a um ou outro lado - e enquanto anteriormente o governo de Washington era acusado de apoiar os militares, agora é acusado de apoiar a Irmandade.
Na realidade, os líderes dos EUA são em grande parte irrelevantes. O que importa são os líderes no Cairo. Morsi não é Mandela, e, muito provavelmente, nem o seu sucessor. Essa diferença fará com que o Egito deva seguir um caminho democrático mais árduo do que o da África do Sul. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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Em geral, a mídia ocidental considera o Egito um país dividido entre secularistas e islamistas, e pondera que o presidente deposto, Mohamed Morsi, seguiu uma linha islâmica radical durante o ano em que permaneceu no governo. Certamente, há alguma verdade nessa afirmação, embora se trate muito mais de uma luta pelo poder do que da implementação da sharia.
Morsi e a Irmandade Muçulmana decepcionaram, mostraram-se gananciosos e venais. O partido prometeu que não concorreria à presidência nem buscaria a maioria no Parlamento, mas ignorou ambas as promessas. Fez uma leitura apressada da Constituição, deficiente em muitos pontos fundamentais, como as garantias dos direitos humanos. Permitiu a discriminação e até a violência contra a minoria cristã copta no Egito. Tentou calar a oposição, banindo até o fim da vida os membros do antigo partido de Mubarak de todos os cargos políticos no Egito.
Mas o seu pecado maior foi a incompetência. O Egito está em queda livre. No ano de Morsi na presidência, a economia afundou, o desemprego atingiu níveis extremamente elevados, a ordem pública entrou em colapso, a criminalidade cresceu e os serviços sociais estagnaram.
Por si só, isso bastaria para causar um enorme descontentamento da população.
Canalizado inicialmente contra o Exército, que governou o Egito por 16 meses depois da queda de Mubarak, em 2011, agora se volta contra Morsi. Se a situação não melhorar no país, o descontentamento não se dissipará tão facilmente.
Os militares egípcios definiram esse golpe como uma ação "suave", com a finalidade de restaurar a democracia e não de subvertê-la.
Se for bem-sucedido, poderá funcionar, como em 1997 funcionou a destituição do governo islâmico na Turquia pelos militares turcos. Se fracassar, se assemelhará mais ao golpe argelino de 1992, que abriu o caminho para dez anos de violência.
Por enquanto, a ação certamente contribuiu para preservar o imenso poder e as prerrogativas do Exército, que continuaram apesar do fim formal do governo militar. O orçamento da Defesa, por exemplo, continua um segredo que não pode ser investigado pelo Parlamento nem pela presidência. E embora a má gestão de Morsi tenha galvanizado forças liberais, é irônico que estas tenham buscado o caminho do poder respaldando-se num regime militar um tanto repressivo.
O que vemos no Egito são os resultados de uma infeliz dinâmica fruto de décadas de ditadura. A autocracia extrema produziu como seu contraponto uma oposição extrema.
À medida que o regime se tornava mais repressivo, a oposição respondia sempre mais islamista e obstinada, às vezes violenta.
Os territórios árabes foram sequestrados por regimes repressivos e movimentos políticos não liberais, com poucas perspectivas de ver emergir dessas duas forças uma democracia liberal.
Morsi e a Irmandade tiveram a oportunidade de romper esse círculo vicioso, de se tornar a força da democracia e de uma ordem liberal com a separação dos poderes e um governo constitucional.
Líder 'diferente'. Essa foi a base do sucesso do partido AKP da Turquia, até recentemente, quando dez anos de sucesso e três vitórias eleitorais subiram à cabeça do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. Mas para tanto, Morsi precisaria ser um tipo de líder diferente, e na realidade muito raro na história.
Esse líder existe hoje, mas ele jaz num leito de hospital de Pretória, na África do Sul, mais próximo da morte. Nelson Mandela é um homem de uma estatura extraordinária por diversas razões. Mas a principal delas é talvez o fato de que, ao assumir o controle do país, fez tudo o que estava em seu poder para abraçar e assegurar os africâneres de que eles tinham um lugar importante na nova África do Sul.
É fácil imaginar as pressões às quais Mandela foi submetido para tratar os que criaram o apartheid de maneira totalmente diferente. E, no entanto, ele resistiu, e fez o que estava certo para o seu país e a sua história.
Os EUA tentaram palmilhar um caminho intermediário, apoiando o processo democrático, trabalhando com o presidente eleito, mas insistindo em sua moderação. Não basta satisfazer a um ou outro lado - e enquanto anteriormente o governo de Washington era acusado de apoiar os militares, agora é acusado de apoiar a Irmandade.
Na realidade, os líderes dos EUA são em grande parte irrelevantes. O que importa são os líderes no Cairo. Morsi não é Mandela, e, muito provavelmente, nem o seu sucessor. Essa diferença fará com que o Egito deva seguir um caminho democrático mais árduo do que o da África do Sul. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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marcelo l.- Farrista "We are the Champions"
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